Dani Machado

Mesa Afora

Da origem ao prato: os caminhos do porco e do cordeiro em dois projetos latino-americanos

24/07/2025 18:36
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Comecei o mês de julho em São Paulo, acompanhando de perto o novo menu da Casa do Porco e uma visita ao Sítio Rueda. Terminei aquela semana em Caracas, na Venezuela, onde conheci o restaurante Cordero e o Proyecto Ubre, que abastece a cozinha com cordeiros criados com o mesmo nível de cuidado. Em comum? A ideia de que um prato começa muito antes de chegar à mesa.
Na Casa do Porco, que segue entre os restaurantes mais importantes da América Latina, a experiência começa de fato no campo. O Sítio Rueda, no interior de São Paulo, abriga cerca de mil porcos criados ao ar livre, com ração livre de antibióticos e alimentação natural. Ali, os animais vivem com espaço, sombra, terra e tempo. O abate é feito de forma respeitosa, com foco em bem-estar animal e aproveitamento total da carcaça.
De lá também vêm frutas, legumes, ovos, frangos e hortaliças que abastecem o restaurante. O novo menu, chamado Porco D.O.C., custa R$ 320 e tem oito tempos. É totalmente assinado por Jefferson Rueda e valoriza a cozinha caipira com sofisticação. Nele, provei pratos como canjica com trufa negra, milho branco e porcopoca; peixe confitado na banha de porco com toffee e colágeno; hambúrguer de cabeça de porco com american cheese; e o prato principal, o Porco San Zé, com linguiça da casa, farofa, feijão, couve e folhas da horta.
Apesar de ter o porco como protagonista, a Casa do Porco também abre espaço para outros ingredientes e técnicas - como peixes, frutas da estação, brotos da horta e preparações que costuram referências.
A força do projeto se estende também à Sorveteria do Centro, com sabores autorais como goiabada , leitão e torta de limão; Charcutaria Porco Real, que produz copa, mortadela e lardo com técnicas artesanais; e aos sanduíches e outros preparos que circulam por São Paulo, mantendo a filosofia do aproveitamento integral e do respeito ao ingrediente.
De lá fui direto a Caracas viver uma experiência que, de certa forma, conversa com esse mesmo pensamento. O restaurante Cordero, comandado pelo chef Issam Koteich, nasce do Proyecto Ubre, uma fazenda na qual são criados cordeiros da raça Assaf com foco em sustentabilidade, bem-estar animal e uso completo da proteína.
E aqui vale um ponto importante: o Cordero é exclusivamente dedicado ao cordeiro e seus derivados. Tudo na casa gira em torno dessa proteína: carne, leite, gordura, ossos, miúdos, queijos, embutidos - e até sobremesas. É uma cozinha de identidade clara, com foco absoluto na criação local e no aproveitamento integral do animal.
O restaurante oferece menu à la carte e menu degustação (US$ 120 ou US$ 180 com harmonização). No meu jantar, experimente língua de cordeiro, miolos empanados, paletilla cozida por 36 horas um menu delicioso e surpreendente. Em um dos espaços do grupo, comi ainda um hambúrguer de cordeiro impecável e uma seleção de sorvetes de leite de ovelha feito ali mesmo - intensos, cremosos e únicos.
O grupo Cordero também produz charcutaria e laticínios artesanais a partir do cordeiro e do leite das ovelhas. Já opera uma trattoria italiana e deve abrir ainda este ano um restaurante com foco na culinária árabe - parte de um projeto maior que pretende seguir expandindo a partir do campo.
Tanto o Rueda no Brasil como o Koteich na Venezuela mostram que a gastronomia mais relevante da atualidade vai além do prato bonito e do sabor marcante. Ela fala de origem, de responsabilidade, de produção, de conexão com quem planta, cria, cuida e transforma. O bom prato começa no solo, passa pela mão de quem respeita os ciclos da vida, e chega à mesa carregado de histórias que a gente sente mesmo antes de ouvir.