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Gaggan, melhor chef da Ásia, quer levar projeto social brasileiro para a Índia
Há três anos considerado o melhor restaurante da Ásia pela revista britânica Restaurant, o Gaggan tem data para fechar: 2020. O chef Gaggan Anand, a exemplo do que seu ídolo Ferran Adrià fez com o elBulli, pretende encerrar as atividades do restaurante em Bangkok, na Tailândia, enquanto ainda estiver no topo. A fala do chef foi o grand finale da programação de palestras do Semana Mesa SP, o maior congresso de gastronomia da América Latina, realizado de 26 a 29 de outubro em São Paulo.
Gaggan apresentou a trajetória de seu restaurante e definiu seu trabalho em uma frase: “Horas e horas de planejamento. Termina em uma mordida”, referiu-se à criação de “Oreo de berinjela”, um petisco salgado que remete ao formato da famosa bolacha recheada. Sua palestra também falou do alto custo de se manter um restaurante fine dining. “Faço mais dinheiro vendendo água que vendendo comida. Coloque dez cozinheiros para fazer um menu como o meu. É difícil pagar a conta”, diz. A sequência servida no Gaggan é de 25 pratos em duas horas e custa aproximadamente R$ 350.
Eleito o homem do ano pela revista GQ do país em 2016, Gaggan nunca teve um restaurante em seu país natal. “Não sei se eu ou a Índia estamos prontos um para o outro. Quando a Índia estiver receptiva para um restaurante de alta gastronomia, serei o primeiro a abrir lá”, promete, ao ser questionado pela plateia ao final de sua fala. Na quinta, 2 de novembro, reúne-se com o chef curitibano David Hertz, idealizador do Gastromotiva, para conhecer mais do projeto social que capacita pessoas em situação vulnerável para trabalhar em cozinhas profissionais. “Ainda é uma intenção das duas partes”, disse Hertz.
Gaggan ficou conhecido internacionalmente após o episódio da série documental Chef’s Table, da Netflix, que conta como o menino de uma família pobre, com alimentação precária e nenhuma facilidade, abriu o que se tornaria o melhor restaurante da Ásia. Gaggan Anand falou com exclusividade ao Bom Gourmet ao final de sua fala no Semana Mesa SP:
Você mencionou que na Índia você não tem o reconhecimento que você teve aqui, durante o evento. Mas no Brasil os chefs são como os Beatles dessa década. Por que isso?
[risos] Eu acho que porque eu não faço tevê, reality show. Eu só cozinho. Prefiro cozinhar a aparecer na tevê.
Durante a palestra você mencionou que a participação no seriado da Netflix mudou sua vida. Como?
Mudou na Índia. Eu sou famoso. Eu fui considerado o homem do ano pela revista GQ, mas sou famoso para entendedores da gastronomia. Eu quero mudar a pobreza do país. Há coisas para as quais estou trabalhando para ter resultado daqui a dois ou três anos. Essa atenção que tenho aqui no Brasil é incrível, o carinho… é demais. Muita emoção. Obrigado, isso é incrível. Já estive em muitos países, cozinho em Nova York, Suécia… as pessoas me reconhecem, pedem para tirar fotos. Aqui é outro nível. Eu fiquei surpreso.
No Brasil tem-se discutido muito sobre “comida de verdade” e nutricionismo. Há uma ideia corrente de que o “pobre come não por prazer, mas por ter fome”.
Eu venho dessa vida, que você não sabe o que comerá amanhã. Eu não posso mudar um país com 1,3 bilhões de pessoas, mas se eu conseguir melhorar a vida de dez pessoas estarei feliz. Então farei isto.
Qual sua estratégia?
É simples. Não acredito em doação de dinheiro para fundações. Eu acredito em acesso à educação. Eu patrocino pessoas para que estudem, para que aprendam a cozinhar e ninguém sabe que sou eu que estou colocando o dinheiro. Eu tive a sorte de ter uma oportunidade que muita gente não tem. Eu sou um sortudo de estar aqui. Nos próximos dez anos quero que outras pessoas tenham tido sorte. Vou conversar sobre o projeto Gastromotiva na próxima semana [quinta, 2 de novembro] e estou pensando em levar o projeto para a Índia.
Nova Délhi?
Não, Nova Délhi, não. Ainda vamos ver. Isso ainda é minha intenção, vamos ver ainda. Estou trabalhando em algo assim há quatro anos, projetando isso na Tailândia. Quando você vê um pedinte, no Brasil e em Bangkok não é tanto, mas na Índia… são muitos. Se você der dinheiro, mesmo que seja muito dinheiro, ele não vai parar de pedir. Dinheiro não é a solução. Comida é a solução. A fome causa mentes criminosas. As pessoas sequer comem arroz, elas tomam a água do cozimento do arroz. A pobreza chega a esse nível de má alimentação. Eu sei como as pessoas podem se tornar criminosas quando não se tem dinheiro. É a pobreza que torna as pessoas criminosas. Precisamos eliminar a pobreza erradicando a fome e tendo água potável para as pessoas. Se eu conseguir fazer isso, ficarei feliz.
Como é estar no topo do ranking de melhores restaurantes da Ásia e entre os dez melhores do mundo? Como mantém sua sanidade mental e lida com a pressão?
Prêmios vêm e vão. Alex Atala foi o chef número um, o Maido atualmente é o melhor restaurante da América Latina, Virgilio Martínez [do peruano Central] era o número um até ano passado. A comida se tornou fashion e por isso a fama vem e vai. Mas será que minha comida está ou esteve realmente melhor do que em outro momento? O negócio é se manter humilde e estar acessível para as pessoas.
Como conseguir se manter acessível quando se é tão requisitado?
Humildade não se injeta. Ela se origina na cabeça. Permanecer humilde e com os pés no chão é o que minha mãe me fala sempre que eu a encontro. “Você está voando alto, ganhando dinheiro, tem um bom carro, uma grande empresa, sucesso no restaurante. Mas permaneça humilde. Não se esqueça de onde você veio”, ela me diz. Eu penso nisso todos os dias.
Nesse caso, a sua filha [Tara, pouco mais de um ano de idade] já nasceu com a vida completamente diferente da sua.
Mas é o DNA da família. Eu não vou deixar ela passar pelo que eu passei, mas quero garantir que ela não vire uma pirralha mimada. Ela vai limpar sua própria louça, ela terá a mesma educação e lição de vida que meus pais me deram. Não terá “colher de prata” para minha filha, mas também nenhuma insegurança. Claro que ela nasceu com sorte e eu tenho muita sorte de tê-la. Ela é tudo para mim. Mas eu nunca vou mimá-la, ela tem que lembrar de onde veio a família dela.
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