Bebidas
Nas colinas de Bordeaux pequenos produtores fazem grandes vinhos
Pomerol, França – O nome Bordeaux remete a châteaux magníficos, proprietários aristocráticos (ou pelo menos ricos ou corporativos) e vinhos que ocasionalmente fazem jus às pretensões. Mas na área coberta de parreiras em torno desta aldeia sonolenta, onde a menor ondulação da terra é chamada de colina, é possível ver o outro lado da região.
Aqui, o tipo de propriedade corporativa, a arquitetura grandiosa e os executivos bem vestidos que podem ser vistos em Médoc, onde se situam muitas das suas propriedades mais famosas, são praticamente inexistentes.
Contrariando a percepção comum da região, Pomerol é uma terra de pequenas propriedades familiares controladas por vignerons – aqueles que cultivam as uvas e fazem a bebida. Mesmo que os vinhos de Pomerol sejam celebrados em grande parte do mundo, e os melhores estejam entre os mais caros do planeta, a região opera em escala humana que é rara nas propriedades famosas da região.
No século XX, Bordeaux era a porta de entrada para o mundo do vinho, um tipo de academia para aqueles que queriam entendê-lo em todas as suas manifestações, mas nos últimos 25 anos, a Borgonha a substituiu como paradigma de como o vinho deve ser pensado, com sua ênfase nos pequenos agricultores e terroirs. Em contraste com a imagem atual de Bordeaux como uma marca de luxo, a Borgonha se tornou um símbolo de autenticidade, mesmo quando os preços de seus produtos dispararam.
No entanto, eis aqui Pomerol, a menor das denominações mais prestigiadas de Bordeaux, que alguns poderiam insensivelmente descrever como “borgonhesa”.
“Não são apenas terras da família, mas sim terras em que as famílias trabalham”, disse Omri Ram, que, nos últimos cinco anos, esteve com a família Guinaudeau em Château Lafleur, uma das quatro propriedades de Pomerol que visitei durante um rápido tour de dois dias no início de fevereiro.
As quatro me deram uma boa ideia das vinícolas de Pomerol. A Lafleur é o tipo de joia que, juntamente com renomadas propriedades como Pétrus e Trotanoy, deu ao local a reputação de produzir alguns dos vinhos melhores, mais caros e mais cobiçados do mundo. Uma garrafa pode chegar a US$500, o que ultrapassa meu orçamento.
Outra é uma propriedade média da qual gosto muito, Château Bourgneuf, com vinhos clássicos de Pomerol, embora mais acessível, com garrafas custando em torno de US$ 45. A terceira, Château Gombaude-Guillot, é uma pioneira na biodinâmica, comum hoje em dia na Borgonha, mas ainda rara em Bordeaux; seus vinhos puros e deliciosos custam cerca de US$ 75.
A última, Clos St.-André, é minúscula, mesmo para os padrões locais. O proprietário, Jean-Claude Desmarty, cuida da propriedade de 0,6 hectare totalmente sozinho. Seus vinhos extremamente precisos saem por cerca de US$ 80 a garrafa. Ele faz aproximadamente 2.400 por ano.
“Eu queria saber se conseguiria gerenciá-la do começo ao fim, fazer tudo sozinho”, disse Desmarty, que atribuiu esse desejo a “uma falta de humildade”, embora dissesse isso da forma mais modesta possível.
Na Bourgneuf, a mistura é 90% Merlot e 10% Cabernet Franc, ou Bouchet, como essa uva é muitas vezes chamada aqui. Provei o Merlot de um barril de 2017 que era puro, mineral e estruturado. Infelizmente, as graves geadas da primavera passada fizeram a Bourgneuf perder 20% de sua colheita.
“Tivemos sorte. Alguns perderam 80 ou até 100%”, disse Frédérique Vayron, cuja família produz vinho na Bourgneuf há oito gerações.
Desde que Vayron assumiu o comando da vinicultura em 2009, os vinhos da Bourgneuf se tornaram mais focados e consistentes. As vindimas recentes estavam soberbas, elegantes e tensas, com aromas de violeta e belos taninos. A safra de 2014, em geral, é uma das que mais admiro, classicamente estruturada, com peso e precisão médios, e a da Bourgneuf é excelente. As de 2015 e 2016 são um pouco mais maduras e redondas. Mesmo encantadoras, precisam de mais envelhecimento.
