Restaurantes
5 restaurantes para conhecer em Sydney
Sydney – Quando cheguei aqui, em abril, para conhecer a nova leva de chefs da cidade, sabia que não estava no centro do universo culinário; esse estava a mais de 600 km de distância, em Melbourne.
Na semana anterior, cerca de 900 chefs, sommeliers, editores e escritores de todos os cantos do planeta tinham se reunido ali para a revelação anual da lista dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo. Uma casa local conquistou a honraria e outra, também no estado de Victoria, comemorou o fato de constar entre os eleitos.
Nenhum estabelecimento de Sydney foi incluído. Só um deles, o Quay, tinha emplacado antes, em 95º, na longa relação que inclui cem nomes.
Entretanto, durante minha “turnê” pela cidade, comendo em casas cujos chefs ainda são bem pouco conhecidos no cenário, ninguém ficou chateado. As de que eu mais gostei têm outras qualidades além da conquista de um prestígio unânime: o serviço, o ambiente e a grande maioria dos pratos têm um nível de profissionalismo que mostra que o trabalho é levado a sério, mas tranquilo a ponto de você, como cliente, não ter que se preocupar demais.
O mundo pode não estar de olho em Sydney, na Austrália, no momento, mas os cinco chefs cujas preparações mais me impressionaram têm ou origens globais, ou sensibilidades cosmopolitas, ou ambos.
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Firedoor

Lennox Hastie, do Firedoor, nasceu e foi criado na Inglaterra, e montou uma cozinha em que o que não é servido cru passa, direta ou indiretamente, por toras e cinzas, através dos métodos que aprendeu nos cinco anos em que trabalhou no Asador Etxebarri, no País Basco.
>Sentado ao balcão do chef desse restaurante de dois anos de idade, fui agraciado com o show pirotécnico integral, no qual parreira, eucalipto e árvores frutíferas como pessegueiro e laranjeira viram fumaça. De quando em vez alguém enche um balde com pedaços de carvão e distribui o conteúdo sob uma das três grelhas de aço inoxidável, brilhantes e modernas, ao contrário do fogão preto de fuligem escondido mais atrás.
Desse cenário primitivo saem pratos de uma finesse quase inacreditável. Nada do que provei no Firedoor estava chamuscado – e embora a fumaça seja presença constante, o que notei, acima de tudo, foi a precisão com que os cozinheiros controlam a temperatura do fogo.

Sobre uma salada de lascas de funcho e caviar cítrico, fatias de albacora, fritas só de um lado, apenas para ficarem branquinhas. O filé de sea robin é grelhado bem acima das brasas até ficar no ponto, suculento e levemente defumado.
O molusco conhecido localmente como pipi, salteado com pimenta vermelha e brotos de uma suculenta nativa conhecida como karkalla, são amontoados em uma frigideira diretamente sobre as brasas para depois, rapidamente, ser mantida bem acima delas. O tutano é assado sob as brasas, no forno, até quase derreter e implorar para ser espalhado sobre o pão grelhado com pimenta fermentada e alguns galhinhos de salada verde picante.
Momofuko Seiobo

O Momofuku Seiobo não é novo, pois David Chang o inaugurou em 2011, mas o chef de lá é. Paul Carmichael assumiu em 2015 e deu aos pratos um forte toque pessoal. Criado em Barbados, ele trata a Austrália como uma ilha caribenha.
O pão trinitino, o chamado “bake” (assado), na verdade é frito e recoberto com fatias de lardo e abalone, em vez dos pedaços tradicionais de cação. Tem peixe salgado no arroz sofrito e, embora ele use roncadeira em vez de bacalhau, o sabor é puro Porto Rico.
Tem roti na chapa, conhecido como “buss up shut”, servido na companhia de rabo de bugs de Moreton Bay (ou Thenus orientalis, uma espécie de lagostim.).
A fruta-pão é originária do Pacífico Sul, mas foi plantada em todo o Caribe como opção barata de alimento para os escravos. Cozida e amassada com manteiga, ela é presença garantida em Barbados e outras ilhas. Carmichael serve um pedaço macio mergulhado em um molho amanteigado que amplia ainda mais o sabor da iguaria, onde ela aparece desidratada, tostada e fermentada.
Automata

