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O peruano que saiu do subsolo de um supermercado e conquistou Curitiba
O chef peruano Fernando Matsushita parece encarnar á perfeição a culinária de seu país. Assim como a cozinha andina é uma fusão de culturas, técnicas e ingredientes. Matsushita também é fruto de uma mescla: de ascendência japonesa, nasceu em Lima, no Peru, morou 16 anos no Japão e há quase uma década fixou raízes em Curitiba onde comanda o restaurante Do Peruano Gastronomia & Cultura.
“Aterrissei pela primeira vez em Curitiba no dia 11 de setembro de 2001, poucos minutos depois do atentado das Torres Gêmeas. Aquele obviamente não foi um dia normal, mas apesar da convulsão toda, me apaixonei imediatamente por Curitiba. Meu primo, que já morava aqui, me levou para almoçar na churrascaria Divino Mestre, no Água Verde. Foi a primeira vez que comi um rodízio de carne”, relembra.
Sua vinda a Curitiba naquele ano deu-se por uma casualidade. Naquela época, Fernando morava desde 1992 no Japão onde havia se casado com a brasileira Zazá, oriunda de Toledo, no interior do Paraná. Ele nunca tinha visitado o Brasil e Zaza queria que ele conhecesse sua família, que morava no interior de Minas Gerais.
Em sua estada no Brasil, Fernando passou apenas poucos dias na capital paranaense, mas foi amor à primeira vista. Mesmo tendo uma vida e um emprego no Japão, ele comprou um apartamento no Água Verde, em um leilão. “Já tinha decidido que ia ficar por aqui. Aquela era uma ocasião que não podia deixar escapar”, conta. Mesmo assim, ele teve que voltar à vida que havia deixado no Japão com o objetivo de juntar dinheiro e regressar o quanto antes a Curitiba. Mais sete anos se passaram e Fernando só se fixou por aqui em 2008.
Hoje, quase dez anos após sua chegada ao Brasil, Fernando comanda com sucesso seu restaurante num grande casarão reformado no Cristo Rei. No cardápio, há clássicos da cozinha andina como ceviche de tilápia, tamal, uma espécie de pamonha feita com milho roxo e cozida no vapor envolta, e lomo saltado, cubos de mignon flambados com pisco e salteados na frigideira.
O reconhecimento não veio só da clientela fiel, mas também do governo peruano. Em novembro desse ano, Matsushita foi autorizado pelo ministério do turismo do Peru a usar a marca oficial do governo – um símbolo inspirado nas famosas linhas de Nazca – no dólmã e no logo do restaurante. “Hoje sou oficialmente um representante da marca Peru no Brasil, mas me sinto curitibano. Tenho a obrigação moral de realçar a culinária paranaense. Por isso estou envolvido com um grupo de chefs em um projeto para resgatar pratos típicos da roça”, explica.
Fernando é cozinheiro autodidata, mas tem longa experiência e sua família tem grande tradição na cozinha. “Minha avó foi cozinheira do embaixador do Peru na Austrália na década de 1920, enquanto meu avô japonês foi cozinheiro no navio que o trouxe do Japão ao Peru”, conta. Quando criança, Fernando passava muito tempo no restaurante da tia como ajudante de cozinha. “Aprendi empiricamente, mas sempre estudei muito”, afirma.
Mesmo tendo seguido outra carreira – de 1985 a 1992 foi policial militar no Peru – e depois ter trabalhado por muitos anos como operário em montadoras de carros no Japão, Fernando nunca abandonou de vez a gastronomia. Em 1993, quando ele conheceu Zaza, que também era apaixonada pela boa cozinha, os dois começaram, paralelamente ao trabalho em fábrica, a produzir doces e salgados como empanadas, rocambole, tortas geladas e alfajor para as colônias brasileiras e peruanas no Japão.
“Viramos fornecedores de pequenos comerciantes e fazíamos eventos. Conheci cozinheiros do mundo todo: Itália, França, Laos, Filipinas. Aprendi muito com eles”, conta. O aprendizado dos anos 1990 levaria ainda um tempo até ser colocado em prática no fogão de um restaurante. Quando em 2008 se fixaram em Curitiba, Fernando e Zaza passaram a vender seus doces e salgados típicos, que tanto sucesso tinham feito no Japão, nas feiras do Batel, Juvevê e Praça Osório.
Mas as feirinhas não eram suficientes para sustentar a família – o casal tem um filho de 22 anos, Natsuki, que em japonês significa “nobre que nasceu no verão” – e Fernando passou a trabalhar na cozinha de um tradicional restaurante japonês da capital. “Na quinta me despedia da minha família e voltava para casa só no domingo. Eu não tinha carro na época e como trabalhava da manhã cedo até tarde de noite, eu dormia no restaurante. Tinha um quartinho lá para mim” relembra sobre uma das fases mais difíceis de sua vida.
Em 2010, Fernando encontrou por acaso seu “anjo da guarda”, um empresário do ramo do café que, reconhecendo a qualidade de sua comida, o convenceu a abrir uma pequena cafeteria. Com pouco mais de 20 lugares, o ponto escolhido foi o subsolo do supermercado Muffato, no Tarumã. O negócio cresceu e aos poucos a cafeteria virou um restaurante: no começo servia o trivial brasileiro, mas em 2014 deu uma guinada para a cozinha peruana. No começo desse ano, o Do Peruano ganhou uma casa nova, num casarão reformado, no Cristo Rei.
“O curitibano cansou do arroz e feijão e, quando procurou novos sabores, eu tinha um cardápio cheio”, afirma. Hoje, com menos de um ano de casa nova, Fernando já está focado em 2018. “Quitei minhas pendências. O próximo ano será de investimentos em equipamentos para cozinha”, revela. Uma das primeiras novidades será uma enorme churrasqueira com defumador para fazer carnes assadas à moda peruana. “A gastronomia da América Latina entrou com tudo nos últimos anos. Não digo que a gastronomia europeia e asiática deram tudo que tinham que dar, mas na América Latina temos matéria prima, dezenas de ecossistemas diferentes, ingredientes desconhecidos”, avalia.
O Peru lidera esse movimento. O chef que nos anos 2000 revolucionou a culinária andina, Gastón Acurio, já está deixando o lugar a uma nova geração de cozinheiros. Baste pensar que no conceituado ranking dos 50 Melhores Restaurantes da América Latina de 2017, os primeiros dois lugares são ocupados por dois restaurantes de Lima comandados por jovens cozinheiros: o Maido, de Mitsuharu Tsumura, 35, e o Central, de Virgilio Martinez, 40.
“Admiro Acurio porque divulgou a culinária peruana no mundo. Aqui no Brasil gosto muito de Bassoleil [Emmanuel, chef francês do Restaurante Skye do Hotel Unique, em São Paulo] pela ousadia”, afirma Fernando. “Qual prato típico peruano eu gostaria de fazer no meu restaurante? Porquinho-da-índia. É uma comida que tem tradição de milhares de anos, mas ainda não encontrei nenhum criador no Brasil”, explica. “Em 2008 era difícil fazer comida diferente em Curitiba, hoje o público está sedento por novos pratos”.
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