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Por que Alex Atala, Jaime Oliver e outros chefs famosos viram garotos-propaganda
Basta ligar a televisão ou assistir aos anúncios no Youtube que lá estão os garotos-propaganda do momento: os cozinheiros. Nos últimos meses, os dois maiores frigoríficos do Brasil estrearam campanhas publicitárias com dois chefs renomados: Alex Atala no início de junho para a Seara e Jamie Oliver algumas semanas depois para a Sadia. Apesar de terem causado um burburinho na internet no lançamento dos comerciais, os chefs não foram os primeiros, nem serão os últimos: vieram no rastro de outros profissionais da cozinha que emprestaram sua imagem para o reposicionamento de mercado.
O estranhamento se deu pelas marcas serem representadas por pessoas que defendem ingredientes selecionados e de pequena escala, muito diferente de uma produção industrial: a Seara é a maior processadora de frangos do Brasil e a segunda do mundo, com 86 milhões de toneladas processadas por ano. A Sadia, pertencente à BRF, mesmo grupo da Perdigão, diz ter processado 4,2 mil toneladas de carne em 2011. Somado a isso, ambas vendem ultraprocessados, como nuggets, apresuntados e outros frios.
Durante entrevista coletiva do lançamento da campanha de Alex Atala e Seara, o chef foi questionado sobre a contradição entre defender o pequeno produtor e associar sua imagem à maior empresa processadora de aves do Brasil, Atala disse que “não mudou de lado” e que acredita que “não dá para alimentar 7 bilhões de pessoas com produção de alimentos em pequena escala”. Alex diz que ao constatar “a qualidade do frango Seara” passou a usar apenas a marca para a galinhada do cardápio de seu restaurante Dalva e Dito: disse que trocou uma marca orgânica pela linha “Da Granja” da Seara.
A associação da figura do chef e da “comida de verdade” a empresas que trabalham com congelados e carnes produzidas em sistema industrial, no entanto, está longe de ser um fenômeno. “Você pega uma autoridade no assunto que possa transmitir confiança e os valores da marca para criar um vínculo com o público. Não tem a ver somente com o produto, mas o conceito da marca”, explica Douglas Zela, professor e coordenador dos cursos de pós-graduação de marketing da FAE Business School.
“A marca reposiciona seus produtos como premium e para os chefs acontece o oposto: sua imagem se populariza, sai de um pequeno nicho para chegar ao varejo”, analisa Deise Bautzer, professora de marketing dos cursos de gastronomia do Centro Europeu. Ela diz que as propagandas funcionam como uma associação de marcas, uma vez que a carreira de chefs famosos como Atala e Oliver é gerida como uma marca. “Esta depreciação da imagem do chef por se associar a marcas de industrializados acontece em uma faixa muito específica de pesquisadores, professores e especialistas em gastronomia, mas não vão atingir a gestão de seus restaurantes nem na imagem pessoal”, conclui.
Para Zela, o crescimento do segmento especial de comidas e bebidas, como novos cortes de carnes nobres, vinhos e cervejas artesanais, massas e queijos dão destaque para personagens antes pouco influentes para a sociedade em geral. Agora que a comida assumiu um papel de assunto importante e popular, a comunicação do profissional de cozinha deixa de ser para pares e passa a ser para a massa. “O chef mexe com o imaginário de todas as classes, mas de modos diferentes. Quem pode ir ao D.O.M. tem uma visão e apreciação específica sobre o trabalho de Alex Atala. Quando ele faz uma campanha cujo produto é o frango, estamos falando de classes C e D. A imagem do sucesso é muito abstrata: o Pelé, por exemplo, fala para um universo enorme, mesmo para quem nunca o viu jogar”, exemplifica Carlos Alberto Dória, sociólogo, autor do blog E-Boca Livre e de livros sobre alimentação como “Formação da Culinária Brasileira” e “A Culinária Materialista”. “A expertise ajuda, mas é a imagem que vende”, resume Zela.
Outros casos
Se antes era comum ver cantores, atletas, atores e modelos recomendando na televisão um produto, com o estouro dos programas de televisão aberta e fechada sobre gastronomia, os chefs foram alçados ao mesmo patamar: o de formadores de opinião. Na análise de Carlos Alberto Dória, a escolha da Seara e da Sadia pelos chefs sinaliza um abalo na confiança do consumidor. “As marcas percebem que o valor que acumularam está um caos e querem se revalorizar. Ao usar a imagem destas pessoas para recriar confiança, elas se apropriam do valor acumulado por estes chefs e trabalham com o imaginário do consumidor.”
O fenômeno, claro, está longe de ser apenas brasileiro. Na Itália, o berço da comida “de verdade”, “artesanal”, “feita do zero”, Carlo Cracco, com duas estrelas Michelin em seu Ristorante Cracco e jurado do Masterchef Itália, estrelou uma campanha para a batata chips San Carlo há dois anos. Antes dele, Gualtiero Marchesi, mestre de muitos chefs há décadas, assinou um sanduíche da rede McDonald’s.
No Brasil, Atala também fez propaganda para tempero pronto e para uma marca de cafés em cápsula. Apresentadores de programas de televisão, como Ana Maria Braga, Palmirinha e Edu Guedes, também aparecem: Ana Maria faz parte do “time de especialistas” da Friboi para a Academia da Carne, ao lado do jurado do Masterchef Brasil Henrique Fogaça, Palmirinha fez participações em campanhas da Ruffles e Danette e Edu Guedes lançou uma linha com seu nome para o Azeite Cocinero.