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Produtos & Ingredientes

Como fazer a fermentação de alimentos em casa?

Flávia Schiochet
18/01/2020 12:00
A única semelhança entre um pepino esquecido no balcão e outro imerso em salmoura é que com o passar do tempo vários micro-organismos vão agir para transformá-los. O primeiro apodrecerá. O segundo ficará azedo e crocante – uma iguaria feita há séculos. A técnica pode ser antiga, mas continua fascinante nos dias de hoje, em que geladeiras e esterilização são tão comuns para preservar alimentos. Fermentar vegetais e carnes está na agenda dos chefs e alguns consideram esta a técnica mais interessante que têm explorado ultimamente.
É possível fazer picles de qualquer verdura que estiver disponível. Diariamente é preciso aliviar a pressão do vidro de conserva e os vegetais devem estar imersos em salmoura. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
É possível fazer picles de qualquer verdura que estiver disponível. Diariamente é preciso aliviar a pressão do vidro de conserva e os vegetais devem estar imersos em salmoura. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
Um deles foi Thiago Castanho, do Remanso do Bosque, em Belém, que usou mel de abelha nativa fermentado para elaborar novos sabores para suas sobremesas no ano passado. Felipe Bronze, do carioca Oro, redescobriu as conservas em 2013. E André Mifano, do paulistano Vito, cura suas próprias carnes há mais de um ano com bolores em sua própria casa. Não precisamos ir tão longe para ver os “estragos” que bactérias e fungos fazem na cabeça de quem cozinha.
O entusiasmo é compartilhado pela chef Denyse Porto, da Pepe Rosso Gastronomia, de Curitiba, que preparou picles de cenouras, rabanetes, beterrabas e limões para o Bom Gourmet. “Cada vidro é único, não existe limite do que você pode colocar para temperar. Com a proporção correta de sal e água é possível conservar todo tipo de vegetal”, ensina.
Mais do que conservar, a fermentação desenvolve textura, sabor e aroma no alimento. Pode deixá-lo mais ácido, como os picles ou mais amargo, como é o caso dos queijos com fungos, como o gorgonzola. Na maioria dos casos, é acrescentado o gosto umami ao produto, o quinto gosto responsável por agradar tanto o paladar.
Para fermentar em casa não é preciso equipar a cozinha. O americano Sandor Katz, autor do livro A Arte da Fermentação, lançado em 2014 no Brasil, define a técnica como low-tech: para muitas preparações basta um recipiente, água e sal ou água e trigo, no caso do levain, também chamado de massa-mãe. “Quem conhece levain reconhece de longe um pão feito com ele. Tem acidez, textura mais rígida e casca crocante. Mas o principal é o aroma do pão, que é de um malte mais acentuado.
Pães feitos com levain ficam com a casca crocante e aroma maltado. A massa-mãe leva cinco dias para ficar pronta e deve ser alimentada diariamente. Após o segundo dia, é preciso mantê-la refrigerada. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Pães feitos com levain ficam com a casca crocante e aroma maltado. A massa-mãe leva cinco dias para ficar pronta e deve ser alimentada diariamente. Após o segundo dia, é preciso mantê-la refrigerada. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
A massa-mãe leva cinco dias para ficar pronta para usar. Eu gosto de usar cerveja no lugar da água para incrementar a fermentação e dar um gosto particular para a receita”, explica Fabiano Marcolini, chef boulanger da Marcolini Alimentari, que produz pães com massa-mãe desde o início de sua carreira, há mais de 20 anos. Atualmente, apenas três pães comercializados em seu estabelecimento são de fermentação natural, todos feitos diariamente com unidades limitadas: pão rústico, pão de grãos e pão de azeitonas, que foi vencedor da categoria Pão do Prêmio Bom Gourmet de 2013.

Selvagem e corriqueiro

Também é mérito da fermentação desenvolver aroma e sabor em produtos produzidos pela indústria, como chocolate, café, cerveja, vinho, chá e azeitonas (elas são intragáveis sem este processo). Os micro-organismos agem sem precisar de muito: basta que se criem condições ideais para que eles se desenvolvam e checar as transformações do alimento regularmente – se fermentar demais, também pode estragar.
Tanto o picles na salmoura quanto o levain são fermentações chamadas “selvagens”, porque aproveitam o conjunto de bactérias e fungos do local em que são feitas. “Chamamos de terroir da padaria. Nenhum levain é igual ao outro, porque nenhuma atmosfera é igual à outra”, define Marcolini.
A ginger ale ou jinjibirra pode ser feita com qualquer fruta ácida no lugar do limão e só pode ser passada para a garrafa de vidro na hora de servir, pois o fermento cria pressão na embalagem.
A ginger ale ou jinjibirra pode ser feita com qualquer fruta ácida no lugar do limão e só pode ser passada para a garrafa de vidro na hora de servir, pois o fermento cria pressão na embalagem.
Francisco Vítola, professor de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia na UTFPR de Dois Vizinhos (PR), lamenta que a fermentação tenha saído da rotina das pessoas. “De duas gerações para cá esquecemos as técnicas e perdemos o vínculo direto com as pessoas que faziam isso. A oferta diminuiu por desconhecimento. Começou-se a consumir o produto industrializado porque parecia mais moderno, mas o alimento está em um ambiente estéril, que facilita a proliferação de micro-organismos nocivos como o responsável pelo botulismo”, alerta. “Uma fermentação de vegetais dificilmente terá contaminação, porque cria-se um ambiente favorável para uma biota forte e diversa, que não nos faz mal”.

Fermentação

Técnica em que se criam condições para que micro-organismos se desenvolvam e transformem a matéria-prima, enriquecendo seu sabor, aroma e textura e, em alguns casos, conservando melhor o alimento.

Medidas para usar fermento

O chef boulanger Fabiano Marcolini ensina uma regra básica para substituir os tipos de fermento:
Fermento biológico fresco: usa-se de 1% a 3% do peso da farinha.
Fermento biológico seco: três vezes menor que o peso que usaria de fermento biológico fresco.
Levain: de quatro a cinco vezes o peso do fermento biológico fresco.
“A fermentação é uma técnica antiga que não precisa ficar presa aos preparos tradicionais. Com o avanço da biotecnologia podemos aplicar esse conhecimento para desenvolver novos produtos”, diz Francisco Vítola.

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