Gestão e Finanças
Evitar a contaminação de alimentos custa menos de 10% do orçamento de bares e restaurantes
A recente contaminação das bebidas da cervejaria Backer de Belo Horizonte (MG), acendeu o sinal de alerta para empresários e chefs de todo o país. Isso porque casos assim podem acontecer não apenas na indústria cervejeira, mas principalmente na cozinha de bares e restaurantes. No entanto, tomar medidas que evitem a contaminação de alimentos custa muito pouco se comparado aos problemas que podem surgir no futuro.
Desde um cliente que adoeça por conta de uma carne mal preparada a casos mais graves que provoquem até mesmo o fechamento de um restaurante, o dono do negócio é o responsável pelo que serve, mesmo que os insumos usados já tenham sido entregues contaminados. Segundo o coordenador do curso de tecnologia em gastronomia da Faculdade Senac-PR, Ailton Almeida, reservar parte do orçamento para medidas que evitem a contaminação de alimentos é um investimento, e não um gasto no final do mês.
“Essas medidas não oneram tanto assim um estabelecimento, não chega nem a 10% do orçamento para implantar as políticas necessárias de higiene. É burocrático, precisa capacitar os cozinheiros, ter uma consultoria nutricional (que pode ser externa dependendo do porte do restaurante) e ter tudo registrado, mas evita futuras dores de cabeça com clientes e a Vigilância Sanitária”, explica.
Dados do Ministério da Saúde indicam que 13 mil brasileiros sofrem algum tipo de contaminação alimentar por ano, enquanto que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que uma a cada dez pessoas adoeça anualmente por ingestão de comida contaminada. A entidade afirma que as doenças transmitidas por alimentos somam pelo menos 250 em todo o mundo.
Ela lembra, ainda, que os alimentos podem ser contaminados com outras bactérias, como a Salmonella, presente principalmente nos preparos mal feitos com ovos e proteínas animais, e a Staphylococcus aureus, em frutas, verduras e alimentos crus em geral. Os equipamentos e utensílios utilizados na cozinha e no estoque também podem ser fontes de contaminação dos alimentos, e merecem uma atenção especial segundo os professores do Senac-PR.
Pontos críticos
São pelo menos três tipos de contaminação que um alimento comercializado pode sofrer: chegar do produtor com alguma bactéria (biológica); ser contaminado por conta de algum utensílio utilizado (física) ou por substâncias estranhas à alimentação (química), como o que pode ter ocorrido com as bebidas da cervejaria Backer. As cervejas da marca entraram em contato com as substâncias dietilenoglicol e monoetilenoglicol, utilizadas nos sistemas de refrigeração.
“A proximidade com algum produto de limpeza, a má higienização das mãos, a falta de protetores de cabelos, barbas e falar muito próximo à comida, com o respingo da saliva, são alguns dos principais contaminantes dos alimentos”, explica Thalita Foster lembrando que uma pessoa pode demorar até 72 horas para demonstrar os primeiros sintomas, após a ingestão de um alimento contaminado.
Como evitar contaminações?
O coordenador do curso de tecnologia em gastronomia da Faculdade Senac-PR, Ailton Almeida, e a professora de nutrição explicam como evitar a contaminação de alimentos no bar ou no restaurante:
1- Planejamento
O ideal é que toda a área de preparo do estabelecimento, como a cozinha e a despensa, seja planejada e construída já com a orientação dos agentes da Vigilância Sanitária. Thalita conta que o órgão pode ser convidado a auxiliar na elaboração do projeto desde o começo, indicando quais áreas do espaço devem ser utilizadas para as operações do restaurante, como o estoque, as praças de preparo, a limpeza, entre outras.
Se não for possível ter esse acompanhamento desde o começo, a recomendação é atender a todas as exigências pedidas pelo órgão para a liberação do alvará, mesmo que isso acarrete em obras e mais gastos.
2- Equipamentos e utensílios
Ter as bancadas, prateleiras, utensílios e equipamentos sempre limpos e em boas condições de uso também ajudam a evitar a contaminação cruzada dos alimentos. Os cuidados começam no estoque, em um ambiente fresco, seco, arejado e livre da luz solar com uma temperatura constante de 24 °C. As prateleiras devem ser de material lavável e classificadas para cada tipo de uso, como óleos e líquidos nas partes mais baixas para não contaminar os secos.
