Restaurantes
Chefs, ingredientes e pratos que são tendência em 2018
Para entender o que possivelmente vai preencher geladeiras e pratos brasileiros em 2018, é preciso espiar além das fronteiras do país. Alguns indícios estão nos relatórios anuais de empresas que trabalham com previsões para o setor de alimentos e restaurantes, como a Sterling-Rice Group, Baum+Whiteman e National Restaurant Association (NRA).
Dentre as macrotendências apontadas pelas empresas estão produtos hiperlocais, supersegmentação de estabelecimentos, embutidos e conservas artesanais, serviço descomplicado e refeições com menos (ou nada de) carne. Algumas são imediatas nos Estados Unidos e Europa e devem respingar um pouco mais tarde no Brasil.
“Mais do que nunca estamos prestando atenção na procedência dos alimentos, no aproveitamento total. Nos últimos três anos houve uma intensificação desse olhar consciente para a comida”, analisa Rosa Moraes, diretora de Gastronomia da Laureate Brasil e integrante da Academia Brasileira de Gastronomia.
“A valorização de produtos regionais em contraposição aos produtos clássicos da cozinha, como trufa, caviar e foie gras, como feito por chefs como Alex Atala [do D.O.M, em São Paulo] e Virgilio Martinez [do Central, em Lima, Peru] talvez seja um movimento de resistência à globalização”, analisa João Ferraz, historiador, cientista político e idealizador do projeto Casa do Carbonara (uma série de jantares e um canal do YouTube com entrevistas feitas com chefs estrelados).
Como microtendências, ou seja, casos mais pontuais, a Sterling-Rice Group, Baum+Whiteman e NRA apontam o uso de seringa para servir molhos e outros líquidos; a volta da raclette; noodles (dessa vez fora do lámen); sobremesas com um toque de bebida alcoólica; hambúrguer de cordeiro; novos cortes de carne e bubble waffle. “Vinhos naturais e com menos manipulação química na pós-fermentação também devem ganhar espaço”, aposta Ferraz.
Para o chef Luis Nicolette, consultor da Unilever para a Região Sul do Brasil, chás e pratos kids dão toques de saudabilidade. “Os diferentes tipos de chás entram como ingredientes para aromatizar pratos salgados e doces, como o matchá em sobremesas, e também em marinadas. E saem as batatas fritas e nuggets dos pratos kids para começar a servir refeições mais saudáveis”, explica o chef, que se baseia nos estudos internacionais para apresentar soluções para os clientes da marca pela divisão Unilever Food Solutions, criada para desenvolver produtos e serviços com foco em saúde e sustentabilidade para o mercado de alimentação fora do lar.
Principais macrotendências para a gastronomia em 2018
Ingredientes locais
A macrotendência não é nova, mas segue forte para os próximos anos: a procura por vegetais, carnes e peixes cultivados e produzidos localmente, com a menor distância possível entre o campo e a mesa. A procura por ingredientes de origem sustentável, tais como pesca artesanal, sem uso de redes de arrasto, gado criado sem confinamento e outras medidas que diminuem o impacto ambiental se intensificam.
Refeições à base de vegetais
A tendência vem tanto do crescimento do vegetarianismo quanto da preocupação com o impacto ambiental que a produção da carne causa. Os produtos que imitam carne ou queijo aparecem com mais frequência em pizzas e hambúrgueres, por exemplo, e em cardápios de toda sorte de restaurantes, inclusive churrascarias, segundo relatório da Baum+Whiteman.
A NRA aponta para o fortalecimento de uma cozinha de vanguarda e criativa à base de vegetais. “Continuamos a controlar e aperfeiçoar o trabalho junto do produtor. A cozinha criativa vegetal começa na horta, como o chef Dan Barber, do Blue Hill”, diz Ferraz, mencionando o chef norte-americano que tem sua própria fazenda e controla o máximo possível o cultivo dos vegetais e dos ovos que serve no restaurante, mudando, inclusive, a alimentação da galinha para conseguir a pigmentação desejada na gema.
“A montagem do prato se modifica: não é mais importante uma proteína e dois ou três acompanhantes. O vegetal ganha o centro do prato e a proteína, um acompanhamento ou mesmo uma porção grande para dividir entre os comensais”, exemplifica Nicolette.
Estabelecimento de um produto só
“Os restaurantes de um produto só, como o Hot Pork, do chef Jefferson Rueda descomplicam a logística da cozinha e possibilitam lucro maior”, diz Rosa, referindo-se ao novo estabelecimento do chef paulista, que serve variações de cachorro-quente com salsicha artesanal de porco. A tendência também é apontada pelo relatório da Baum+Whiteman, que cita a intensificação da tendência nos EUA e na Europa.
Em Curitiba, a recém-aberta A Ostra Bêbada, dos mesmos sócios do Pizza, é um empreendimento que leva no nome sua especialidade. Algumas concessões são feitas, mas sempre na mesma linha: no A Ostra Bêbada, há sardinha aos sábados e caranguejo quando está na época. No Pizza, lasanha e bruschetta são outras opções.
