Jussara Voss

Jussara Voss

Vosso Blog de Comida

Juro que danço 1

01/07/2025 16:49
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O improvável aconteceu. Terça-feira, uma da tarde, zero graus em Curitiba, o espaço SFCO179 do restaurante Tijolo lotado e quase 150 pessoas dançando. A festa começou ao meio-dia, com pouca gente na pista - a maioria escolheu almoçar primeiro, claro. Entrava-se pelo bar e cozinha - era impossível não querer comer.
A recepção por conta da Claudia Krauspenhar (K.Sa Restaurante), da Gabriela Carvalho (Quintana Gastronomia), do Dirson Júnior (SFCO179/Tijolo CWB), do Jorge Tonatto (Bar do Alemão), além da mesa de queijos e manteigas da Flávia Rogoski (Bon Vivant em Casa e Bon Vivant Queijos do Mundo) em parceria com a Cooperativa Witmarsum e os pães da escola San Francisco Baking Institute, com o patrocínio para o evento da Irati Trigo de Origem, era mesmo irrecusável.
Aos poucos, as pessoas foram chegando e, ao atravessarem o corredor que ia dar no salão, abriam a pesada cortina vermelha de veludo, caindo direto na balada ao som do cara que é múltiplo: jornalista, poeta, DJ e a última revelação da televisão, Heitor Humberto (ele chegou a duvidar da proposta no início, mas acabou se entregando. Aliás, muita gente duvidava).
Água e chás da Cini Bebidas e chocolates da Ameizi completaram a refeição. Fundamental o apoio de mídia do Bom Gourmet e também do Restaurante Madero e da Dani Machado (o vídeo dela sobre o evento no TikTok passou de 70 mil visualizações), além da participação dos alunos da PUCPR, supervisionados pela coordenadora de gastronomia da Universidade Católica do Paraná, Eloize Cruz. Como fazer festa sem eles e sem os utensílios da Garbo (empresa de locação para eventos) e a gentileza do NH Hotels, que hospedou os voluntários da Gastromotiva?
O intervalo de almoço é curto pra todo mundo; era preciso aproveitar o tempo, e ele foi generoso - espichou-se, deixando a gente sem acreditar. Como, em nossas vidas aceleradas, é possível não sentir o tempo passar?

Origem

Não lembro exatamente a data em que comecei a falar de uma balada ao meio-dia durante a semana. Foi lá por 2018, quando vi um clube em Berlim, o Franz, fazer isso, e encasquetei: teríamos que replicar aqui. O primeiro a entender a proposta e aceitar o desafio foi o Luiz Milek, na época com o Coletivo Alimentar, no centro de Curitiba. André Gentil seria o DJ, e Lucas Correia ex-restaurante Manu) faria a comida. A pandemia acabou com a ideia inusitada, que permaneceu trancada na gaveta dos sonhos até a última terça-feira, 24 de junho de 2025. Isso porque a Ale Vianna e a Dani Volcov, da Nazdarovia Eventos, disseram: “Agora é a hora, vamos fazer”. Também porque o Maurício Ramos (com a sua agência Social Ideias, inteiramente à disposição da iniciativa) quis retomar a Gastromotiva e topou unir as duas propostas. Sem elas e eles nada teria acontecido. Para a comunicação do projeto, contamos com toda a energia e disposição da Waline Piper, e a equipe especial da Agência Piper, trabalharam muito e tudo deu certo. Nós amamos e agradecemos (falo por todos da organização).
Uma semana depois da primeira edição, parece difícil acreditar no que aconteceu e responder à pergunta: “Quando será a próxima?” Certeza de que estamos precisando de momentos disruptivos durante a semana como este para continuarmos inteiros e focados. A ideia de desacelerar, ao mesmo tempo criar conexões e viver bons momentos com alegria, fez todo o sentido. Por tudo isso, podemos dizer que teremos “Juro que danço” em agosto e, logo, confirmaremos a data. Siga o @juroquedanco.

