Experiência
Para contemplar, fotografar e devorar: sobremesas que parecem obras de arte
A expressão “comer com os olhos” nunca fez tanto sentido. Nos últimos anos, os pratos não são apenas saboreados, mas postados e compartilhados nas redes sociais. Entre as iguarias fotografadas, os doces são os campeões, por atiçarem de imediato o desejo de quem rola a foto em seu smartphone. Isso aumenta a responsabilidade dos chefs e exige uma habilidade a mais desses profissionais.
“Nunca se fotografou tanto e se compartilhou tantas imagens de pratos e de doces”, diz o chef de cuisine e de patisserie Eduardo Gaertner Crema, proprietário da Chokolat Bistrô. No mercado de doces há 17 anos, ele comenta que a importância com a aparência do produto sempre existiu, mas aumentou muito na última década, devido ao uso dos smartphones pela maioria das pessoas.
“Com a tecnologia de câmeras poderosíssimas que captam cada cor, forma e detalhe, é importante que tudo que saia da cozinha esteja pronto para uma sessão de fotos”, brinca. “Os clientes no salão estão a postos para fotografar e compartilhar com o mundo a imagem da nossa criação”.
Ele conta que entre os muitos doces que produz diariamente, sem dúvidas, o atual campeão de postagens é o entremet de chocolate belga branco com amarena. “É o mais elogiado pelo meu público e, por consequência, o mais fotografado, curtido e compartilhado”, afirma Crema.
O chef de cozinha e consultor gastronômico em uma distribuidora de alimentos, Lucas Eduardo Teixeira Lima, explica que, como fornecedor, tem acompanhado a busca de seus clientes por ingredientes que resultem numa melhor finalização de seus produtos.
Por outro lado, como chef, busca encher os olhos de seus clientes e também suas redes sociais de fotos e marcações. “Afinal hoje ninguém mais come sem antes alimentar sua rede social”, comenta Lima.
Por outro lado, como chef, busca encher os olhos de seus clientes e também suas redes sociais de fotos e marcações. “Afinal hoje ninguém mais come sem antes alimentar sua rede social”, comenta Lima.
A chef chocolatier Polyana Rodrigues, proprietária da Grué, concorda que as redes sociais fizeram aumentar a responsabilidade dos chefs. “Para nós, que os fabricamos, funciona como uma propaganda espontânea. Se a pessoa gostar da aparência do doce, vai fotografar e postar, logo essa postagem vai ter um monte de curtidas e vai nos trazer mais clientes”, resume.
Com 20 anos de experiência, Polyana conta que, por conta disso, recentemente mudou a apresentação de doces tradicionais de sua loja, como a tortinha de limão e o brownie de chocolate, criando versões com visuais mais modernos e arrojados. “Como resultado, as vendas desses produtos triplicaram”, conta.
No trabalho que presta como consultora, Polyana também já percebeu a mudança. “A agência de publicidade de um restaurante para o qual estou desenvolvendo sobremesas me pediu doces ‘incrivelmente lindos’. Hoje, além de ser muito bom, o que fazemos tem que ser muito bonito”, diz Polyana.
Técnicas apuradas
Mas como conseguir tanta beleza sem comprometer o sabor, que continua sendo o objetivo principal de qualquer iguaria? Para o chef patissier Diego Prado, responsável pela Prado’s Bakery, “o doce esteticamente mais bonito requer técnicas especiais”.
Com 12 anos de experiência, ele ensina que geralmente coberturas à base de creme de manteiga deixam o produto com mais brilho, bem como o uso de chocolate na finalização ou a famosa glaçagem (cobertura com efeito de espelho).
Com 12 anos de experiência, ele ensina que geralmente coberturas à base de creme de manteiga deixam o produto com mais brilho, bem como o uso de chocolate na finalização ou a famosa glaçagem (cobertura com efeito de espelho).
Em seu portfólio de doces, Prado considera um dos mais belos e postados em redes sociais a mini entremet de chocolate com pallet de frutas vermelhas. “Anos atrás, você apresentava um doce bonito, o cliente saboreava e, se lembrasse, elogiava depois”, lembra Prado. “Agora ele tira uma foto, faz uma hastag, publica, recebe curtidas, o post viraliza, gera visibilidade para o confeiteiro e nos impulsiona”, resume.