Clayton Wells é australiano da gema. Começou a carreira em Sydney, depois passou vários anos cozinhando em restaurantes em Londres e fez até o “estágio” obrigatório no Noma antes de retornar como sous-chef do Seiobo, antes de Carmichael assumir. O método Momofuku deixou marcas no seu estilo, evidentes na casa que abriu há um ano, o Automata.
O salão, no piso térreo do Old Clare Hotel, é todo em aço inoxidável, madeira clara e concreto, com alguns toques de gelo na iluminação. Mais largo que fundo, há uma longa mesa comunal que toma quase todo o espaço. A todo mundo é servido o menu degustação, composto de cinco pratos comedidos que saem por 88 AUD acessíveis (cerca de US$ 66).

Wells inclui técnicas modernistas em seu preparo, ainda que invisíveis. Para começar, um lindo buquezinho de cogumelo enoki defumado no alecrim e embrulhado em uma fina camada de rabo de porco defumado; a seguir, um rabo de bug grelhado, levemente mentolado por causa do shiso desidratado, e salgado graças a um óleo feito a partir de umeboshi (conserva de ameixas), acompanhado de caqui, tão molinho e doce que parece geleia. Poucos sabores, mas intensos e multiplicados.
A seguir, o repolho mais docinho que já provei na vida. E escondido por baixo dele um purê de cogumelos com manteiga que espalhou seu sabor em cada milímetro da verdura.
Fred’s

A chef do Fred’s, inaugurado em outubro passado, é uma norte-americana chamada Danielle Alvarez, que saiu da Flórida para fazer especialização na Alice Waters e hoje dá um toque californiano aos ingredientes da Nova Gales do Sul. Seu estilo se encaixa perfeitamente em Sydney, com seu clima mediterrâneo.
O destaque do salão do Fred’s é a cozinha aberta que mais parece o cenário de um programa de culinária. Dos dois lados de um braseiro largo e do forno à lenha, um pouco menor, ficam duas ilhas de mármore enfeitadas com tigelas enormes de pimentões, tomates, berinjelas e ervas. Há cadeiras para os clientes nessas estações.
E Danielle vai buscar lá no Oriente Médio a inspiração para preparar delícias como a que combina pimentão vermelho, pepino, anchovas e queijo fresco em um exuberante fattoush. E também na pescada delicada recoberta com molho de salsinha e casca de limão que pedi. Graças à sua habilidade no preparo do carneiro, a chef já vem ganhando fama. Aliás, a popularidade da carne foi uma das razões que a fez se mudar para a Austrália.
Ester

Nessa geração eclética de chefs, Mat Lindsay é o filho da terra. Aprendeu a cozinhar em Sydney, onde vai buscar os ingredientes para inovações, mesmo que o estilo que exibe no Ester seja decididamente moderno e internacional.
Há ocasiões em que Lindsay se volta para os sabores e preferências locais, como nos mini sanduíches de chouriço, inspirados na guloseima popular, ainda que pouco valorizada, o famoso “pão com linguiça”; em outras, adota o estilo visual nórdico, servindo deliciosas batatas Hasselback em um pires de manteiga feita com whey defumado.

A carne de canguru, desidratada, é frita e combinada com macadâmias, folhas de um arbusto local (saltbush) e muntries, uma frutinha azeda nativa. A inspiração parece vir da culinária tailandesa, com opções locais substituindo a carne de boi ou porco, com amendoim e manjericão, resultando em um sabor fantástico. A sobremesa foi buscar a delícia da singularidade dos “três leites”: de ovelha no iogurte, de vaca na panacota e de cabra no dulce de leche que compõem as camadas de gostosura.
Se o Ester, Firedoor, Automata e Fred’s merecem o reconhecimento mundial de que o Seiobo já goza? Sem dúvida. E é provável que o conquistem, embora nenhum dos chefs pareça estar muito preocupado com isso.