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Produtos & Ingredientes

Camarão à Martha Rocha: a torta salgada que ficou famosa na alta sociedade curitibana

Patricia Favorito Dorfman, especial para o Bom Gourmet
28/11/2018 17:46
Duas polegadas. A história contada pelo jornalista da revista O Cruzeiro, João Martins, para amenizar a tristeza dos brasileiros que davam como certa a conquista do Miss Universo, em 1954, pela miss Brasil Martha Rocha, que teria perdido o título por duas polegadas a mais no quadril, criou sabores apreciados até hoje na culinária curitibana. A miss não levou a coroa mas as criações gastronômicas ultrapassaram fronteiras e são saboreadas em outros estados, principalmente os do sul e do sudeste.
Marta rocha salgada da chef Juba Akel, do restaurante Flora Comida Familiar. Foto: André Rodrigues
Marta rocha salgada da chef Juba Akel, do restaurante Flora Comida Familiar. Foto: André Rodrigues
A versão salgada foi da ex-primeira-dama do Estado, Flora Camargo Munhoz da Rocha, então esposa do governador do Paraná (1951-1955) Bento Munhoz da Rocha. Em visita oficial ao estado, a miss Martha Rocha foi recepcionada pelo governador e sua família e para a ocasião dona Flora criou a torta salgada Camarão à Marta Rocha.
Com camarões, catupiry, pão de forma sem casca e claras batidas em neve, a criação agradou a miss e a receita foi difundida pelas senhoras da sociedade curitibana, que passaram a fazer o prato especial nas reuniões de família. A chef Juba Akel, que recentemente abriu em Curitiba o restaurante Flora Cozinha Familiar, é casada com Gustavo Munhoz da Rocha Guimarães, neto de dona Flora, e herdou os cadernos de receitas da primeira-dama.
“Mulher à frente de seu tempo, dona Flora era escritora, imortal da Academia Paranaense de Letras, e deixou um grande legado na área social, além de ser uma anfitriã de mão cheia e gostar muito da cozinha”, conta Juba. Os cadernos de receitas são cuidadosamente escritos, organizados e com receitas numeradas. “No livro de ouro da Dona Flora a primeira receita é do Camarão à Martha Rocha. Até ela falecer, muitas dessas preciosidades eram feitas e servidas nas ocasiões especiais da família.”
O livro de receitas da dona Flora e a receita da Marta Rocha salgada. Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo
O livro de receitas da dona Flora e a receita da Marta Rocha salgada. Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo

Versão doce

Da versão salgada, mais restrita às rodas familiares curitibanas, para a doce, uma tradicional torta vendida em muitas confeitarias e panificadoras pelo país, sucesso absoluto nas festas de aniversário de 15 anos por muitos anos. A torta Martha Rocha é outra criação curitibana para homenagear a jovem baiana de pela alva, olhos azuis e cabelo cacheados, que com simpatia e beleza conquistou o país.
Mas, na verdade, a receita da torta já existia e era tradicional de uma das mais antigas confeitarias da capital paranaense, a Confeitaria das Famílias. Foi em 1945 que Jesus Alvarez Terzado começou seu negócio de doces, no centro da cidade. Confeiteiro, o imigrante espanhol presenteou os curitibanos com muitas criações, como a rosca espanhola, o madrilenho ou madrileño (o doce com massa folhada e não o pão doce) e tantas outras ainda servidas há mais de 70 anos de forma ininterrupta.
Marta rocha salgada da chef Juba Akel, do restaurante Flora Comida Familiar. Fotos: André Rodrigues
Marta rocha salgada da chef Juba Akel, do restaurante Flora Comida Familiar. Fotos: André Rodrigues
A história da torta Martha Rocha dá versões de que seria gaúcha ou mesmo baiana. Mas foi para homenagear a miss que perdeu a coroa para a americana Miriam Stevenson, que o confeiteiro Terzado rebatizou uma de suas criações. Na verdade, para dar um pouco de alegria a sua esposa, Dair da Costa Terzado, que ficou triste com o segundo lugar da brasileira no concurso. O confeiteiro só não imaginava que ao rebatizar sua antiga Torta de Fondant para Martha Rocha, alcançaria ainda mais sucesso do que já fazia.
A receita leva várias camadas, com pão de ló branco e preto. Versões dizem que um disco de suspiro é para lembrar essas duas polegadas a mais. A receita da Confeitaria das Famílias leva creme de ovos, coco, ameixa-preta e doce de leite, coberta com fondant. Muitas versões hoje são preparadas, substituindo a ameixa-preta por doce de damasco, o fondant por chantilly e acrescentando fios de ovos. É certo que há uma crocância no bolo, das nozes que fazem parte das camadas.
A jornalista Roberta Malta Saldanha conta em seu livro Histórias, lendas e curiosidades da confeitaria e suas receitas o episódio de que uma fatia da torta teria sido oferecida a miss, que recusou dizendo que não comia doces e acrescentou à época, “acho que tem muita gente ganhando dinheiro à minha custa”.
Martha Rocha, bolo em homenagem a miss Brasil, da Confeitaria das Famílias. Foto: Daniel Derevecki / Gazeta do Povo
Martha Rocha, bolo em homenagem a miss Brasil, da Confeitaria das Famílias. Foto: Daniel Derevecki / Gazeta do Povo
Das lendas à realidade, é que já são mais de 60 anos em que as criações gastronômicas motivadas pela icônica beleza brasileira de Martha Rocha são apreciadas e reproduzidas nas cozinhas de muitos brasileiros. Sejam elas releituras ou seguindo o mais próximo da receita original, é certo que continuam a fazer parte de festas e comemorações.

Mais um

Há, ainda, um pão Marta Rocha. Feito com farinha, fermento biológico fresco, açúcar, margarina, ovos, sal e água, enrolado em bolinhas e, depois de assado, coberto com creme de confeiteiro, pincelado com leite condensado e polvilhado com coco. A criação não é certa, apenas que a inspiração desse pão veio da torta Martha Rocha, criada na Confeitaria das Famílias. Segundo a jornalista Roberta Malta Saldanha, o pão existe e foi criado em Minas Gerais, lembrando um sonho. Inspirações que mantém a criatividade na cozinha.
Missa Brasil Martha Rocha, em 2003. Foto: Arnaldo Alves / Gazeta do Povo
Missa Brasil Martha Rocha, em 2003. Foto: Arnaldo Alves / Gazeta do Povo
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