Por isso, ao criar um doce, ela diz pensar primeiramente em como ele vai ser do ponto de vista estético. “Mas não devemos esquecer que o sabor tem que andar junto, senão teremos um doce apenas bonito e instagramável”, diz Prado.
Para o chef Eduardo Crema, no caso de produções especificas para sessões de fotos, cuidados extras devem ser tomados, especialmente com mousses, sorvetes e caldas.
No dia a dia da confeitaria, ele ensina que alguns ingredientes da composição de um doce, como cremes e frutas, podem ser substituídos em nome da aparência. “Isso depende muito da ocasião, tempo de exposição na vitrine, clima e temperatura ambiente”, comenta.
No dia a dia da confeitaria, ele ensina que alguns ingredientes da composição de um doce, como cremes e frutas, podem ser substituídos em nome da aparência. “Isso depende muito da ocasião, tempo de exposição na vitrine, clima e temperatura ambiente”, comenta.
Quanto mais experiência tem o chef, obviamente, mais fácil é controlar as técnicas que permitem aliar sabor e beleza. Quando cria um doce novo, a chef Carolina Garofani, proprietária da Caramelodrama Confeitaria, leva em consideração todos os aspectos igualmente: combinação, contrastes, texturas, estrutura, montagem, cobertura, decorações, maneira de consumo, corte, durabilidade e conservação. “Uma coisa não funciona sem a outra”.
Ela acredita que a estética na confeitaria sempre foi importante, mas as redes sociais deram a ela proporções muito maiores. “Um trabalho bem feito, bonito de ver, que não desmancha nem perde forma, depende tanto das receitas escolhidas quanto da experiência do confeiteiro. Isso só vem com o tempo, é preciso treinar muito, como em toda profissão”, afirma.
Carolina cita shows televisivos, como o “Nailed it!” (Netflix), onde isso fica evidente. “Mesmo quando se faz a receita corretamente, a parte de montagem, decoração e estética pode ser um desastre para os menos experientes”.
Conciliar visual e sabor em suas criações parece ser algo natural para o arquiteto e confeiteiro Cairo Murakami, responsável pela Kinkan Sweet. “Para mim, essa preocupação estética sempre existiu, pelo menos em países como França e Japão, onde a apresentação de um prato conta muito. No Brasil é algo ainda muito recente”, compara.
Com 17 anos de experiência no mercado, sendo dois deles no Japão, Murakami comenta, entretanto, que nem sempre é fácil conciliar sabor e beleza. “Certos ingredientes que em termos de sabor são excelentes, esteticamente são difíceis de trabalhar, exigindo um pouco mais de técnica por parte do chef”, diz.
Com 17 anos de experiência no mercado, sendo dois deles no Japão, Murakami comenta, entretanto, que nem sempre é fácil conciliar sabor e beleza. “Certos ingredientes que em termos de sabor são excelentes, esteticamente são difíceis de trabalhar, exigindo um pouco mais de técnica por parte do chef”, diz.
Ele ensina que alguns truques são utilizados para garantir a boa aparência. São corantes ou ingredientes que ajudam a aumentar o brilho ou dar melhor estrutura a alguns cremes, bem como chocolates que não derretem com facilidade. “Mas é necessário ter muito cuidado para que esses truques não sacrifiquem o mais importante, que é o sabor”, alerta.
A chef e empreendedora Ana Luiza Torricillas, da Sugar Bakery, comenta que há sempre muito estudo antes de lançar um produto. “Se colocamos calda ou algum confeito é sempre para melhorar a apresentação, pois as pessoas comem primeiramente com os olhos”.
Ela conta que, se as cores de um doce não ficam fotogênicas, a finalização é alterada, até chegar ao resultado ideal. “Isso tem ocorrido com mais frequência ultimamente, pois muitos clientes chegam até a loja através das redes sociais, por causa de fotos e vídeos que fazemos”, conta.
Embora pessoalmente Ana considere o red velvet o doce mais bonito da Sugar Bakery, ela informa que o que ganha mais curtidas e comentários é a torta cookie. “Normalmente o sucesso nas postagens acontece quando fazemos ‘gordices’, como jogar calda de chocolate por cima”, explica.
