Restaurantes
Gestão é peça chave para sucesso de restaurantes e sustentabilidade do negócio
Empreender exige atitude, conhecimento e planejamento. É preciso deixar o sonho de lado e dominar todas as áreas de gestão para que um negócio realmente dê certo. No caso das empresas de gastronomia, saber cozinhar é um fator importante mas só isso não sustenta um empreendimento do setor. Especialmente nesta área que deixou de ter margem de lucro alta – e que exige cada vez mais profissionalização. Muito dessa realidade se mostra na estimativa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) – até o final de 2019 deverá ocorrer redução de 2% no número de negócios da área. A perspectiva de melhora só deve acontecer no segundo semestre de 2020.
Para Andrea Andri Doris, consultora em gestão estratégica e especialista no setor, vários são os fatores que levam ao fechamento de um negócio. Mas, nos de gastronomia, a falta de conhecimento da estrutura de custo de modo a permitir ajustes e soluções criativas para superar a crise aliado à enorme quantidade de estabelecimentos do setor tem um grande peso para o encerramento de tantas operações em Curitiba e, em geral, pelo país. “A alimentação fora de casa passa a ser contida pelo baixo orçamento das famílias e, no caso de bares, o lazer vai para outros caminhos, como receber amigos em casa”, esclarece.
Há, também, o fato dos empresários do setor pensarem que dão conta – acreditando que sabem fazer – mas na prática, a gestão não acontece. “Para empreendimentos já em funcionamento, vemos que o proprietário deveria ter um olhar mais atento à gestão dos recursos financeiros. Se ele não souber controlar custos, acabará padecendo na qualidade de forma ampla – não conseguirá manter o padrão dos produtos servidos, terá que reduzir força de trabalho ou contratar pessoas sem a capacitação necessária. E aí os clientes somem de forma muito rápida, pois a concorrência do setor é das maiores que existem”, confirma.
Importância da gestão
O caso da empreendedora Camila Yuri Yoshida, do Albadore Ristorante e Pizzeria, de Maringá, ilustra bem o que a consultora expõe. Aberto em outubro de 2015, o Albadore era um sonho da empresária. Por seis meses, o restaurante atendeu poucos clientes. “Até chegar um dia em que o dinheiro que eu e meu marido dispúnhamos para manter o negócio acabou e não havia mais como pagar os funcionários ou comprar insumos. Mas o Albadore era o meu sonho”, conta Camila. Ela chamou os funcionários, explicou a situação e liberou todos, prometendo saldar a dívida dos salários. Ninguém foi embora e diante dessa situação, Camila foi buscar soluções.
“Sempre achei que ser empreendedora era que nem ser mãe, você vai aprendendo com as situações. Eu não sabia que existiam fórmulas, ferramentas, ensinamentos, processos que podiam ser seguidos. Só fui saber dessas possibilidades, que eu poderia aprender a fazer gestão do meu negócio, quando recebi a visita de um agente local de inovação do Sebrae. A partir dessa visita tudo mudou”, relembra Camila.
Foi assim que ela soube de boas práticas de gestão, das finanças aos recursos humanos, do marketing a legislação do setor. “Passei a estudar. Muito. Apliquei os conceitos de gestão que aprendi no projeto Selo do Turismo e conquistei já no primeiro ciclo, em 2017, o reconhecimento como terceiro melhor restaurante do Paraná. No ciclo seguinte, em 2018, queria ser primeiro, mas ficamos em segundo. Iniciei o terceiro ciclo e sei que vamos conquistar a meta do primeiro lugar”, enfatiza.
Não foi só a conquista da premiação no programa do Sebrae o ganho da empresa. Foram os muitos resultados que deram equilíbrio e fizeram o negócio prosperar. A implantação de práticas de gestão permitiu: 94% de crescimento no faturamento de 2017 para 2018; e crescimento de 45% do último Demonstrativo de Resultado de Exercício realizado em 2019 em relação ao ano anterior. “Aprendi que não posso centralizar e nem ter os processos na minha cabeça. Todos na equipe de colaboradores devem saber os processos.”
Para Patricia Albanez, consultora dos projetos de turismo do Sebrae/PR, o empreendedor precisa trabalhar boas práticas de gestão. “As mudanças no mercado são muitas e acontecem de forma muito rápida. O empresário do setor de gastronomia precisa conhecer seu negócio e o que impacta seus resultados, para rapidamente tomar decisões e promover mudanças que tragam resultados positivos”, expõe.
