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Dia do Garçom: "é preciso servir de A a Z", diz funcionário há quase 40 anos em restaurante de Curitiba
Marco Antônio Bertoldi na Cantina Baviera, onde trabalha desde setembro de 1986. Bianca Almeida/Bom Gourmet
“Colocar a bandeja na palma da mão foi complicado. Mas tudo se aprende com o tempo. Você vai olhando e aprendendo”, explica Marco Antônio Bertoldi, 55 anos, garçom na Cantina Baviera há 38 anos. Ele recordava dos primeiros dias como funcionário de um dos restaurantes mais tradicionais da cidade, com apenas 17 anos. Era setembro de 1986. O mundo era outro.
Hoje, Bertoldi é possivelmente um dos garçons mais antigos em atividade nos restaurantes de Curitiba. E sem dúvida um dos mais queridos. É daqueles que gosta do que a profissão lhe oferece: a oportunidade de conhecer gente nova todos os dias, estabelecer vínculos com clientes que frequentam a casa assiduamente e ouvir histórias.
Antes de se tornar garçom, Bertoldi vendia flores no centro da cidade para os casais de namorados. Trabalhava nas ruas do centro, no Largo da Ordem, próximo ao bebedouro, e no entorno do Bar do Alemão, da extinta boate Chamonix e de outros estabelecimentos que são parte do passado. Se tornou conhecido dos funcionários da Baviera e, quando um funcionário faltou por dias seguidos, foi convocado para substituí-lo.
"Os garçons me ensinaram", conta, sobre o processo de aprendizado da profissão, com apenas 17 anos e nenhuma experiência anterior. Os veteranos abraçaram o garoto que havia chegado, e logo ele era mais um na equipe. "Tudo a gente aprendeu aqui dentro", revela.
Desafio à francesa
Servir à francesa é uma forma elegante e tradicional de serviço de mesa, com regras específicas que tornam a experiência mais formal. Nessa maneira de servir, o garçom apresenta os pratos aos convidados do lado esquerdo, permitindo que eles se sirvam. O serviço é feito no sentido horário, começando pelo convidado à direita do anfitrião. A retirada dos pratos acontece pelo lado direito, sem que sejam empilhados na frente do cliente. Já as bebidas são ofertadas e repostas do lado direito, sem que o garçom ou anfitrião toque o copo.
À francesa, aperitivos e entradas são seguidos do prato principal. Saladas e queijos podem vir após a refeição, de maneira opcional. A sobremesa é apresentada, com café ou chá para finalizar. Dentro dos desafios que a profissão de garçom oferece ao experiente Bertoldi, foi esse modelo de serviço que se apresentou como o maior deles.
"O pessoal foi ensinando como colocar talher, como manusear os talheres", e relembra do movimento feito pelos garçons que, no passado, se chamava 'alicate', quando demonstravam habilidade para, com apenas uma das mãos, entrelaçar duas colheres, ou uma colher e um garfo, para pegar o alimento da travessa e depositar delicadamente no prato do cliente. "No começo foi difícil, mas devagarzinho vai se aprendendo".
Mesa de famosos
"Aí, isso aí daria um livro", sentencia Bertoldi. Em 38 anos de serviço, se viu diante de mesas estreladas no Baviera. Na lista de famosos que serviu em mais de três décadas estão Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulo Autran, Guilherme Karan, os Mamonas Assassinas. "Se colocar na ponta do lápis, nossa senhora! Teve Fagner, Tom Cavalcante, são muitos nomes", diz, tímido.
Quando a TV Globo utilizou as ruas de Curitiba como cenário para a novela Sonho Meu, exibida entre 1993 e 1994, teve a oportunidade de servir boa parte do elenco, formado por nomes como Beatriz Segal, Fábio Assumpção, Débora Duarte, José de Abreu, Isabela Garcia, Eri Johnson, Flavia Alessandra.
Papel e caneta ou tablet?
Bertoldi é do tempo em que o garçom fazia amizade com os clientes - e até hoje tem quem faça questão de ser atendido por ele. Dos dias em os pedidos eram anotados em papel e caneta, e eram encaminhados à cozinha. Hoje, na Cantina Baviera, os garçons usam celular, e os pedidos chegam à equipe de preparo em forma digital. Ele preferiu um tablet, já que a visão não é mais a mesma de quando começou na profissão - hoje, usa óculos.
"Antigamente eu ficava com o papel, agora é todo mundo no celular". Bertoldi recebeu o tablet de Marcio Borges, proprietário do restaurante desde 2021. "Ele é muito querido por nós e por todos da casa", conta Borges. "Nunca perdeu um dia de trabalho em tantos anos", informa.
O garçom atravessou gerações e acompanhou de perto a mudança do comportamento dos clientes. Apesar da timidez evidente, Bertoldi é bom de conversa. Gosta de entabular papos com os frequentadores da Cantina Baviera, e por isso estranha quando percebe um público mais jovem passar mais tempo no celular, enquanto os pratos não chegam à mesa ou mesmo durante as refeições. "Virou só internet, as pessoas não conversam mais na mesa", observa. "Cada um no seu telefone. Até casais fazem isso. A gente perdeu mesmo aquele negócio gostoso, as pessoas batendo papo na mesa; 70% das mesas são assim", calcula.
Mas a conversa precisa estar à serviço do bom atendimento. E essa sensibilidade Bertoldi ganhou com a experiência. "O cliente não vem para disputar garçom, vem para se divertir", pondera. E destaca que há frequentadores que conheceu logo em seus primeiros meses de trabalho que atualmente continuam fazendo refeições na casa, agora acompanhados de filhos e netos. "Tem cliente que eu já sei o que ele vai pedir, não precisa nem do cardápio na mesa", afirma.
De A a Z
Conta a história de que 11 de agosto foi escolhido como Dia do Garçom por ser também o Dia do Advogado, e que a data teria sido estabelecida em 1900 por causa da oficialização do Dia do Pendura, em que estudantes de Direito comem e bebem nos restaurantes mas não pagam a conta.
Servir uma mesa à francesa ou equilibrar a bandeja em uma das mãos nos primeiros dias como garçom foram desafios há tempos superados. Hoje, com quase quarenta anos de profissão, Bertoldi é como um professor. Quando perguntado sobre o que um garçom precisa saber para oferecer o melhor serviço, a resposta é imediata. "Tem que ter uma visão geral da mesa, do que é preciso fazer. Não é só levar a bebida na mesa e largar lá. É servir, dar o atendimento completo, sorrir. É de A a Z", define.