Bom Gourmet
A alta cozinha do Japão une o ocidente e o oriente
A culinária do Japão não é mais só dos japoneses. De um tempo para cá, italianos, franceses e peruanos colocaram um pezinho na cozinha e estão transformando a cara da gastronomia do país asiático. Basta folhear o cardápio dos restaurantes contemporâneos, para perceber que essa união entre as cozinhas do Oriente e Ocidente já passou da fase do namoro. O casamento é celebrado diariamente pelos sushimen do mundo inteiro, à maneira deles, claro. Inovações, criações e opções fusion como sushi de salmão tostado no maçarico, niguiri de atum com foie gras, carpaccio de polvo com azeite trufado, tartare de atum com caviar ou ainda ceviche de robalo com ovas de capelin e azeite de oliva no lugar do leite de tigre, são só alguns exemplos da globalização gastronômica.
“Até três anos atrás isso não existia”, afirma Ewerton Antunes, proprietário do Kan. A mudança ocorreu quando chefs influenciados pelas cozinhas italiana e francesa, introduziram toques mediterrâneos à gastronomia nipônica como azeite trufado, molhos apimentados e agridoces, ou temperos brasileiros como ervas frescas e especiarias. “Algumas inovações são felizes, outras inusitadas, mas nem tanto aprazíveis para falar a verdade”, avalia o restaurateur. Nesse movimento de vanguarda, o que não mudou é a essência da cozinha nipônica com seus ingredientes fresquíssimos, equilíbrio de sabores delicados e cortes precisos executados por hábeis sushimen. A nova geração de chefs e restaurateurs está ligada nas tendências da gastronomia japonesa no mundo: trabalhou no Japão ou visita com frequência os conceituados restaurantes de São Paulo, de Nova York, da Europa ou do Japão.
Entre todas as fusões, a com a cozinha do Peru foi a mais natural. O país andino conta com uma vasta comunidade de descendentes de japoneses e uma gastronomia que valoriza peixes e frutos do mar do Pacífico. O passo para unir técnicas orientais e ingredientes locais, como pimentas da região, milho, batata-doce e abacate, foi breve. Em São Paulo, aconteceu algo parecido. “A abertura do mercado facilitou a entrada de produtos importados como foie gras, trufas, alho negro, flor de sal e os restaurantes passaram a usar ingrediente de outras culinárias”, explica o chef Koji Yokomizo, que comanda as cozinhas do Tuna, em Curitiba, e do By Koji, em São Paulo. Um dos carros-chefes do Tuna é o atum selado com mel de laranjeira, acompanhado de foie gras tostado no maçarico, linguine de pupunha e laranja confit (R$ 70). Praticamente uma mistura de Japão, França e Brasil no mesmo prato.
A técnica de queimar o foie gras é utilizada para derreter a gordura do fígado e liberar aroma e sabores. Dar uma tostada com o maçarico no sushi de salmão ou atum, peixes bastantes gordurosos, tem a mesma finalidade. “Ela ativa a gordura e dá mais sabor”, explica Régis Shiguematsu, chef do Aizu. Segundo ele, sempre que o peixe é temperado com ingredientes como alho negro, limão siciliano, azeite de oliva, shoyu ou vinagre de arroz, é essencial manter o equilíbrio de sabor. “É importante que no final sempre apareça o sabor e a textura do peixe”, afirma o sushiman que no restaurante serve combinações fusion como o carpaccio de polvo com curry, alcaparras e azeite (R$ 40), duplas de sushi de polvo e lula trufadas (R$ 34 cada), e o cheesecake feito com tofu no lugar do cream cheese regado com calda de frutas vermelhas (R$ 26).
Inspiração internacional
Muitas opções encontradas por aqui se inspiram nas combinações servidas em célebres restaurantes internacionais como o Nobu, que conta com diversas casas espalhadas pelo mundo. “A popularização da comida japonesa e a profissionalização dos chefs permitiu que se criassem combinações interessantes. O que a gente vê aqui no Brasil é uma tendência que vem dos Estados Unidos, o nosso paladar é parecido com o dos americanos”, diz Ricardo Heidi Yano, chef do Keiji Sushi Bar, restaurante que ganhou o Prêmio Bom Gourmet 2015 na categoria Asiático graças ao Volcano, uma porção de fatias de salmão assado no maçarico e recheado com cogumelo shimeji e cream cheese. O salmão, observa o sushiman, é o peixe favorito do curitibano, enquanto a clientela de São Paulo e Rio de Janeiro prefere atum e robalo.