Inovação para negócios tradicionais
A chef Valeska Berçani, do restaurante Velho Oriente, em Curitiba, tem passado pela crise com aprendizados. “Já havia iniciado um processo de gestão financeira para subsidiar uma tomada de decisão para expansão do negócio. Foi fundamental para alavancarmos outros aprendizados e podermos readequar nossas atividades frente às dificuldades”, explica. A expansão foi deixada de lado até agora. “Voltamos a planejar essa expansão, mas só depois dos resultados positivos conquistados com as mudanças implantadas na gestão do negócio”, confirma.
Entre os números comemorados pela chef e empresária estão 8% no aumento da margem de lucro em 2018 e, nos últimos três meses, 20% no aumento da clientela. Como ela conseguiu esses resultados? “Pesquisando e compreendendo o meu negócio frente ao mercado”, afirma. Traduzindo, ela entendeu que o cliente – o consumidor atual – quer sempre novidades. Ao olhar para o mercado, a chef percebeu que oferecer os pratos da tradicional gastronomia libanesa já não era mais um diferencial. Haviam muitos restaurantes oferecendo o mesmo, do mesmo jeito.
“Então, era hora de inovar. Foi assim que nasceu a mesa gastronômica que oferecemos aos finais de semana. Nela, temos os pratos tradicionais, mas conseguimos apresentar novos, o que tem trazido muitos clientes ao restaurante.” Clientes que voltam a cada final de semana para saber qual será a novidade da mesa, além de novos consumidores, que ficam sabendo das mudanças e querem experimentar. “Viajei para o Líbano para estudar e conhecer mais sobre a gastronomia do país. Uni com livros e temperos que já tínhamos e estou criando”, conta. Mas ela garante que uma parte importante de tudo isso é a equipe. “Tenho um grupo muito bom, a grande maioria com anos de casa.” Para implantar a novidade, o Velho Oriente deixou de servir rodízio, e oferece a la carte e buffet aos finais de semana.
Para prestar atenção
A consultora Andréa Doris compilou 10 pontos que devem ser bem observados pelos empreendedores do setor de gastronomia para melhor realizar a gestão do seu negócio. Segundo ela, não importa se o empreendimento é grande ou pequeno, simples ou sofisticado. O sucesso será medido quando os clientes se tornam habituais e o boca a boca funcionar. Confira os pontos a serem observados:
Formação do preço
Sem entender todos – absolutamente todos – os componentes que impactam na formação do preço, é virtualmente impossível pensar na sustentabilidade do negócio.
Gestão das Compras
Uma boa compra permitirá resultados mais efetivos na composição do preço e minimizará desperdício. Conhecer fluxo e demandas dos clientes leva algum tempo e treino, mas deve ser objeto de muita atenção para a realização de compras direcionadas e que gerem o menor desperdício possível.
Controle da produção x desperdício
É preciso conhecer o fluxo habitual de clientes para poder pensar em soluções que permitam uma produção rápida, com pouco desperdício e bom atendimento. Vale aqui uma boa dose de criatividade para criar pratos e promoções do dia ou da semana.
Definição do público-alvo x definição de produtos
Dependendo de qual for o foco, muda a forma de definir o negócio. Foco no público-alvo, por exemplo, será preciso entender demandas do grupo para escolher local e definir preço, por exemplo. Se o foco for produto, saber quem consome os alimentos e onde estão essas pessoas serão fatores importantes.
Exigências legais para o perfil e porte do negócio
Este ponto é crucial na decisão de qualquer empreendedor que queira se lançar no mundo da gastronomia. É um setor muito sensível porque pode impactar na saúde e por este motivo há bastante regulamentação por parte do poder público.
Ponto e localização em sintonia com o perfil do público que se deseja atender
Abrir uma padaria onde o fluxo de pedestres é baixo e não há local para estacionar é uma decisão com pouca chance de sucesso. Assim também acontece com restaurantes e bares.
Qualidade de produto e atendimento
São fatores fundamentais e estão ligados ao perfil do negócio (foco no cliente ou foco no produto). Mantê-los é um desafio quando o negócio cresce e a dependência da equipe aumenta. Por esse motivo estabelecer processos que permitam a padronização e treinamento direcionado dentro dos objetivos que se pretende atingir é essencial.
Divulgação
Ter bons canais de divulgação e adequados ao perfil de clientes alvo pode garantir uma rápida resposta do público para conhecer o empreendimento. Após a atração, a tarefa é conquistar o cliente para que ele volte.
Busca pela inovação
Inovação é fazer diferente, se reinventar, inserir novas combinações de pratos e bebidas. Reorganizar o ambiente, servir de outra forma, enfim, não deixar tudo sempre da mesma maneira e esperar que os clientes se renovem automaticamente.
Reter talentos
Este é o maior desafio que percebemos nas consultorias em restaurantes dos mais variados portes e perfis. Treinamento, bom clima organizacional e algumas estratégias de remuneração variada podem ajudar e reduzir a rotatividade.
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