Histórias
Cozinha Sem Fronteiras conta a história de imigrantes refugiados por meio da comida
Quando foi embora do Benim há seis anos para tentar uma nova vida no Brasil, Meyissehoue Jacqueline Agossou (ou apenas Jacque, de 28 anos), enfrentou todo tipo de dificuldade que um imigrante refugiado se depara. Uma terra desconhecida, pessoas diferentes daquelas de seu convívio social, idioma estranho ao seu nativo e a saudade de casa.
Ela ainda teve o agravante de estar grávida e a
família não aceitar o relacionamento com o então companheiro.
família não aceitar o relacionamento com o então companheiro.
A situação de Jacque é parecida com a da afegã
Lida Khwajazada, que se mudou para o Brasil com o marido em busca de uma de uma
vida melhor, enfrentando toda uma sorte – ou seria falta dela? – de se deparar
com as mesmas dificuldades da africana.
Lida Khwajazada, que se mudou para o Brasil com o marido em busca de uma de uma
vida melhor, enfrentando toda uma sorte – ou seria falta dela? – de se deparar
com as mesmas dificuldades da africana.
Mas, embora de origens diferentes e distantes (Benin fica na África, enquanto que o Afeganistão está na Ásia), as duas mulheres tem algo em comum que as une a tantas outras refugiadas: o ato de cozinhar para lembrar de casa e amenizar a saudade.
É com base nisso que as duas são as estrelas do projeto Cozinha Sem Fronteiras, tocado por três amigas de Curitiba que, em seus ofícios, buscam acolher e ajudar mulheres em situação de vulnerabilidade social através do preparo de pratos típicos preparados por elas. Neste caso, das imigrantes refugiadas que estão recomeçando a vida ou necessitam de um apoio a mais nesta terra desconhecida.
Roberta Cibin, produtora cultural, e as chefs
Renata Vidal e Juliane Krainski, sócias do restaurante Mandarina Comida e
Afeto, começaram a pensar no projeto ainda durante a pandemia da Covid-19,
quando abriram o negócio em meio às restrições que isolaram as pessoas em casa.
Elas já vinham de ações de ajuda às pessoas em situação de rua, cozinhando e
distribuindo comida pela cidade – mas, queriam ir além.
Renata Vidal e Juliane Krainski, sócias do restaurante Mandarina Comida e
Afeto, começaram a pensar no projeto ainda durante a pandemia da Covid-19,
quando abriram o negócio em meio às restrições que isolaram as pessoas em casa.
Elas já vinham de ações de ajuda às pessoas em situação de rua, cozinhando e
distribuindo comida pela cidade – mas, queriam ir além.
“Foi então que, em meados do ano passado, começamos a conversar sobre como ajudar a desenvolver mais pessoas, em como poderíamos dar a nossa contribuição pelo desenvolvimento delas na sociedade. Assim, surgiu a ideia de trazer essas mulheres imigrantes em situação de vulnerabilidade para cozinhar conosco, contarem suas histórias às pessoas e, quem sabe, a se inspirarem em seguir na carreira”, explica Juliane.
O trio já trabalhava com mulheres imigrantes em
ações sociais na ocupação Nova Esperança, na região metropolitana, “principalmente
haitianas que foram embora de lá”, afirma Roberta. A nação caribenha foi
devastada pelos terremotos 2010 e 2021, e as sucessivas crises políticas e
econômicas que vieram depois fizeram o país mergulhar na miséria.
ações sociais na ocupação Nova Esperança, na região metropolitana, “principalmente
haitianas que foram embora de lá”, afirma Roberta. A nação caribenha foi
devastada pelos terremotos 2010 e 2021, e as sucessivas crises políticas e
econômicas que vieram depois fizeram o país mergulhar na miséria.
Do trabalho na ocupação veio o “estalo” para fazer algo a mais, que pudesse unir a história de vida dessas mulheres com a possibilidade de se angariar recursos que deem uma ajuda – mesmo que pequena – ao dia a dia delas (40% da renda é repassado a elas).
Na hora certa
A afegã Lida Khwajazada (23 anos) foi a convidada da primeira edição do Cozinha Sem Fronteiras, em meados de abril, a partir de um encontro inesperado. Numa tarde de fevereiro, ela e o marido, Rahmatullah, junto de uma amiga, andavam pela região do Bigorrilho em busca de uma moradia quando entraram no restaurante de Renata e Juliane.
“A gente ficou curiosa, pois ela falava uma língua que não conhecíamos, e aí a amiga dela contou a história e a situação do casal. Nós nos olhamos e falamos: pronto, já temos a nossa primeira personagem”, contam.
Lida ficou emocionada com o convite, pois sonhava em ter um restaurante, e aceitou prontamente o convite. Ela então passou os dois meses seguintes pensando e testando o prato que iria servir no projeto.
De uma ideia, surgiu um menu inteiro com opções como o Pakawra. O preparo vegetariano é semelhante à batata rosti com cebola, tomate, ovo, coentro e pimentas.
Com casa cheia, clientes curiosos pela história da jovem e muitos aplausos ao fim do evento, Roberta, Renata e Juliane passaram pensar na segunda edição do Cozinha Sem Fronteiras.
