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Arte e gastronomia: quando a expressão “comer com os olhos” faz todo o sentido
Em tempos de redes sociais, de muitas imagens compartilhadas e de uma busca cada vez maior por experiências, é possível observar uma grande preocupação com o aspecto visual do que é postado. E isso também passa pela gastronomia. Fotos bem produzidas, pratos bem montados e muito cuidado com a apresentação do alimento. Mas, afinal, a comida também é arte?
De acordo com Renata Braune, professora e chef executiva da Le Cordon Bleu São Paulo, a gastronomia é, sim, uma forma de arte, pois também nos sensibiliza e transforma o nosso olhar. “Hoje este termo caiu em desuso, mas na origem, não usávamos o termo gastronomia. Nós utilizávamos arte culinária”, relembra.
Como forma de expressão artística, a gastronomia também busca o equilíbrio das formas, a harmonia das texturas e das cores. E, mais do que isso, procura despertar sentimentos e sensações. “É verdade que comemos com os olhos, como diz o ditado. Mas não apenas o visual nos instiga. A experiência gastronômica é uma das poucas em que envolvemos os nossos cinco sentidos, é algo muito completo e que tem o poder, assim como as artes em geral, de nos dar prazer, despertar emoções, sentimentos e, até mesmo, nos provocar. Além disso, assim como acontece muitas vezes com a arte, a gastronomia se completa na experiência outro”, afirma a chef.
E, para que essa experiência gastronômica seja mesmo completa, não basta apenas saber preparar o alimento. “Na França eles chamam de ‘a arte da comida e da mesa’. Isso envolve não só os alimentos, mas a forma de servi-los e de prepará-los. Nada pode ser deixado de fora e todo o processo exige conhecimento: desde a escolha do alimento, do método de preparo, passando à louça utilizada, à forma de pôr a mesa. Esse conjunto todo gera uma experiência”, explica Braune.
É por considerar a importância de todo esse conjunto que a chef julga que a arte é essencial na formação profissional. “Para um cozinheiro, um chef de cozinha, é muito importante ter contato com a arte, de maneira geral, em todas as suas formas de expressão. Porque isso nos sensibiliza, nos deixa com outro olhar, nos instiga, sem dúvida”, diz. Como professora, Renata Braune acredita que a formação de um cozinheiro é muito mais ampla do que saber, apenas o preparo de uma receita. “Ser capaz de executar um prato ou uma técnica complexa não é o que faz um grande chef. A arte culinária, a gastronomia, envolve um conhecimento muito amplo, para oferecer uma experiência completa”, ensina.
De uma forma ampla, a arte na gastronomia vem mudando, também, a forma como enxergamos os alimentos. “A preocupação com a estética, com a forma de preparo, com a apresentação vem ajudando, inclusive, a valorizarmos os produtos locais. Não estou falando de produtos caros, não. Estou falando de produtos do nosso dia a dia que são valorizados pelo conhecimento de quem os prepara”, diz.
Nesta linha, Renata cita a renomada chef Helena Rizzo, do uma estrela Michelin Maní, de São Paulo, e, chefs que vêm se destacando cada vez mais fora do eixo Rio-São Paulo, como a paranaense Manu Buffara, o gaúcho Rodrigo Bellora e o paraense Thiago Castanho.
Referências estéticas
Para “comer com os olhos” não faltam inspirações, também, na cozinha do chef francês Cédric Grolet, considerado um dos melhores confeiteiro do mundo. À frente de toda a pâtisserie do hotel 5 estrelas Le Meurice, suas sobremesas têm uma característica bastante marcante: o “trompe l’œil”, técnica artística usada em pintura que faz com a pessoa imagine que o que vê é uma imagem real. E é isso que acontece com as obras de arte do chef: parecem tão reais que quase não percebemos que é um doce.
O italiano Massimo Bottura, considerado um dos melhores chefs da atualidade, instiga com a sua torta de limão desconstruída e batizada como "Oops, I Dropped the Lemon Tart". A criação é apresentada despedaçada e servida em um prato de louça esculpido para parecer quebrado, fazendo jus ao nome da torta e trazendo a mesma irreverência do título na montagem.
Até mesmo em lugares inusitados, quando o assunto verte para a coquetelaria, a arte pode se fazer presente. Para decorar drinques alcoólicos e não alcoólicos, a bartender Néli Pereira criou uma bela solução: flores comestíveis dentro do gelo. Além de deixar as bebidas mais bonitas, a inovação traz um novo sabor aos coquetéis: quando o gelo derrete, é possível comer a flor.
A chef russa especializada em confeitaria, Olga Noskova, ficou famosa na internet com os seus entremets perfeitamente montados e técnicas impecáveis de glaçagem espelhada. No Instagram, que usa como vitrine de suas criações cheias de cores e contrates, ela já tem quase 500 mil seguidores, muitos deles alunos da chef, que ensina suas técnicas em aulas online em inglês.
Jardim de sensações
Engana-se quem pensa que valorizar a estética é exclusividade dos grandes chefs. Valorizar o produto artesanal e torná-lo belo foi o objetivo inicial do administrador de empresas André Czarneski, criador da Focaccia Fiore, em Curitiba.
A tradicional focaccia italiana é rústica, não tem decoração e é feita com com sal grosso, alecrim e azeite. Mas as focaccias desenvolvidas por Czarneski são decoradas com diversos ingredientes que as transformam em jardins comestíveis. “Eu gosto de natureza e das formas naturais e gosto de fazer as coisas com detalhes, pois sempre tive afinidade com os trabalhos artísticos e manuais”, conta.
Sem nenhuma formação na área de gastronomia - e já matriculado em um curso de chef boulanger - a pandemia e a necessidade de isolamento social foram determinantes para que André desenvolvesse a Focaccia Fiore. “Tive que ficar em casa e sobrou mais tempo. Como eu não consumo mais carne desde janeiro, eu comecei a testar receitas e procurar preparos que me inspirassem. Fiz uma focaccia e não gostei da apresentação, queria que ficasse mais bonito e comecei a enfeitar, a fazer flores, buquês e jardins”, afirma.
Os belos jardins produzidos por Czarneski foram parar nas redes sociais e provocaram o interesse de amigos e conhecidos. Desde então, André vem recebendo pedidos de encomendas de diversas regiões da cidade e até já contratou um ajudante para dar conta da produção.