Bebidas
Milho e arroz na cerveja: qualidade da bebida vai diminuir com decreto de Bolsonaro?
O limite do uso de até 45% de arroz, milho e outros cereais na produção de cervejas não será extinto pela legislação brasileira. A confusão sobre o tema surgiu após publicação do decreto 9.902 nesta terça-feira (9), no Diário Oficial da União. O texto estabelece uma série de mudanças nas regras de fabricação da bebida no país.
Entre as principais alterações estão a permissão inédita do uso de ingredientes de origem animal, como a lactose, e a desburocratização do registro de novos rótulos no ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Segundo o especialista em cervejas e colunista do Bom Gourmet, Luis Celso Jr., a mudança na legislação representa uma vitória para os produtores de cerveja artesanais. “Era uma discussão que vinha ocorrendo desde 2013 e é consenso que [o decreto 6.871/2009] precisava mudar. Era uma legislação muito restritiva, antiga”.
“Existe uma instrução normativa [n° 54/2001] no Ministério da Agricultura que, mesmo com o novo decreto e a queda das antigas regras [6.871/2009], continua em vigor. Ou seja, não muda nada até sair a nova regulamentação. Esse decreto publicado hoje serviu apenas para abrir espaço para uma nova instrução normativa”, disse Luis Celso Jr.
Esta nova instrução normativa será publicada ao longo dos próximos dias, afirmou Carlos Müller, coordenador-geral de Vinhos e Bebidas do Mapa, em entrevista ao Bom Gourmet.
Qual é a definição de cerveja no Brasil
“Entende-se exclusivamente por cerveja a bebida resultante da fermentação, mediante levedura cervejeira, do mosto de cevada malteada ou do extrato de malte, submetido previamente a um processo de cocção, adicionado de lúpulo. Uma parte da cevada malteada ou do extrato de malte poderá ser substituída por adjuntos cervejeiros“.
Segundo Carlos Müller, a definição do produto continuará respeitando a porcentagem máxima de 45% permitida de adjuntos cervejeiros — como arroz, milho e outros cereais utilizados para baratear os custos de produção. “A gente consultou várias legislações: EUA, Bélgica, Canadá. Nossa norma tem aderência e parece com muitos deles”, explica.
Cada país tem a sua legislação com regras próprias em relação à adição dos adjuntos. “Muitas delas têm uma permissão até maior. Nos EUA, o limite é 50%; na Bélgica, a legislação cervejeira é muito mais flexível. Permite muito mais a utilização de açúcares simples, como o mascavo, e também de frutas”, diz Luis Celso Jr.
Cerveja com milho é ruim?
“É fato que aumentar a quantidade de milho ou de arroz para a obtenção de açúcar e não de sabor pode fazer com que a gente beba uma cerveja diferente, que tem mais milho do que malte de cevada. A discussão é até que ponto isso é uma outra bebida ou continua sendo cerveja”, pontua o especialista.
Segundo ele, é preciso diferenciar o entendimento de qualidade. “No padrão industrial, qualidade é fazer tudo igual, de forma que ela tenha a maior durabilidade possível nos padrões estabelecidos”, explica. Do outro lado da gôndola, o consumidor costuma definir qualidade como um juízo de valor, de melhor ou pior, segundo Celso Jr.
“Ele acha que uma cerveja puro malte tem mais qualidade do que uma que tem adjuntos, o que tecnicamente não é real. Eu posso fazer uma ótima cerveja com adjuntos e fazer uma péssima cerveja com puro malte, e vice versa. Isso depende de processos, de cuidados, de limpeza, de uma série de coisas”.
Por que os produtores estão felizes com a permissão de outros ingredientes nas cervejas
Antes do decreto, era proibida a adição de ingredientes de origem animal nas cervejas e, agora, seu uso é permitido. Para os produtores, a mudança é ótima porque finalmente poderão usar a lactose (açúcar do leite) na bebida e chamá-la de cerveja. “Ela ajuda muito na melhora sensorial tanto do aroma quanto da textura e sabor. A lactose traz uma sensação de corpo aveludado e levemente doce para a cerveja”, explica Samuel Cavalcanti, proprietário da cervejaria artesanal Bodebrown, de Curitiba.
“O entendimento anterior de cerveja previa apenas ingredientes de origem vegetal. Ou seja, a lactose, que é um ingrediente típico de algumas cervejas tradicionais inglesas, não poderia ser utilizada. Quando utilizada, [o produto] não poderia ser chamado de cerveja – passava a ser bebida alcoólica mista”, contextualiza Luis Celso Jr.
Outros ingredientes como leite, chocolate e mel também passam a ser permitidos na nova normativa. Para Cavalcanti, a mudança potencializa o mercado porque estimula a dinâmica da produção e a criatividade entre os cervejeiros. “O Brasil é um dos países que tem a maior riqueza de flora e possibilidades de aromas e viagens sensoriais infinitas a serem adicionadas na cerveja. Agora vamos poder usar frutas e especiarias para inovar muito a produção”.
Menos burocracia
Entre outras mudanças, o empresário destaca a facilitação do registro de novas cervejarias artesanais e também de produtos no Mapa. “Agora, o registro é online. Antes, demorava meses e mais de ano para ficar pronto. Isso acaba com a burocracia”, explica Cavalcanti.
Para Anuar Tarabai, da Associação de Microcervejarias do Paraná, a Procerva, a atualização da legislação é uma evolução para o setor como um todo. “Estávamos em discussão sobre isso há cinco anos. É uma mudança que possibilita uma clareza maior sobre o que você está consumindo. Não só da produção, mas também da forma como os rótulos vão ter que ser mais explicativos sobre o que tem dentro da cerveja”.
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