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A tradicional Sorveteria do Gaucho. Curitiba. Foto: Hugo Harada / Gazeta do Povo.

Restaurantes

Conheça a história da sorveteria do Gaúcho

Katia Michelle
07/01/2017 19:01
A tradição e os sabores da sorveteria Sorvetes Gaúcho, mais conhecida como sorveteria do Gaúcho, são sólidos e não derretem com o tempo. Fundada em 1955, pelo gaúcho Adalberto Pinto dos Santos, a sorveteria até hoje mantém detalhes da inauguração da época. Essa herança cultural, aliada ao sabor inconfundível dos sorvetes, atrai centenas de pessoas por fim de semana na Praça do Gaúcho.
O funcionário Jeferson Carvalho de Faria chega a atender 3 mil clientes por fim de semana. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
O funcionário Jeferson Carvalho de Faria chega a atender 3 mil clientes por fim de semana. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
A praça, aliás, originalmente chamada Praça do Redentor, ganhou a alcunha por conta da sorveteria. Histórias ali não faltam. São casos de amor e de família que se formaram ao longo dos mais de 60 anos de existência. O proprietário atual que o diga. Filho do fundador, Airton Luiz Serur dos Santos, 65 anos, cresceu na sorveteria do Gaúcho. Atualmente, ele toca a empresa ao lado de outros dois irmãos, Adalberto e Lela.
“Meu pai era do Rio Grande do Sul e veio para Curitiba estudar Engenharia Química. Não se adaptou e comprou o ponto para virar comerciante”, conta Airton. O negócio, originalmente, era uma mercearia, mas tinha uma máquina de sorvete. Com o tempo, os sorvetes foram ganhando mais força até que invadiram o balcão. Outras máquinas foram adquiridas, as mesmas que funcionam até hoje.
Filho do fundador, Airton dos Santos, administra a sorveteria ao lado dos irmãos. "Sem data para fechar". Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
Filho do fundador, Airton dos Santos, administra a sorveteria ao lado dos irmãos. "Sem data para fechar". Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
Mas nem tudo é igual. Além das máquinas, de origem italiana, e do mobiliário de fórmica que confortam a nostalgia dos clientes mais antigos, algumas coisas tiveram que se adaptar ao tempo. Como a própria receita do sorvete. “As pessoas dizem que o sabor não é mais o mesmo. Mas muita coisa mudou. O refrigerante que eu tomo hoje não tem o mesmo sabor da que eu tomava na infância”, brinca Airton.
Engenheiro Civil aposentado, ele resiste às intempéries (contando aí, os invernos curitibanos) para manter a sorveteria do Gaúcho. Compra pessoalmente os ingredientes e nunca por telefone. Faz cotação de preço e preza pela qualidade da matéria prima. Se intitula um herói da resistência”. “Hoje mesmo tive de dificuldade de encontrar no mercado pazinhas de madeira”, lamenta.
As pazinhas de madeira são quase relíquia no local. O modelo é usado desde a inauguração, mas agora é raridade no mercado. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
As pazinhas de madeira são quase relíquia no local. O modelo é usado desde a inauguração, mas agora é raridade no mercado. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
E a matéria-prima do sorvete, confessa, mudou, sim, com o tempo, mas à revelia da família. Antigamente, a polpa que dá sabor à iguaria era feita na própria sorveteria do Gaúcho. As frutas eram processadas ali. As uvas, morangos e abacaxi, escolhidas à dedo e o processo era todo artesanal. Por exigência da Vigilância Sanitária, que exige um procedimento padrão, o processo teve que ser modificado. “Hoje preciso comprar polpa, mas muita coisa é igual. Eu provo os sorvetes para manter a qualidade e o sabor e pouca coisa muda”, diz.
As máquinas, de origem italiana, foram adquiridas na década de 1950 e são (também) responsáveis por manter o sabor original dos sorvetes. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
As máquinas, de origem italiana, foram adquiridas na década de 1950 e são (também) responsáveis por manter o sabor original dos sorvetes. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
Nem os sabores mais pedidos, os mesmos desde que a sorveteria foi inaugurada: morango, chocolate e creme. A trilogia se une ao leque de mais de 40 opções, alternadas de acordo com a temporada. No verão, os de frutas são os mais vendidos e não importa o tempo e o clima, a meninada gosta dos mais divertidos e coloridos. Há também opções mais exóticas, como tapioca e maçã-verde.
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Airton gosta dos tradicionais, mas sabe que a concorrência e o sabor do sorvete “contemporâneo” é diferente do que vende na casa. Nas viagens que faz, por exemplo, está sempre provando sorvetes em países e estados diferentes. Se pensa em trazer novas receitas para a tradicional casa? “Não. Nem pensar. Mantemos a tradição”.
Até quando? Airton confessa que há especulações sobre o ponto, que é próprio, mas nada para manter a tradição da casa em abrir outra sorveteria. “A praça está virando mais um ponto para beber cervejas”, diz. Mas não reclama da segurança. “Já foi pior”.
E também já foi melhor. O proprietário conta que uma das suas melhores lembranças de infância é dicotomicamente o Dia dos Finados. Se para muita gente, essa data é uma lembrança triste, para Airton, é a lembrança da praça cheia, dos amigos reunidos, das filas que rodeavam o local, que fica em frente ao Cemitério Municipal.
Ponto tradicional é alvo de especulações, mas proprietário garante: "não está à venda". Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
Ponto tradicional é alvo de especulações, mas proprietário garante: "não está à venda". Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
Era quando a sorveteria fazia até mesmo parceria com a Caruso para vender empadinhas e colocava caixas e caixas com barras de gelo para vender refrigerantes para as milhares de pessoas que passavam pelo local. Década de 1970. Uma época em que a sorveteria reunia 6 mil pessoas por dia. Hoje nem a metade disso passa pelo balcão (que mantém as mesmas características do passado, com a diferença que há três anos passou a aceitar cartão bancário).
Sobre o futuro? A nova geração da família não deve tocar o negócio, mas Airton também não pensa em desistir – apesar do apelo da mulher, que quer viajar. “Não tem como, isso aqui é a nossa vida. Cresci aqui e vi as pessoas crescendo aqui”, salienta enquanto interrompe a conversa para cumprimentar um cliente que diz frequentar o local desde 1977. Assim como o sorvete, as histórias continuam sendo feitas ali.
SERVIÇO : Sorvetes Gaúcho – Praça do Redentor,13, São Francisco.  (41) 3223-5054. De segunda a segunda, das 12 às 20h.