O destino ajudou
Roberta conta que o trio começou a quebrar a cabeça sobre quem seria convidada para o novo encontro. Muitas vezes, a grande quantidade pode significar nenhuma quantidade, com uma busca difícil por uma história que seja a mais interessante de tantas outras histórias tão interessantes.
“Comentei com uma amiga nossa que me avisou do lançamento do livro ‘De lá pra cá’, sobre histórias de imigrantes refugiados em Curitiba, e viu que casava perfeitamente com o que estávamos buscando”, lembra.
O livro, lançado no último dia 21, é fruto de um
amplo trabalho da jornalista Isadora Hofstaetter e da historiadora Luciana
Patrícia de Morais, com pesquisa de Fabíola Oliveira Weber. A obra deu luz à
vida e às histórias de dez pessoas vindas de oito nações, como Síria,
Venezuela, República Democrática do Congo, entre outras.
amplo trabalho da jornalista Isadora Hofstaetter e da historiadora Luciana
Patrícia de Morais, com pesquisa de Fabíola Oliveira Weber. A obra deu luz à
vida e às histórias de dez pessoas vindas de oito nações, como Síria,
Venezuela, República Democrática do Congo, entre outras.
Luciana conta que foi difícil selecionar apenas
estes dez entre os quase 40 imigrantes levantados para a obra. São pessoas que
vieram embora para o Brasil e passaram a morar em Curitiba a partir de 2010.
estes dez entre os quase 40 imigrantes levantados para a obra. São pessoas que
vieram embora para o Brasil e passaram a morar em Curitiba a partir de 2010.
“Começamos a fazer a pesquisa a partir dos conflitos de 2016 e 2017 tanto da Síria como de outros países, mas vimos que não teríamos tempo e nem fôlego para aprofundar na questão dos novos fluxos migratórios do ponto de vista do refúgio”, analisa.
Assim, surgiu a ideia de focar a questão do
refúgio sobre um outro olhar, o da história de vida destes imigrantes puxando
essa linha comum entre elas: histórias para ver, ouvir e comer.
refúgio sobre um outro olhar, o da história de vida destes imigrantes puxando
essa linha comum entre elas: histórias para ver, ouvir e comer.
E a da beninense foi uma delas.
Comida tão diferente!
Convidada para a segunda edição do Cozinha Sem Fronteiras, que ocorre nesta sexta (3), sábado (4) e domingo (5), Jacque vai preparar um Man Tindjan, um prato feito com folhas verdes, molho de tomate, gengibre e bastante pimenta (que ela reforça ser onipresente na sua culinária natal). Será preparado nas versões com frango, tilápia, linguiça defumada ou tofu, junto de polenta de mandioca e banana da terra verde.
É um ensopado tradicional do Benim que precisou ser adaptado aos ingredientes encontrados por aqui, principalmente as folhosas, que não são exatamente as mesmas da nação africana. Aliás, ela conta que a alimentação foi uma das coisas mais difíceis de conseguir se adaptar ao Brasil no começo.
“No meu país, a gente não come só o feijão com arroz, tem que ser acompanhado de um molho, tipo de tomate, pimenta, sem nada a mais. No começo, eu não comia e fazia em casa as receitas do meu país mesmo”, lembra.
Entre as receitas típicas beninenses, estão preparos
com polenta, muitos legumes e verduras, pimentas (muita!), e frutos do mar, uma
das principais fontes de subsistência e altamente rentável para a economia da
nação.
com polenta, muitos legumes e verduras, pimentas (muita!), e frutos do mar, uma
das principais fontes de subsistência e altamente rentável para a economia da
nação.
Com o tempo, ela e o filho foram se adaptando à cozinha brasileira, aprendendo a preparar pratos mais típicos com o que encontra nos mercados daqui. Mesmo com poucos recursos, já que ela vive de uma bolsa fornecida pela universidade onde estuda farmácia, consegue se manter com o filh. Jacque também recebeu o apoio de Fabíola, a pesquisadora do livro, quando chegou à Curitiba e foi estudar língua portuguesa no Centro de Línguas e Interculturalidade (Celin) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Uma nova rotina devido ao projeto Cozinha Sem Fronteiras
Cada nova edição do projeto Cozinha Sem
Fronteiras acarreta uma mudança completa na rotina do restaurante de Renata e
Juliane. Elas duas, e mais os colaboradores, ajudam o convidado da vez a preparar
os pratos e servir, além de irem ao supermercado comprar os ingredientes, ajustar
a casa, etc. Mas, segundo a dupla, é recompensador.
Fronteiras acarreta uma mudança completa na rotina do restaurante de Renata e
Juliane. Elas duas, e mais os colaboradores, ajudam o convidado da vez a preparar
os pratos e servir, além de irem ao supermercado comprar os ingredientes, ajustar
a casa, etc. Mas, segundo a dupla, é recompensador.
“Há toda uma interação do público com o convidado, em que ele passa de mesa em mesa para se apresentar e contar sobre o preparo do dia. Todos aprendem uns com os outros”, contam.
A ideia é fazer estes encontros bimestralmente. Neste final de semana, serão seis horários disponíveis mediante reserva a R$ 48. Veja no roteiro do Bom Gourmet como garantir o seu lugar e demais orientações.