Restaurantes
Vilas gastronômicas de Curitiba transformam cena gourmet da cidade
Se a sua ideia de uma tarde de sol bem aproveitada é reunir os amigos em um local aberto, com opções de comida e bebida que agradem a todos os gostos, música ao vivo e sensação de segurança o tempo todo, há grandes chances de você se tornar um frequentador assíduo das vilas gastronômicas de Curitiba — se é que você já não é um.
As vilas, como Mercadoteca, Street 444 e Ca’dore, para citar algumas, são espaços privados, abertos ou fechados, que reúnem operações gastronômicas diversas — e em sua maioria empreendimentos locais e independentes de grandes redes. Assemelham-se a praças de alimentação de centro comerciais, podem ser consideradas as novas praias curitibanas e são frequentemente comparadas a parques por seus empreendedores.
“Temos muitos parques em Curitiba, mas eles não têm oferta de alimentação. O que tentamos fazer foi puxar um pouco esse ambiente de parque e colocar a gastronomia junto”, diz um dos sócios da Ca’dore Gastronomia Descomplicada Achilles Colle, que completa um ano em janeiro de 2018.
A ideia de fazer um “parque gastronômico” não foi à toa. De acordo com os empresários da área, sentia-se na população uma necessidade de ter experiências diferentes dentro da cidade, saindo dos espaços usualmente frequentados.
“Uma parcela da sociedade cansou do modus operandi ‘shopping’ e ‘prédio’, e está passando por uma transformação em busca de liberdade e de novas experiências sensoriais. Isso não quer dizer que esses espaços sejam algo ruim, mas sim que o consumidor também quer ir para a rua, participar da sociedade, sentir os bairros, assistir a shows de música nos parques”, explica Samuel Cavalcanti, proprietário do Espaço Bodebrown Hugo Simas, que reúne sete operações dentro de um bar da cervejaria Bodebrown.
Além de possibilitarem experiências diferentes ao reunir diversas operações em um único local, as vilas também pretendem atender a outra demanda dos consumidores: a de aproveitar ao máximo sua possibilidade de escolha dentro de um mundo tão vasto quanto o da gastronomia.
“Se a pessoa quer uma comida contemporânea, tem. Se quer comida japonesa, tem. Se só quer drinks, também tem. Esses espaços abrem um leque de opções”, resume o sócio do Lounge Batel, Eduardo Locks de Pauli. O formato atende aos diferentes anseios de cada cliente, assim como permite que grupos formados por pessoas com vontades e necessidades diferentes com relação à alimentação se encontrem nesses locais e saiam satisfeitos.
Para os restaurantes, os espaços compartilhados trazem outra vantagem: servem como uma janela para suas outras unidades. “O Swadisht Express [no MercadoSal] funciona como uma vitrine. Não tem todo o cardápio do restaurante, mas as pessoas podem conhecer a nossa comida”, conta o proprietário do restaurante indiano, Jeetu Khemani. Desde a abertura da vila gastronômica, Khemani diz ter recebido clientes habituais do restaurante em seu contêiner e também atendeu clientes na unidade do Batel clientes que o conheceram a versão “pocket” do Swadisht.
Descentralização e diversidade de restaurantes
Cada vila gastronômica tem um mix de operações que é escolhido de acordo com as características e os objetivos do local. A proposta feita “sob medida” para cada vila gastronômica e colocou ênfase em bairros que até então não eram conhecidos pela diversidade culinária.
Bacacheri, Portão, Bom Retiro e Mossunguê são alguns dos bairros que agora estão na rota gastronômica — e turística — da cidade devido à inauguração de vilas gastronômicas. “A cidade centralizada tende a entrar em colapso. As pessoas precisam sair desse ‘downtown’ e ter experiências fora desse centro urbano”, diz Samuel Cavalcanti, da Bodebrown.
Para dar movimento às vilas gastronômicas menores, como Lounge Batel e Mercadoteca, foram escolhidos produtos que teriam boa aceitação e por marcas ou empreendedores mais consolidados no mercado.
Por outro lado, Distrito 1340 e Street 444, que atendem a um público apaixonado por motocicletas, oferecem opções voltadas ao nicho. Ca’dore (aberto há um ano) e MercadoSal (inaugurado em outubro), as maiores vilas em funcionamento em Curitiba até agora, têm um mix muito mais variado, incluindo culinárias menos difundidas em Curitiba, como a indiana, a peruana e a grega. Independentemente disso, todas as vilas gastronômicas procuram valorizar a comida acessível, tanto no que diz respeito ao preço e qualidade quanto à facilidade para comer — algumas nem precisam de talheres.
Para garantir que as opções chamem a atenção do cliente, redes de fast-food e franquias geralmente encontradas em praças de alimentação de shoppings não costumam entrar nos mixes das vilas. Assim, abriram-se espaços para empresas menores e que dão preferência a uma produção mais artesanal.
“Servimos fish n’chips, que é um prato superpopular na Europa, mas que veio para cá gourmetizado. As pessoas querem algo simples e gostoso, que valorize a experiência. Então, simplificamos, mas não usamos nada industrializado, é tudo muito fresco: cortamos o peixe na hora, empanamos na hora, fazemos tudo ali”, conta Afonso Natal Neto, sócio do Sirène, que tem uma operação no MercadoSal.
Em um fim de semana com tempo bom, a unidade da vila gastronômica chega a servir mais de 500 pedidos por dia. “Isso dá mais do que 500 porções, porque um pedido pode ter mais que uma porção de peixe com batata frita”, explica Neto.
