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Como o chef francês Paul Bocuse influenciou a gastronomia brasileira
Você pode não imaginar, mas aquela salada de folhas frescas que acompanha o seu almoço tem uma pitadinha dos ensinamentos do chef francês Paul Bocuse, que morreu no último sábado (20), aos 91 anos, vítima de complicações do Mal de Parkinson.
Os conceitos que ele criou há mais de 40 anos, e que revolucionaram a forma de preparar os alimentos, como o frescor dos ingredientes e a valorização dos produtos regionais, são adotados pela culinária de todo o mundo, até mesmo aqui no Brasil. Não à toa, a morte dele causou comoção tanto em profissionais da cozinha como apreciadores da boa comida.

Logo após a confirmação do falecimento, colegas, aprendizes e chefs inspirados por Bocuse expressaram suas homenagens pelas redes sociais. Nomes como Alex Atala, Thomas Troisgros e Emmanuel Bassoleil postaram fotos e mensagens sobre a morte dele.
Laurent Suaudeau, indicado por Bocuse para trazer sua culinária ao Brasil há quase 40 anos, escreveu uma carta para homenagear seu mestre. Ele diz que o falecimento do ‘chef do século’ já era esperado: “era apenas uma questão de quando isso aconteceria”. Além de Suaudeau, Bocuse também indicou o chef Claude Troisgros (do Olympe, no Rio), para trazer a Nouvelle Cuisine ao Brasil. Foi quando começou a revolução da culinária nacional.
Apesar de ser considerado um ícone da culinária francesa, os conceitos criados por Bocuse são aplicados até hoje em praticamente todo o mundo, como a defesa do uso de produtos frescos e de qualidade produzidos o mais perto possível de onde são usados. “E isso independente de ser na culinária francesa, na brasileira, na marroquina, de onde quer que fosse”, diz Suaudeau ao lembrar que seu antigo chef era aberto a diferentes culturas e hábitos.
Essa abertura que ele tinha às outras culinárias também foi lembrada pela jornalista curitibana Jussara Voss, editora do Vosso Blog de Comida, do Bom Gourmet. Ela considera que Paul Bocuse teve uma importância inegável para a culinária mundial. “Seus ensinamentos e conceitos, principalmente da simplicidade e da valorização dos ingredientes frescos e regionais, segue mais atual do que nunca”, diz. Ela conta, ainda, que o que ele ensinou deve continuar ditando a gastronomia no presente e no futuro.

Este conceito foi muito incentivado por Bocuse quando veio ao Brasil, em meados de 1981. Laurent Suaudeau conta que o chef desceu no Rio de Janeiro querendo saber de tudo o que tinha de mais típico e fresco, para que pudesse usar na cozinha. “Ele poderia ter mandado trazer ingredientes da França, de só usar alimentos importados no restaurante, mas não. O Paul queria aquilo que tínhamos aqui, mas com as técnicas francesas”, lembra Suaudeau.
Mais de duas décadas depois, o Brasil acabou por redescobrir o quanto os conceitos de Bocuse continuavam originais, e chefs como o paulista Alex Atala, a curitibana Manu Buffara, o gaúcho Rodrigo Bellora, entre outros, passaram a valorizar cada vez mais os ingredientes frescos e regionais.
A aceitação de Bocuse ao novo, às diferentes culinárias, foi muito lembrada pelo crítico gastronômico Josimar Melo. Além de ser um bom marqueteiro para se promover, o jornalista apresenta o chef não como um competidor, mas como um familiar. “Bocuse esteve sempre cercado por grandes chefs, em ambientes onde sobressaía não a competição e o ciúme, mas uma aura quase de família”, relata. Esta é também a opinião de Laurent Suaduau, que diz que Bocuse tinha um carisma insubstituível como um paizão, que sabia conviver com as pessoas simples e com os ricos de uma forma tranquila, sem preconceito.
Além da convivência quase que familiar (aceitava ter estagiários estrangeiros em seu restaurante), Bocuse soube como promover os colegas e sua terra natal. Segundo Jussara Voss, “ele colocou a profissão em destaque, deu mais luz aos chefs ao criar o hábito de caminhar pelo salão conversando com os clientes”. Para ela, foi nessa época que a figura do cozinheiro ganhou o status de ‘chef celebridade’.

Já o também francês Emmanuel Bassoleil, radicado no Brasil desde 1987, classifica Bocuse como uma grande pessoa pelo que fez para a gastronomia. “A história, o trabalho que ele realizou está registrado, ele foi o chef do século”, afirma.
Bocuse faleceu em seu conhecido restaurante de Collonges-au-Mont-d’Or, vilarejo perto de Lyon, na região centro-leste da França.
“Imenso pesar”
Através de uma nota à imprensa, a família de Paul Bocuse manifestou seu “imenso pesar” pela morte do chef. Segundo a viúva, Raymonde Bocuse, a filha Françoise e o filho Paul, “nosso ‘capitão’ era mais do que um pai e um esposo: um homem de coração, um guia espiritual, uma figura emblemática da gastronomia mundial e um portador da bandeira francesa”.
O presidente da França, Emmanuel Macron, também se pronunciou através de um comunicado. Ele diz que “a gastronomia francesa perde uma figura mítica, que a transformou profundamente. Os chefs choram em suas cozinhas no Eliseu, em toda França. Mas seguirão com seu trabalho”.
Já o termo Nouvelle Cuisine foi cunhado pelos críticos Henri Gault e Christian Millau em alusão ao movimento Nouvelle Vague, dos jovens cineastas franceses François Truffaut e Jean-Luc Godard, por conta das novidades introduzidas por Bocuse. O chef também serviu de inspiração para a animação “Ratatouille”, de 2007, por conta da simplicidade e da seleção de ingredientes de qualidade.
Bocuse deixa uma herança de mais de 20 restaurantes na França, Estados Unidos, Japão e Suíça, e é o único chef que manteve as três estrelas no Guia Michelin há 51 anos consecutivos em seu restaurante L’Auberge, próximo a Lyon. Em 2011, foi eleito também chef do século pela prestigiosa escola americana Culinary Institute of America.