Produtos & Ingredientes
Conheça o chocolate rústico da Amazônia, que os chefs premiados amam
BELÉM (PA) — Antes de ser a produtora de cacau e chocolate mais famosa do Pará, Izete Costa, queria aprender a transformar a receita de chocolate rústico da família em cobertura para seus bombons. Foi assim que ela conheceu o chef Thiago Castanho, dos restaurantes Remanso do Peixe e Remanso do Bosque, e descobrir que justamente a barra irregular, pedaçuda e feita à mão era muito mais interessante gastronomicamente.
À época, Izete fazia parte de um grupo que produzia biojoias (joias feitas a partir de folhas e sementes naturais) e participava de uma feira de pequenos produtores. O cacau centenário, que sempre cresceu na floresta aos fundos de sua casa, na Ilha do Combu, eram colhidos para ser vendido como commodity a um atravessador. Uma pequena parte, no entanto, era mantida para a família.
“Nessa feira, vimos que tinha um interesse maior por outros produtos florestais e resolvi levar o chocolate, que era uma relíquia da família”, relembrou Dona Nena, como é conhecida Izete. “Quando o Thiago chegou aqui, se apaixonou pelo nosso trabalho e pediu que a gente não refinasse o chocolate”.
Também chamado de “pão de cacau”, o chocolate rústico da Dona Nena faz sucesso há quase dez anos. Os principais chefs do Brasil — Alex Atala, Roberta Sudbrack, Rodrigo Oliveira, Alberto Landgraf e Manu Buffara são alguns — entoaram loas ao produto.
Dona Nena colhe, fermenta, torra e mói todo o cacau colhido pela sua e outras sete parentes seus, também moradores da Ilha do Combu. São 15 km² de área e não há outro produtor de chocolate na ilha a não ser ela. Se antes usavam o pilão ou o moedor de carne manual para moagem, hoje a pequena fábrica de Dona Nena tem melangers, equipamento elétrico que mói em velocidade constante as amêndoas de cacau até uma pasta líquida homogênea.
Parte das técnicas segue caseira: a torra é feita no forno do fogão doméstico, com a temperatura entre 120° e 130 ° C controlada por um termômetro e o olho de Dona Nena. Ao lado de sua casa, uma estrutura de dois andares, ainda em obras, abrigará no futuro toda a produção de chocolate, com cozinhas fria e quente, uma sala climatizada para a temperagem de chocolate e um espaço para o receptivo de turistas, que chegam aos montes toda semana. “Há fins de semana que recebemos até 800 pessoas”, diz.
Por mês, são produzidos cerca de 200 quilos de derivados do cacau. A marca Filha do Combu, criada há quatro anos, tem 15 produtos em linha: brigadeiro de pote ou enrolado, bombons, barra de chocolate refinada (três teores diferentes de cacau), geleia de cacau, licor de cacau e a famosa barrinha rústica, seu carro-chefe. Recentemente, em parceria com a Gaudens Chocolates, de Belém, Dona Nena e outros pequenos produtores de cacau da região passaram a produzir barrinhas refinadas com adição de leite.
Atualmente, cerca de 20 quilos de chocolate rústico são vendidos por mês para o chef Thiago Castanho, que o distribui para seus colegas. Em São Paulo, a loja Combu Produtos da Amazônia, no bairro Bela Vista, também vende o chocolate da Dona Nena. O peso por mês varia com a safra: a primeira do ano é de janeiro a maio; a segunda, de junho a setembro. Na entressafra não há o que fazer: só resta esperar.
“Pão” de cacau
A prática de pilar o cacau com açúcar até transformá-lo em uma pasta e moldar em uma folha da própria árvore é parte da cultura alimentar dos ribeirinhos amazônicos. O pão de cacau costuma ser ralado em água quente com leite em pó para engrossar a textura e ser servida como achocolatado. Chefs o usam como ingrediente para sobremesas, incorporando em mousses, biscoitos e até em drinks.
No Remanso do Bosque, a barrinha rústica da Dona Nena integra Jardinagem do Combu, uma “terra” de cacau e a mousse de chocolate rústico, servida em um vasinho de flor e com uma pá de jardinagem.
O cacau forastero, endêmico da região, produz frutos mais ácidos e com mais polpa que as variedades encontradas na floresta amazônica e os híbridos desenvolvidos pela Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (Ceplac). “Inclusive é um pouco discriminado pelos chocolateiros por levar mais tempo para fermentar”, ensina Dona Nena. As amêndoas com mucilagem do cacau forastero levam de sete a oito dias, enquanto frutos menos ácidos levariam em média três dias.
Serviço
Filha do Combu — Visita à produção de chocolates e cacau de várzea de Izete Costa, a Dona Nena.
Ilha do Combu, Belém – Pará
Agendamento por WhatsApp: (91) 9 9388-8885
Ilha do Combu, Belém – Pará
Agendamento por WhatsApp: (91) 9 9388-8885
Traslado de barco saindo da Praça Princesa Izabel: R$ 7 o trecho. Funciona como táxi: tem que avisar ao motorista aonde vai descer. Para voltar, sinalizar aos barcos.
Para visitas guiadas, o traslado está incluso. Há o pacote de R$ 60, com apresentação da história do cacau e do trabalho de manejo na ilha, café da manhã com produtos locais e caminhada em meio aos cacaueiros, e o pacote de R$ 95, que inclui a experiência de moer o cacau torrado em pilões e moedor manual e moldar as barrinhas de chocolate rústico em folha de cacau.
***
*A jornalista viajou a convite da organização do Chocolat Amazônia Festival e Flor Pará 2019.