Mundo instagrammer
Na opinião da designer, cozinheira e especialista em alimentação saudável Pati Bianco, que tem centenas de milhares de seguidores com sua marca Fru-fruta, nós estamos vivendo uma revolução causada pelas redes sociais. “Especialmente pelas que privilegiam imagens, como o Instagram”, diz.
Ela comenta que, em apenas oito anos de existência, a rede social já soma quase a população do continente americano em número de usuários. “E é responsável pelo lançamento de celebridades e marcas mundo afora”, comenta.
Pati Bianco contabiliza atualmente 120 mil seguidores no perfil de sua marca no Instagram (@frufruta). Alguns posts seus que mostram belos doces, alcançam rapidamente mais de 2 mil curtidas.
Pati Bianco contabiliza atualmente 120 mil seguidores no perfil de sua marca no Instagram (@frufruta). Alguns posts seus que mostram belos doces, alcançam rapidamente mais de 2 mil curtidas.
O crescimento de redes sociais visuais, para ela, desencadeou um crescimento significativo no consumo de imagens, tornando importantíssimo o trabalho estético para qualquer marca.
“Quando o assunto é a comida, a importância do apelo visual é potencializada, pois além de tornar o produto mais atrativo para a venda imediata, pode ser o gatilho da geração de mídia espontânea por parte do consumidor, o verdadeiro embaixador de sua marca”, ensina Pati. “Afinal, tratando-se de um mercado onde há muita oferta, nada melhor que gerar boca-a-boca, ou nesse caso, tela-a-tela”, brinca.
O jurado do programa de tevê Que Seja Doce (GNT), Lucas Corazza, em passagem por Curitiba no mês de agosto, quando participou de uma live na Gazeta do Povo, comentou o assunto.
“Sem dúvida, há doces mais instagramáveis”, disse Corazza, que é também chef confeiteiro formado na França, especialista em esculturas de chocolate e professor de gastronomia, além de celebridade das redes sociais.
“Uma fatia triangular de um bolo suculento, com as pontas bem definidas, colocado em pé num prato e fotografado, com certeza vai render muitos likes”, garante. “Ninguém tem vontade nem de postar, nem de comer, um bolo cortado de qualquer jeito e colocado numa embalagem de isopor”, compara.
Na história
A preocupação estética com os doces é, no mínimo, secular. Para a chef Carolina Garofani, essa talvez seja uma maneira de compensar a falta de aromas na confeitaria. “O doce tem a desvantagem de não contar com aromas que se espalham pelo ar para vender a si mesmo”, diz.
Ela cita o chef francês Marie-Antoine Carême, que no século 18 já elaborava peças de confeitaria suntuosas inspiradas na arquitetura, em forma de pirâmides e templos. “Hoje fazemos peças talvez mais modestas, mas basta olhar o nível de detalhe de alguns bolos de casamento para entender que a confeitaria nunca perdeu essa faceta estética”.
O chef Diego Prado lembra que o doce sempre esteve atrelado à estética. “Antigamente, nos banquetes da realeza, eram servidos doces esculturais. Carême apresentava aos comensais doces em forma de arte”, cita.
A professora no Instituto de Artes da Universidade de Brasília (IDA/UNB), Lisa Minari Hargreaves, é uma estudiosa do assunto. Há 15 anos, pesquisa a relação entre a produção artística e arquitetônica e a confeitaria.
Ela afirma que a importância histórica da apresentação visual da confeitaria contribuiu para a fundamentação e valorização de uma confeitaria artística presente cada vez mais em nossas práticas gastronômicas criativas. “Carême já dizia que a arquitetura e a confeitaria são expressões de arte entendidas em seu sentido mais amplo”, diz a professora.
Serviço: Sobremesa Store – Rua Bruno Filgueira, 490 – Batel – (41) 3014-0017. Bergerson Presentes – Alameda Pres. Taunay, 45 – Batel – (41) 3304-4426. Spicy Shopping Crystal – (41) 3012-0312. MLG Representações (Incepa) – Rua Fernandes de Barros, 491, sala 4 – 41 3026 7077.