A proprietária da pizzaria Gioia na Mercadoteca, Emilene Stival, define o que se serve nesses locais como “fast-slow-food”. “As massas de pizza e de panetone fermentam dois dias, mas o serviço é rápido — e tem que ser rápido. As pessoas estão valorizando mais a técnica e resgatando a ideia de comer comida de verdade”, diz.
Os empreendedores apostam na consolidação das vilas gastronômicas, embora com alguma dúvida de que haja espaço para todos. “Alguns devem fechar, como acontece em qualquer negócio”, avalia Carolina Malucelli. “Para que alguns espaços deem certo, eles vão precisar se adequar um pouco melhor”, diz Achilles Colle, sócio da Ca’dore. Passado o momento “da novidade”, existe uma expectativa de que as vilas atendam principalmente às pessoas que moram no seu entorno e turistas.
Novo formato de serviço para bebidas
Cervejas, drinks, vinho, cafés e outras bebidas se valem da proposta de liberdade e variedade das vilas gastronômicas. A Vino! vende vinho em taças, o que possibilita que seja consumida de maneira informal e que o cliente possa experimentar mais que um rótulo. Na Mercadoteca estão disponíveis 300 rótulos de dez países, enquanto na unidade da Hugo Simas, dentro do Espaço Bodebrown, o carrinho da Vino! tem cerca de 60 rótulos e duas champanheiras.
No caso das cervejas, há tanto bares que servem garrafas e chopes, quanto aqueles que funcionam no sistema self-service, em que o cliente usa um cartão com crédito para liberar as torneiras de chope. “No Espaço Bodebrown temos entre oito e dez tipos de chopes da marca. O consumidor pode tirar a quantidade que quiser da bebida usando o cartão pré-pago e faz uma viagem sensorial por três ou quatro estilos e ainda pode escolher o que vai comer em um parque gastronômico diverso”, explica Cavalcanti.
Aproximando pessoas
O espaço compartilhado das vilas gastronômicas também apresenta para seus frequentadores uma proposta diferente de interação social. Em boa parte deles, as pessoas devem se dirigir até a operação onde pretendem comprar comidas e bebidas, o que resulta em uma grande circulação de pessoas e, consequentemente, em muitos encontros.
“É comum ver o encontro inesperado de amigos ou de pessoas que não se veem há anos”, conta Francisco Orejuela, sócio do restaurante peruano Sipan, na Ca’dore. Essa dinâmica é similar a que ocorre dentro das praças de alimentação de shoppings.
No entanto, as vilas oferecem a seus frequentadores mais chances de aproximação com desconhecidos. “Existe uma mudança um pouco lenta de hábitos, porque o curitibano é mais reservado. Mas notamos que há uma maior boa vontade das pessoas para compartilharem seus espaços”, conta um dos sócios da Ca’dore Gastronomia Descomplicada Achilles Colle. O sistema pegue e pague não funcionou no Lounge Batel, o que fez com que os sócios optassem pelo serviço de garçons.
A formatação dos restaurantes, boa parte feita com contêineres e cozinhas “abertas” ao público, também permite uma aproximação entre comerciantes e clientes. “Como a cozinha fica de frente para quem está esperando e tudo é aberto, acontece de estarmos cozinhando e o pessoal ficar na frente, conversando, tirando dúvidas sobre o prato”, conta Orejuela, do Sipan.
O sócio da Vino!, Thiago Prodocimo, acredita que estar em contato frequente com o público ajuda a conquistar e fidelizar clientes. “As pessoas compram também pela história que você conta. Quando alguém entra na loja na Mercadoteca ou no nosso carrinho do Espaço Bodebrown, nós fazemos questão de explicar o que temos ali, não temos uma carta de vinhos”, diz.
O espaço compartilhado também aproxima os donos das diferentes operações, que precisam trabalhar juntos em prol da manutenção do local, resolução de dúvidas, problemas de “condomínio”, troca de receitas e testes de novos produtos.
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Segurança também conta
Outra necessidade atendida pelas vilas gastronômicas, segundo os envolvidos nos projetos, é a de segurança. “As pessoas vivem em uma cidade tumultuada e quando elas vão ao shopping, por exemplo, elas buscam segurança. Nossa ideia com a Ca’dore era trazer essa proteção, era criar uma praça onde conseguíssemos controlar esta situação”, explica o arquiteto responsável pela Ca’dore Gastronomia Descomplicada, Bruno Colle. Essa segurança é especialmente importante para as famílias. “Aqui temos um espaço para crianças próximo dos pais, as pessoas estão comendo e conseguem ver as crianças”, diz a diretora da Mercadoteca, Carolina Malucelli. “Querendo ou não, as pessoas relaxam um pouco mais”.
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Conforto no frio
Mesmo com a conhecida dificuldade com o clima curitibano, algumas vilas gastronômicas têm grandes espaços ao ar livre. Os dias frios, segundo empreendedores e operadores, acabam afugentando as pessoas, mas a principal reclamação não é a temperatura. “O que atrapalha mesmo — e não é só o nosso negócio, são os aglomerados gastronômicos, os restaurantes de rua — é a chuva”, afirma Achilles Colle, sócio da Ca’dore. Para lidar com as variações climáticas há táticas diversas, como os serviços delivery em dias chuvosos e disponibilizar mantas e aquecedores no inverno.
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