A transição geracional continua na Gombaude-Guillot, onde Olivier Techer, cozinheiro e lutador de MMA, está assumindo o lugar de seus pais, Claire Laval e Dominique Techer. Na adega, ele está fazendo experiências com ânforas (para o envelhecimento) e trouxe barris da Áustria, que ficam ao lado dos franceses mais típicos. Mas continuou com o método biodinâmico da mãe.
Laval, engenheira agrônoma, assumiu a propriedade de seu pai. Em 1992, começou com a produção orgânica. “Éramos só nós em Pomerol; eram 180 propriedades e estávamos sozinhos. Hoje, as pessoas são mais receptivas”, disse ela.
Olivier Techer e sua jovem família agora vivem na propriedade. Na hora do almoço, juntamente com um guisado de tripa e pata de vitela soberbo – o tipo de prato francês clássico que você nunca vê em restaurantes franceses nos Estados Unidos, nem mesmo na França –, provamos os vinhos Gombaude-Guillot e alguns dos projetos menores de Techer, como o Pom -n- Roll, delicioso, despretensioso, que não exige muito envelhecimento.
É algo para beber enquanto se espera os vinhos Gombaude-Guillot, que levarão algum tempo para amadurecer. Um 2012 tinha um bom tanino e era bem estruturado, com sabores terrosos e minerais começando a emergir. Os taninos de um 2008 estavam começando a enfraquecer.
Na Lafleur, cujo comando Jacques e Sylvie Guinaudeau assumiram em 1985, o vinhedo de 4,5 hectares tem 11 tipos de solo. O casal, juntamente com o filho, Baptiste, sua esposa, Julie, e agora Ram, estão envolvidos em um projeto de longo prazo para combinar com precisão o solo, as uvas e a viticultura, não apenas para cada trecho, mas aparentemente para cada videira.
Uma das características mais incomuns da Lafleur é a elevada porcentagem de Cabernet Franc, mais de 50%, uma proporção que muitas vezes se reflete no vinho. Um 2009, o único Lafleur que provei, tinha aroma de flores, frutas cítricas e um perfume defumado, quase de sândalo. Era fresco, harmonioso e refinado, com grande finesse. Vai se manter por muito tempo.
Na minúscula Clos St.-André, Desmarty vive com sua esposa e filha em uma casa cercada por suas videiras. Ele faz o vinho em uma casinha adjacente do tamanho de um grande closet. “Não há nenhuma diferença entre minha residência e meu trabalho”, disse ele.
O vinhedo tem 70% de Merlot, 20% de Cabernet Franc e, excepcionalmente, 10% de Cabernet Sauvignon, que Desmarty ajudar com o frescor e a acidez dos vinhos secos.
Adoro os vinhos da Clos St.-André, que são focados e lineares, com sabores e nuances surgindo um após o outro. Estou especialmente entusiasmado com os de 2014, maravilhosamente equilibrados e requintados. A safra de 2013, extremamente difícil em Bordeaux, está enxuta e pronta para beber.
“Não é o meu melhor, nem meu pior”, disse Desmarty, embora se orgulhe dos vinhos feitos em anos difíceis. “Não ligo muito para algumas safras, como a de 2009 e de 2015. Até mesmo o pior vinicultor faria um bom vinho com elas. Meu trabalho é mais importante em anos como 2013.”
Muitos acreditam que o Merlot não envelhece bem, mas um bom Pomerol pode durar anos, especialmente as safras clássicas da margem direita, onde as uvas têm boa acidez não são muito maduras. Na Bourgneuf, bebi um 1975 magnífico, complexo e ainda fresco, aparentemente mais jovem do que um de 1990 e um de 2000, vindimas muito mais quentes.
Inevitavelmente, algumas mudanças chegarão a Pomerol. Propriedades maiores, algumas um pouco mais afastadas, tentam comprar as menores, e já ouvi falar de novas plantações de Cabernet Sauvignon e de Petit Verdot em resposta às alterações climáticas, mas as propriedades familiares, como a Bourgneuf, ainda estão intactas. “Esperamos que permaneça assim por muito tempo”, disse Vayron.
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