As geladeiras para armazenar os resfriados e congelados também devem ser constantemente limpos e mantidos em boas condições, com a devida vedação e temperatura a no máximo 4 °C. “O ideal é ter uma geladeira para cada gênero, separando os alimentos processados dos pré-processados e dos crus. Se não for possível, pode usar apenas um refrigerador, mas armazenando os preparos nesta mesma ordem, de cima para baixo, para evitar a contaminação”, explica Thalita Forster.
Ela lembra, ainda, que tábuas, garfos, facas e colheres não devem ser os mesmos usados em diferentes fases de preparo. A tábua usada para a carne crua, por exemplo, não deve ser a mesma para a proteína pronta sem a devida higienização. Uma dica é utilizar tábuas de diferentes cores, borrifando a superfície dela com álcool 70% para a higienização:
– branca: laticínios
– bege: assados
– amarela: aves
– azul: peixes
– verde: hortifruti
– vermelha: carnes
– bege: assados
– amarela: aves
– azul: peixes
– verde: hortifruti
– vermelha: carnes
A mesma regra se aplica a equipamentos como liquidificadores, batedeiras, mixers, etc.
3- Alimentos
Almeida explica que o controle da contaminação dos alimentos começa já na fase de compras dos alimentos. Para ele, os fornecedores precisam apresentar toda a rastreabilidade do insumo e entregar exatamente o que foi pedido.
O empresário precisa levar em consideração se a embalagem teve alguma avaria que pode permitir a contaminação por uma bactéria, ou se há uma dupla proteção do alimento que não precise ser devolvido ao fornecedor. Já os insumos frescos e perecíveis devem estar em boas condições de uso e com aparência característica.
“O que vemos muito é se olhar apenas para o que está aparente, como uma sujeira de terra ou as folhagens. Mas, se esquece de que há os agentes patogênicos de contaminação, que não são visíveis a olho nu”, conta a nutricionista. Para isso, ela recomenda que as frutas e verduras sejam higienizadas em uma solução clorada antes de serem manipuladas ou armazenadas. Há produtos disponíveis no mercado de food service para isso, basta seguir as orientações do fabricante.
Os alimentos crus e frescos devem ser limpos e porcionados assim que são entregues no restaurante, antes de irem para o estoque. Devem, ainda, ser acondicionados em embalagens etiquetadas com a data de recebimento, quantidade e prazo máximo de validade, que varia de um insumo para o outro.
4- Capacitação
Os trabalhadores devem ser treinados para sempre manter as boas práticas de higiene na cozinha, com as devidas orientações de limpeza das mãos e do ambiente de trabalho, além de não usarem adornos e acessórios como anéis e pulseiras que possam entrar em contato com a comida.
Também se recomenda o uso de panos descartáveis de uso único para a limpeza e secagem das bancadas, para evitar uma contaminação cruzada com outros utensílios.
5- Ambiente
O coordenador do curso de tecnologia da Faculdade Senac-PR lembra, ainda, que o ambiente de atendimento do restaurante também merece toda a atenção, com a limpeza constante do espaço, dos utensílios como pratos, talheres e copos, e bancadas como bar, buffet e boqueta (a abertura entre a cozinha e o salão por onde os garçons recebem os pratos prontos).
Ele ressalta que o banheiro de um restaurante também deve sempre estar higienizado, para evitar contaminação.
Outra recomendação dele é deixar as licenças sanitárias e de operação em locais visíveis aos clientes, com as inspeções em dia.
Fiscalização
A fiscalização de alimentos no Brasil é feita por diversos órgãos públicos, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Vigilância Sanitária e o Procon nos estados e municípios. Há ainda os fiscais inspecionando a produção dos insumos desde a origem, como os engenheiros agrônomos e médicos veterinários nas fazendas e frigoríficos, e os agentes sanitários nas cidades, através de operações rotineiras em bares e restaurantes ou após denúncias da população.
Entre os itens fiscalizados pelos agentes estão os alimentos utilizados na cozinha e seu armazenamento, as embalagens e utensílios usados na produção das receitas e as próprias condições de higiene na cozinha.