Experiência
Chef estrelado, tour gastronômico e cozinha exótica turbinam restaurantes de hotéis
Tido durante muitos anos como um dos principais produtos da hotelaria e depois relegado a um “mal necessário”, os restaurantes de hotéis estão voltando ao auge em novos formatos e experiências. Já há novos empreendimentos em que os hóspedes não são a maioria e a quantidade de clientes locais (público em geral) chega a 80%.
A virada do jogo aconteceu não faz muito tempo, em parte impulsionada pela crise econômica brasileira. Com as pessoas viajando menos, a margem de lucro dos hotéis diminuiu e os estabelecimentos se viram frente ao desafio de movimentar suas instalações. Segundo o consultor Flávio Guersola, que trabalha em conjunto com o Sebrae e participou da implantação de diversas bandeiras de hotéis em São Paulo, a curva de crescimento do setor chegou próximo do seu limite.
“Vi por muitos momentos uma grande preocupação dos gerentes quanto à rentabilidade do departamento de alimentos e bebidas (A&B). Eles diziam que a parte de hospedagem sempre ia bem, mas a gastronomia acabava retirando receita para ser mantida”, explica. O que ocorreu depois é que os hotéis viram no setor de alimentação um caminho para melhorar as contas.
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Guersola conta que um hotel bem gerido pode render até 30% de lucro, enquanto o restaurante dificilmente alcança 20% se não for pensado como um produto de qualidade. Em uma entrevista recente à Gazeta do Povo, o CEO da rede AccorHotels, Patrick Mendes, explicou que a gastronomia já é um dos principais focos das novas aberturas, não mais apenas a hospedagem.
“Diante dessa visão apontada por Mendes, tenho visto empresas pensando grande e gerando amplos projetos para o setor de alimentos e bebidas, com ótimos conceitos e grandes possibilidades de sucesso”, conclui o consultor. É a volta de uma tendência que começou em meados da década de 1980 com a chegada do chef francês Laurent Suaudeau, indicado por Paul Bocuse para tocar a cozinha do Hotel Méridien, no Rio de Janeiro.
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Sem parmigiana e risoto
Quando o Grand Hotel Rayon abriu as portas há 25 anos, a gastronomia hoteleira ainda estava engatinhando em Curitiba. Outras bandeiras já começavam a dar as primeiras garfadas nesta tendência, mas o local investiu pesado no departamento. Marilis Borcath, diretora da unidade, explica que o Rayon tinha seu restaurante Garbo como uma referência na culinária franco-contemporânea, mas que acabou perdendo esse conceito com as diversas mudanças sofridas nos últimos anos.
“O hotel era administrado pela própria família no começo, com uma culinária de renome. Foi de lá que surgiu a Manu [Buffara, eleita chef revelação pelo 50 Best Restaurants de 2018], por exemplo, e hoje estamos retomando essas origens. Reformulamos todo o setor de A&B, e hoje 80% dos frequentadores já são de locais”, conta. Em novembro do ano passado, o Rayon abriu o restaurante Hai-Yo tocado pelo chef Kazuo Harada (uma estrela Michelin pelo Copacabana Palace, no Rio).
O objetivo desta nova incursão na gastronomia é oferecer pratos diferentes daqueles normalmente servidos no serviço de quarto dos hotéis, como o filé parmigiana, risotos e massas. A chamada comfort food ainda tem espaço segundo hoteleiros ouvidos pela reportagem do Bom Gourmet, mas é a especialização em determinados tipos de cozinha que fará a diferença.
Na rede Novotel, que abriu a primeira unidade em Curitiba no segundo semestre de 2018, o ceviche é a estrela deste pacto com os locais. A marca fez um estudo sobre qual estilo culinário ainda tinha espaço para crescer, e a gastronomia peruana foi a escolhida. Segundo Miller Bairros, gerente-geral da unidade, o objetivo é ter mais clientes da própria cidade do que apenas os hóspedes.
“Antigamente só se falava em café da manhã de hotel, era um mal necessário. Mas vimos várias necessidades, em que o cliente não quer mais apenas isso. Ele quer uma experiência gastronômica, e esse foi o caminho para ocupar os espaços ociosos dos hotéis com almoço, jantar, happy hour, entre outros”, analisa. O hotel abriga o QCeviche, restaurante tocado pelo chef peruano Isidoro Troyes.
Ainda segundo o gerente-geral, a gastronomia hoje é um fator decisivo para o cliente fechar uma reserva. Se o hotel não tiver um bom restaurante, já perde critérios na escolha da hospedagem.
Para conhecer e voltar
Criado há quatro anos com o objetivo de mostrar a nova fase da gastronomia hoteleira de Curitiba e, em breve, de São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais, o projeto Hotel Além do Quarto já soma 19 edições levando os participantes a uma aproximação com os chefs e gestores dos estabelecimentos. Mais de mil pessoas já participaram do passeio acompanhado de um jantar.
Segundo a idealizadora do projeto, Tânia Coelho, a proposta é desmistificar o conceito de que hotel é um lugar apenas para se hospedar – e fechado aos seus hóspedes. Para ela, é também um espaço de acolhimento, entretenimento e lazer.
“Por entender que o diferencial e o futuro da hotelaria estão no desenvolvimento de espaços comuns, o tour gastronômico é um convite para conhecer não só a gastronomia, mas também o design, a história e os serviços da boa hotelaria nacional, quebrando paradigmas e ampliando as oportunidades para o setor”, explica.
Para ela, os hotéis têm um papel importante na gastronomia da cidade, com opções de qualidade a preços compatíveis com o mercado. “Historicamente, quem trouxe a gastronomia mais sofisticada para o Brasil foram os hotéis, começando lá no final do século 19 até mais recentemente com a chegada de grandes chefs franceses que vieram trabalhar em estabelecimentos do Rio de Janeiro e São Paulo”, completa.