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“Fiz o livro para fugir da monotonia do leite condensado, Leite Ninho, Nutella”, diz a Rainha da Cocada
Raíza Costa comeu o primeiro brigadeiro da sua vida aos oito anos. Era de colher, servido em pirex de vidro marrom, e foi na casa de uma amiga de seu pai. “Eu comi aquilo e falei “meu Deus, o que é isso? Minha mãe nunca fez isso”. Na sua casa, era só comida “natureba anos 1980”. Nada de sobremesa. “Queria comer mais e aprendi que se eu quisesse comer, teria que aprender a fazer. Aí virei doceira de fim de semana”.
O hobby se tornou seu trabalho oficialmente no final de 2014, quando estreou uma série de vídeos de receita no GShow, a plataforma de conteúdo on-line da Globo. Até lá, seu sucesso era majoritariamente nos EUA.
Raíza estará em Curitiba nesta segunda (4) para o lançamento de seu primeiro livro, “Confeitaria escalafobética: Sobremesas explicadas tim-tim por tim-tim” (SENAC, R$ 71,20). Como diz o próprio título, o livro é excêntrico e exagerado. Nesta sexta, ela conversou por telefone com o Bom Gourmet sobre seu livro de receitas.
O projeto gráfico é assinado pelo marido de Raíza, Vinícius Costa. Apesar de ambos transitarem pelo universo da criação e audiovisual, o livro foi o primeiro projeto que fizeram juntos. “Eu sou diretora, roteirista e apresentadora do meu programa, mas sempre me perguntam se o Vinícius me “ajudava”. E as pessoas parecem ter dificuldade em associar a parte criativa do audiovisual com o feminino”, declarou.
“Confeitaria escalafobética” tem 376 páginas com 101 receitas que vão de como fazer manteiga em casa até sobremesas que exigem mais destreza e paciência, como o Saint Honoré (feito com massa de bomba, pâte brisée, creme de cerejas, caramelo e merengue italiano). “Fiz o livro para fugir da monotonia de tudo levar leite condensado, Leite Ninho, Nutella. É um manifesto contra esse doce preguiçoso”, declarou.
Leia os principais trechos da entrevista:
Como funciona seu processo criativo?
Minhas ideias vêm do universo da arte. Um personagem, um filme, uma música, uma exposição de arte. Penso em como transformar em comida. Tenho 16 cadernos em casa, cada um para um tipo de ideia, aos quais recorro: um só para ideias de receitas; outro para filosofia de vida, com roteiros que nunca tive tempo de gravar; um só para desenhar ideias de apresentação de pratos; um para anotar os pontos altos do dia; um só para anotar o que comi no dia. E tenho as versões menores que eu levo na bolsa.
Você costuma dizer que faz tudo o que dá na cabeça. Alguma ideia de vídeo ou foto, nesses anos, não deu certo?
No livro eu tirei três fotos que não deram certo e mudamos a imagem. Uma delas era para a torta de limão no palito, que era para ser num fundo de couro azul marinho com dourado. Tentei fugir da estética clássica de livro de receita, que leva luz natural, enquadramento perto e o resto desfocado. No meu livro tudo está em foco, o cenário é tão importante quanto o doce em si.
A do suflê era para ser em cima de uma pilha imensa de pratos com uma porta amarela no fundo. Fizemos toda a produção, arranjamos a porta amarela. Aí o prato chamou mais atenção que o suflê e o suflê ficou torto. Fizemos o suflê em fundo preto e branco com um creme caindo sobre ele. Ser criativo é estar aberto ao erro. Quando você copia já sabe o que fazer, se tiver que se reinventar é aí que você faz caca.
A que se dedicava antes de gravar receitas?
Eu trabalhava em galeria de arte, um ambiente depressivo, sem janela e parede branca. Fazia parte do universo que eu pertencia e de que eu gostava, mas não me representava. A arte em si é muito contraditória. A venda de arte e o ambiente em que acontece a venda é estéril. Comecei a fazer vídeos sem pretensão de que virasse minha carreira.
Gosto de fazer bem feito e acredito que eu trouxe um profissionalismo para o vídeo no YouTube, porque até então os vídeos de receita eram no formato de TV. Isso fez com que meu conteúdo ganhasse destaque na época. Passei a viver disso quando comecei no GShow, porque não aceitei fazer merchan de porcaria no canal. E aí prosperei. Hoje tenho uma produtora com mais de 20 pessoas trabalhando comigo.
Quando notou que estava ficando famosa?
