Guilherme Rodrigues
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Vinho inigualável: o Jerez, das páginas de Shakespeare ao cinema com Vincent Price
Jerez inspirou a arte e ganhou fama graças a seus sabores únicos. Bigstock
Proveniente da ensolarada e sensual região da Andaluzia, na Espanha, o Jerez é um dos mais célebres vinhos. O grande ator Vincent Price, desempenhando o papel do maior provador de vinhos do mundo, após um gole de Amontillado exclama em êxtase: “What an Amontillado! A drift to paradise”. (em tradução livre, “Que Amontillado! Uma viagem ao paraíso”).
O Jerez (também se escreve Xerez ou Sherry) frequentou as páginas de Shakespeare e inspirou os melhores escritores através dos tempos. A fama não veio por acaso, mas pelos méritos dos seus fantásticos e inigualáveis sabores. A cidade de Jerez de la Frontera, próxima ao Atlântico, junto às portas do estreito de Gibraltar, é o centro da região produtora. O solo é formado por colinas suaves e ondulantes, cobertas por um calcário de cor branca, chamado de albariza. As castas são brancas. A mais empregada é a Palomino (nos vinhos secos). Em menor quantidade, a Moscatel, além da Pedro Ximénez (nos adocicados).
O vinho é talvez o único que passa por maturação biológica nas barricas. Trata-se da flor, uma película branca de leveduras que se forma à superfície do vinho, protegendo-o do ar. Mantém a cor clara original, aportando uma textura etérea e aromas especiais. A flor se mantém até cerca de oito anos. O mosto destinado à maturação sob a flor é vinificado até o final, dando um vinho bem seco. Em seguida, o teor alcoólico é elevado até a casa dos 15°, com adição de aguardente vínica. Forma-se a flor e o vinho estagia. Desse processo, saem os Fino e Manzanilla e os etéreos e soberbos Amontillados. Quando a flor é morta durante o processo pela elevação do álcool a 17° e o vinho mantido em maturação – ocorre apenas em lotes muito escolhidos –, será Palo Cortado.
Já na outra família, sem a flor, o mosto também é vinificado até o fim. Porém, o grau é elevado desde logo para a casa dos 17°, o que mata as leveduras da flor, impedindo-as de se desenvolverem. É o processo que faz os Olorosos, mais cheios, com instigantes notas oxidativas, e mais encorpados.
As uvas destinadas aos adocicados moscatéis e Pedro Ximénez são pacificadas para concentrar os açúcares. A fermentação é estancada com adição de aguardente vínica, remanescendo altíssima quantidade de açúcar residual – entre 180 e 500 g/l. Estagiados no famoso sistema de “Cryaderas y Soleras”, quando a crianza (estágio) é mais prolongada, o Consejo Regulador autoriza as denominações com indicação de idade (12 ou 15 anos), V.O.S. (acima de 20 anos) e V.O.R.S (acima de 30 anos). Jerez raramente é safrado. Há também os raros Almacenistas, seleção de lote especial de um desses tipos, e de qualidade muito alta, de um determinado produtor, em geral artesanal (o almacenista, ou armazenista em português).
Os finos e manzanillas devem ser muito refrescantes, sápidos e vivazes. Perfeitos nos aperitivos. Olorosos, mais cheios e untuosos. Já as categorias superiores, Amontillados, Palo Cortado e Oloroso, são o nirvana de saborese aromas indescritíveis, a viagem ao paraíso do Vincent Price. A temperatura de serviço situa-se entre 7°C e 9°C para os finos e manzanillas; e entre 11°C e 14° para os demais.
O copo ideal tem o formato próximo ao padrão degustação ISO/INAO, as chamadas “copitas”. São surpreendentes no acompanhamento de refeições, casando-se lindamente com quase todo tipo de pratos. Com um grande jamón ibérico de bellota, pata negra, e com boas azeitonas, são o que tem de bom!