Gastromotiva

A causa nobre - retomar as ações da Gastromotiva em Curitiba (os cursos aqui foram interrompidos na pandemia) - é mais importante do que dançar e isso nos motivou a encarar a ideia da balada. Dancei muito, por isso, excepcionalmente, a newsletter pulou a última quinta-feira - era preciso digerir o que aconteceu.
Muita gente ajudou, muita gente dançou, e agradecer aqui é muito pouco. Além da diversão, a festa marca o retorno de um compromisso com a transformação social por meio da comida. Foi um momento importante para reconstruir a rede de apoio e impulsionar as ações da ONG que une, educa e transforma vidas pela gastronomia. Seguimos com os princípios da gastronomia social: combate ao desperdício, formação profissional, geração de renda e fortalecimento de comunidades.
Destaco e agradeço a participação de outros restaurantes que contribuíram para que a festa acontecesse: ASU Restaurante; Cantina do Délio; Coin por Ivan Lopes; DUQ Gastronomia; Ile de France; Limoeiro Casa de Comida; Mezmiz; Ragú Rotisseria; Restaurante Igor; Sambiquira; Tekoa Gastronomia by Easy Cheff; Tortuffi Cocina Moderna. E ainda: a escola Disco Dance Company, que ajudou a animar a pista; e a Esc. Escola de Escrita, que inspirou o nome da festa e apresentou o Heitor Humberto pra gente.

Registro

Eu não tirei o celular da bolsa. O vídeo é do meu amigo, médico e cineasta Cláudio Paciornik. Para completar a semana que teve esse espasmo de alegria, fui ouvinte da Oficina Criativa “Infinito Cosmorama - A expansão multicelular do verbo” (palestra-performance, ou aula-concerto), com Fausto Fawcett e direção artística de Eduardo Beu, também co-idealizador da proposta apresentada pela primeira vez em São Paulo. Só poderia ter acontecido no Wonka Bar, puxado pelas mãos da vibrante Ieda Godoy.
Você só sabe de Fawcett a autoria de “Rio, 40 graus” (entre outras músicas), que dançamos com Fernanda Abreu? Está desatualizado. O homem é uma verdadeira panela de pressão, com seu chamamento para pensar de tudo e passar pelos choques culturais em várias áreas. Foi uma imersão de pura provocação - uma “macumba verbal” - (a realidade não está para amadores).
“O homem é uma corda estendida sobre o abismo”, anotei quando ele falou. Então, o melhor é ir de mãos dadas, pensei. Seis dias (faltei um) mergulhados em provocações duplas: de Grande Sertão Veredas; Apocalypse Now; Beatles; Guimarães Rosa; Kraftwerk; Charles Manson; Marie Curie e Shiva. A partir de cinco eixos - música, cinema, literatura, ciência e cosmogonia - Fawcett propõe uma reflexão sobre a hiperexposição contemporânea e os modos de lidar com a avalanche de informações que transformaram o ser humano em um ‘zumbi de celular’. Sacudiu conceitos e ideias; até os participantes extravasaram (quase todos. Eu, quietinha, quando convocada a falar, nem sei o que disse, com todo mundo esperando que dissesse alguma coisa que valesse a pena ouvir. Perdi a chance de declamar Maiakóvski e convidar todos para dançar. Como não pensei nisso antes? Desperdicei tempo e me achei incapaz).
Então, no sábado, os ‘alunos’ tomaram o palco para si. Vou devagar (como sempre), deixo a gordura do molho subir, decantar o que escutei e vi, para transformar em impulso de vida mais consciente (espero) com o tempo. Acabei sem o livro dele “Pesadelo ambicioso”, que teve lançamento em Curitiba, na Biblioteca Pública, e tenho esperança em recebê-lo.
Beu contou que eles começaram a desenhar a proposta da oficina em 2018 e que, agora, já tem outras ideias em mente. Sem querer comparar (a oficina tem um peso que nem sonho ousar), a certeza é de que existe um tempo de reflexão para que alguma ideia saia do papel. A minha proposta de “navegar no caos” foi dançar ao meio-dia durante a semana e ter consciência da necessidade de oferecermos oportunidades para quem não as tem, reativando a Gastromotiva. Uma “diversão na guerra cotidiana”. Fawcett é sábio.