Em Belo Horizonte [em 30 de novembro] foi um pouquinho assustador. Sou conhecida em um nicho específico, não sou protagonista da novela das nove. Estava jantando e vinha gente falar comigo no restaurante.
A primeira vez que notei foi quando peguei um avião para vir ao Brasil. Estava na primeira temporada do Rainha da Cocada. Quando entrei no avião o comissário olhou para mim e falou “Rainha da Cocada, eu te amo! Vou te colocar na primeira classe!”. Quando eu cheguei no aeroporto a moça que carimba o passaporte saiu da cabine para tirar uma foto comigo.
Como você lida com tanta gente querendo sua atenção?
Assinei mais de 500 livros durante o lançamento em São Paulo. As pessoas merecem minha dedicação e meu tempo porque se dedicam a acompanhar minhas produções. Eu tenho obrigação de dar atenção e eu gosto de conhecer as pessoas.
Em Belo Horizonte tem um menino que me segue, o Vinícius. No Instagram dele, todas as fotos são de receitas minhas que ele fez, das mais difíceis às mais fáceis. Ele faz minhas receitas há tanto tempo que eu precisava conhecê-lo. Mandei mensagem pelo Instagram quando fui a Belo Horizonte para nós marcarmos um almoço. Sabe onde ele me levou? Na casa da avó dele! O pai e a mãe moram na fazenda. Porque eu ia lá almoçar eles mataram um galo e um porco. Tinha muita comida, uma mesa maior que mesa de Natal, suco de frutas do quintal, feijão tropeiro. Olha como é maravilhoso se conectar com o ser humano. Eu tento ter esse tempo espontâneo para me conectar com as pessoas. Uma menina me escreveu perguntando sobre um figurino. Mandei o vestido para ela. E no lançamento em São Paulo ela estava lá, usando o meu vestido.
Pela sua formação artística, tudo pode virar inspiração. Mas existe alguma pessoa ou obra que inspire especificamente?
Não tem, gostaria que tivesse. As pessoas me compreenderiam melhor se eu tivesse. Eu sou muito visual. Fotografia monocromática, direção de arte trabalhando uma cor só. Gosto de stop motion, sempre que sai um vídeo de stop motion bem feito eu paro para ver, adoro. Pintura, escultura. Não tem uma pessoa. Meu trabalho vem muito das minhas inspirações, eu sempre falo que eu juntei as coisas que eu gostava na época, que são música, foto e docinhos e virou isso aí, um programa de culinária.
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Quem é Raíza Costa
A videomaker e confeiteira paulistana Raíza Costa se mudou com o marido Vinícius Costa em 2009 para Nova York, quando ele recebeu uma proposta para trabalhar com animação e comercial de televisão. Desde então moram no Brooklyn, cenário que aparece constantemente em seus vídeos no canal do YouTube, Dulce Delight, desde 2010.
Raíza trabalhou em galerias de arte e no seu tempo livre produzia sozinha vídeos de receita. “Uma vez fiquei 28 horas seguidas editando um vídeo para o dia dos namorados, que era um rocambole com padrão de corações”. A narração era em inglês e quando os brasileiros a descobriram, passou a dublar a si mesma.
Até então autodidata, no ano seguinte, estudou na French Culinary Institute in New York e no ano seguinte, incentivada pelos fãs do canal, inscreveu-se no MasterChef EUA, onde conquistou o paladar de Gordon Ramsay com uma mousse de chocolate recheada de trufa de framboesa. Em 2014, meses antes de fechar contrato com o GShow, começou a produzir conteúdo para o Food Tube, canal do chef Jamie Oliver. Em menos de um ano estreava o “Rainha da Cocada” no GNT, com uma equipe de produção e tempo mais longo de televisão: 30 minutos.
No mesmo ano a editora Senac a procurou e deu carta branca para o conteúdo do livro. “É uma extensão do meu trabalho na televisão e YouTube. Criei um livro para que as pessoas encontrem respostas para o que dão errado, saber como cada ingrediente reage. É um livro muito técnico mas tratado com casualidade imensa”, define. Das preciosidades no projeto gráfico, as páginas da receita de bolo mousse de chocolate são plastificadas. “Porque é a receita que você mais vai fazer na vida. Assim as páginas não sujam”, explica.
Serviço
O lançamento, com sessão de autógrafos, será na segunda (4) na Livraria da Vila, no shopping Pátio Batel (Av. do Batel, 1.868 – Batel), às 18h. A partir das 10h a livraria distribuirá 600 senhas, uma por pessoa.
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