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Primeira “matteria” de Curitiba tem chimarrão, drinks e chope com a erva
Curitiba, que cresceu graças ao ciclo ervateiro, ganha a primeira casa especializada em preparos com erva-mate. A Matte’n Roll, empresa que comercializa erva para chimarrão e para chá mate, abriu uma “matteria” dentro do Coletivo Alimentar em fevereiro. Até a localização ajuda a contar a história: a Rua Comendador Macedo, na qual funciona o local, foi nomeada para homenagear o importante exportador de erva-mate no final do século 19.
A proposta do Matte’n Roll é tornar o consumo da erva ainda mais corriqueiro, de maneira que mesmo quem não tenha o hábito de tomar chimarrão ou chá mate, consuma a planta em cerveja ou drinks.
Os blends levam o nome de artistas paranaenses pela experiência de André Zampier, o “mate dreamer”, como ele se denomina, ter atuado como produtor cultural por vários anos. A logomarca do Matte’n Roll, inclusive, é a silhueta de uma guitarra Les Paul — mas também é possível imaginar que seja uma cuia.
São três blends para infusão a quente, o popular chimarrão: Baltazar Rock Singer (erva grossa mais verde com erva “estacionada” – armazenada até um ano -, mais amarelada, servida com gengibre fresco), Conde da Canela Triskada (erva cancheada com poucos talos, levemente defumada e canela em rama); e Roque Estrelado Leminski (erva amarelada com anis estrelado). As infusões custam R$ 12 (500 ml) ou R$ 21 (um litro) e o próprio cliente completa a cuia com água quente conforme vai bebendo.
Há também o chope da Bier Herr, de São Mateus do Sul, de onde vem a erva-mate comercializada pelo Matte’n Roll. O estilo é America do Sul Pale Ale e após a fermentação é adicionado extrato de erva-mate em uma concentração de 3%, realçando o amargor do lúpulo e trazendo o sabor da erva-mate como retrogosto. O pint (473 ml) custa R$ 14.
Para quem prefere drinks, há o Gilda Daltônica (R$ 17), feito com gin, água tônica, hortelã e chá mate e que homenageia dois ícones de Curitiba, Gilda e Dalton Trevisan. Sem álcool há o Condebrew (R$ 15, 473 ml), feito com cold brew (café extraído a frio), erva-mate, folhas de stevia e hortelã e limão siciliano. O chá mate, que é integrante do cardápio do Coletivo Alimentar há alguns meses, é batido com limão e gengibre fresco e custa R$ 8 (473 ml).
Cozinhar com erva-mate?
A mesma planta (Ilex paraguariensis) dá origem a duas bebidas de identidades antagônicas: do chimarrão gaúcho, bebido quente e nos pampas, ao chá mate gelado, no calor da orla carioca. Mesmo tão cotidiana, a erva-mate é uma unanimidade invisível, que ainda está sendo descoberta pelos cozinheiros e mixologistas. “É um movimento similar ao que aconteceu com o café especial no Brasil: precisamos entender a produção, ampliar o mercado consumidor e mostrar as diferenças entre um produto e outro”, comenta Zampier.
“A cultura da erva-mate sempre foi do pequeno produtor, pobre, nunca de uma grande empresa que investe em peso, como aconteceu com o café e com o vinho. Então o consumo “parou” no chimarrão, não se desenvolveram outras maneiras de processá-la e consumi-la”, explica Ivar Wendling, pesquisador de erva-mate e araucária da Embrapa. A planta apresenta leve gosto amargo e notas herbais quando preparada para o chimarrão e amargor e leve doçura quando tostada em temperaturas mais baixas para fazer o chá mate. Temperatura, descrição sensorial ou tempo de infusão é algo empírico e muda de acordo com a preferência de cada um.
Não se trata de “gourmetizar” a erva-mate, mas entender em que outros espaços da gastronomia ela pode entrar. Heroldo Secco Junior é mestre de chá da Mate Tea from Brasil e há dez anos pesquisa novas formas de beneficiamento e consumo da erva-mate. É resultado desse trabalho a erva-mate em pó similar ao matchá, o mate espresso e o mate tostado para ser preparado no filtro de papel como se fosse café coado. “Em 2005, quando começamos, não havia agricultores e produtores dispostos a mudar a produção para além da tradição de cuia e bomba e mate tostado. Mas desde 2010 temos aberto novos mercados no exterior e criado produtos que ainda não têm espaço no mercado brasileiro”, diz Secco Junior.
Em Curitiba, bons resultados têm sido descobertos por outros cozinheiros no Coletivo Alimentar: a padaria Miolo de Pão colocou a erva em um pão de fermentação natural, base para um sanduíche de tilápia servido no Semana Mesa Paraná, maior congresso de gastronomia do Brasil. A dupla de cozinheiros Lucas Correia e Deibd Rodrigues, do Paladar Musical, usaram a erva-mate para aromatizar um molho bérnaise (ovo, vinagre e manteiga clarificada) e como agente flavorizante para uma marinada de costela suína.
Cultura
A produção de erva-mate (folha verde) no Paraná representa 54% do total nacional, considerando a erva-mate nativa/mata mais a plantada. Segundo informações da Embrapa, no total, o Brasil produziu 963.166 toneladas em 2016 (fonte: PAM e PEVS/IBGE – 2016).
Há dois tipos de plantas trabalhados pelos ervateiros: as nativas, cujo preço das folhas no pé custam cerca de R$ 0,73 o quilo, e a plantada, por mais ou menos R$ 0,30 o quilo. No Paraná, a maior parte de plantas é nativa.
“Temos cinco variedades de erva-mate registrados no país, todos focados para o preparo de chimarrão, algumas focadas em produtividade, outras em teor de amargor ou suavidade, que são preferências do consumidor de chimarrão”, diz Wendling. Material genético, preparo do solo, adubação e manejo, além de todo o processo de beneficiamento, são variáveis que impactam no sabor que a planta vai apresentar, mas ainda não há produtos no mercado brasileiro que mostre variações claras no sabor e aroma.
“Para fazer o chá mate, que é o mate tostado, testamos uma torra clara, como falam no café. Com temperaturas mais baixas os açúcares presentes na folha dão notas de caramelo, toffee e, por incrível que pareça, terroso ao produto”, descreve Secco Junior. Para este ano, a Mate Tea from Brasil vai lançar 36 blends de mate tostado para Europa e Ásia, produtos que, segundo a empresa, ainda não tem demanda no Brasil.
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