Comida para compartilhar
A palavra de ordem é compartilhar, seja uma mesma refeição ou uma foto nas redes. “O apelo fotográfico dos pratos também continua em alta. São as opções “muito de muito”, de indulgência. A apresentação dos pratos tem algum tipo de exagero que gera conteúdo digital para pessoas normais. Um exemplo é o grande gâteau do Paris 6“, diz Nicolette, que cita as sobremesas do restaurante paulistano que misturam sorvete, bolo, picolé e outros doces em um mesmo prato.
Compartilhar também se refere ao ato de sentar à mesma mesa e dividir uma refeição com cada prato servido em travessas. “Ou um steak alto e grande. Algo que permita a apreciação de uma comida gourmet por um ticket médio mais baixo”, explica o chef consultor da Unilever.
Feito artesanalmente
As comidas fermentadas, como conservas, e embutidos artesanais, feitos em casa ou em pequena escala, vão aparecer mais. Com isso, espera-se mais experimentações com acidez tanto na guarnição quanto em petiscos e novos tipos de blends de carnes e temperos para os embutidos.
O artesanal em alta também se refere aos fermentos de pão, como o levain. “Mesmo com a alta dos produtos sem glúten, sempre há uma contratendência. Neste caso, é o cultivo do próprio fermento e dos pães de fermentação natural”, diz Luis Nicolette, da Unilever.
Cozinha étnica
O fortalecimento da cozinha asiática está previsto pela Baum+Whiteman, que cita a cozinha filipina, comida de rua indiana (que foge do padrão curry e chicken tikka masala) e a alta cozinha coreana como as principais a ganhar o mundo a partir de 2018. Em Curitiba, o restaurante indiano Swadisht abriu unidades pocket com preços mais baratos que no restaurante para pratos servidos em embalagens to go.
A NRA, por sua vez, destaca a cozinha peruana e um aumento de inspiração em comida de rua para restaurantes. No Brasil, a cozinha síria e haitiana, por exemplo, se tornarão mais populares conforme os imigrantes e refugiados se estabelecem. Com as ondas de migração e valorização da culinária étnica, as ervas e temperos usados tendem a ser explorados na cozinha fusion.
Coquetel culinário
Em inglês, o termo “culinary cocktail” aparece no relatório da NRA, bem como coquetel sem álcool. A tradução literal — coquetel culinário — dá pistas do tipo de coquetelaria que continua em alta: drinks cujos ingredientes e técnicas são similares aos de um chef preparando um prato.
De olho no serviço
As previsões no mundo gastronômico também passam pelos aspectos que cercam a refeição, especialmente o serviço, que ganha um clima menos rígido. “Isso não significa um serviço informal, sem treinamento. A equipe tem de estar treinada e motivada, conhecer os pratos. A tendência é que seja menos complicado, sem toalha de mesa, mas o atendimento tem de ser perfeito”, opina Rosa.
“Cai em desuso o excesso de formalismo no serviço e na apresentação dos pratos. Grandes restaurantes, como o Komah [coreano contemporâneo em São Paulo], que faz uma comida delicada, tem um menu que não é tão caro e tem méritos de alta cozinha. E também o Mocotó [do chef Rodrigo Oliveira, em São Paulo], que entrega um prato com muita qualidade e técnica em um ambiente informal. E o serviço de ambos é simplificado”, descreve Ferraz.
“A experiência na refeição é valorizada tanto nos momentos à mesa quanto no serviço e delivery. A parte teatral, como finalizar pratos à mesa no caso do molho Alfredo e da raclette são exemplos disso. E o delivery deixa de ser apenas uma entrega para criar uma experiência também”, diz Luis. Outra mudança é na forma de comer o produto. “Temos snacks sofisticados sendo servidos em embalagens para comer com as mãos enquanto andamos. É uma forma descontraída de servir”, diz.
Chefs em destaque
Rosa Moraes e João Ferraz fazem coro para destacar os chefs Alberto Landgraf (restaurante Oteque, Rio de Janeiro) e Manu Buffara (restaurante Manu, Curitiba). “Landgraf é um grande cozinheiro com muita técnica, conhecimento e criatividade. Seu trabalho é bem maduro”, elogia Ferraz. “O trabalho da Manu tende a aparecer mais no cenário nacional, saindo um pouco do eixo Rio-São Paulo”. Outro chef que Ferraz indica ficar de olho é Onildo Rocha, do restaurante Cozinha Roccia, em João Pessoa, na Paraíba.
Rosa aposta no fortalecimento de nomes como Rodrigo Aguiar (restaurante Rios, São Paulo), Lênin Palhano (Nomade, Curitiba) e Marcelo Schambeck (Del Barbieri, Porto Alegre). “Também tenho ouvido falar muito do Alysson Muller [O Rei do Polvo, Florianópolis] e do Rodrigo Belora [Valle Rústico, Garibaldi], mas ainda não conheço os restaurantes”, diz Rosa.