Os sushis de assinatura, elaborados pelos chefs para surpreender os clientes com propostas customizadas, se tornaram o maior atrativo de muitos restaurantes. O Kan, por exemplo, serve sashimi de abalone, molusco maior que a vieira, na própria casca e temperado com sal rosa (R$ 102 seis fatias); destaques no Aizu são a vieira temperada com azeite e flor de sal (R$ 49 cinco fatias) e o ouriço servido na casca do limão siciliano (R$ 35 a dupla); no Tuna chamam atenção o niguiri de barriga de salmão com raspas de limão siciliano e sal negro (R$ 18 a dupla), o niguiri de agulhão com ova de codorna maçaricado e trufa negra (R$ 24 a dupla) e o sashimi de lagosta (disponível sob consulta). Um dos cortes mais apreciados pelos chefs para se trabalhar é o toro, que é a barriga de atum gordo, uma espécie que vive em águas mais profundas e geladas, cuja carne é muito saborosa. No Tuna, ela é servida em tartare temperada com molho de laranja, shoyu, limão, gergelim e alho, leva caviar por cima e acompanha chips de batata (R$ 35).
Uma das maiores dificuldades, dizem os chefs ouvidos pela reportagem, é conseguir os insumos frescos e de qualidade. No Japão, peixe e frutos do mar são vendidos vivos nos mercados. No Brasil, a situação é muito diferente e sushimen e restaurateurs são obrigados a recorrer a ingredientes importados para garantir a elevada qualidade dos preparos. Geralmente arroz, algas e vinagre de arroz vêm do Japão; as vieiras do Canadá e o salmão do Chile são apreciados por serem mais carnudos e saborosos; o polvo da Espanha é considerado maior e mais macio que o nacional. O chef Koji, contudo, prefere o polvo brasileiro que é ‘tumbleado’, ou seja, passa por um processo que quebra as fibras e as deixa bem macias. Já os outros peixes, como robalo, linguado, carapau e ouriços vêm do litoral de São Paulo ou de Santa Catarina. O que não se encontra no Mercado Municipal de Curitiba é trazido de São Paulo.
Dica: Mergulhar o sushi no shoyu esconde o sabor do peixe. O correto é embeber uma lasca de gengibre no shoyu e usá-la para pincelar o sashimis e niguiris
Resgate da tradição
A chef Joy Perine, do Zea Maïs, em sua recente viagem ao Japão percebeu que nem sempre as inovações são bem-vindas naquele país: “Os japoneses mais tradicionais consideram combinações muito diferentes não respeitosas da pureza do sabor dos ingredientes”. Diferentemente daqui, lá sabores adocicados são adicionados a pratos salgados, enquanto os doces não são tão doces. “É comum colocar xaropes e molhos doces em pratos como yakissoba, ou caramelizar a batata doce e o polvo”, conta a chef.
“Enquanto a comida muda de aspecto e se adapta conforme o país, nós trouxemos para Curitiba uma cozinha japonesa tradicional”, diz Ricardo Yuzo Takeda Sato, cozinheiro do Izakaya Hyotan, casa que se inspira nos botecos do Japão onde não há nem sushi nem sashimi. A especialidade são os espetinhos como o takoyaki, um bolinho de polvo polvilhado com alga nori moída e katsuobushi, saborosas lascas de atum bonito seco (R$ 13 para três unidades). “A cozinha japonesa é uma alquimia para extrair e harmonizar todos os sabores”, completa Sato.
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Saquê, o “alimento divino”
A junção de “sa” e “ke”, em japonês, significa “alimento divino”. Em média a bebida tem teor alcoólico de 15,5%, podendo chegar a 22%. Existem cerca de 25 categorias de saquês que se diferenciam pelo percentual de polimento do arroz (processo que elimina impurezas, proteínas e gorduras), pelo tipo de arroz utilizado e pela região de produção, entre outras questões.
Dicas de harmonização
“Por ser muito rico em umami [o quinto gosto], o saque é um ótimo acompanhante para qualquer tipo de comida”, afirma Vinicius Keidi Ikeda, sommelier de saquê e consultor. Da mesma forma que o vinho, ele possui secura, acidez e doçura, elementos que devem ser levados em conta na hora de harmonizar. “No geral, saquês mais secos combinam com pratos mais gordurosos, já os mais frutados vão bem com ceviche, entradas e molhos cítricos. Os saquês envelhecidos são ideais para harmonizar com sabores mais acentuados, como no caso dos queijos”, recomenda o sommelier.
Na hora de servir
Pode ser tomado quente ou resfriado, tudo depende do tipo de saquê: premium e super premium, que são bebidas frutadas, devem ser servidos frescos para não ficarem enjoativos. Os mais secos se tornam mais agradáveis quando aquecidos.
Lendas versus realidade
A taça mais adequada para tomar saquê é a de vinho branco. “Servir o saquê até transbordar do copo quadrado (masu) é uma lenda urbana criada no Brasil para justificar o chorinho que supostamente traria saúde e prosperidade”, explica Ikeda. No Japão, o copo quadrado é de fato utilizado, mas apenas como pires no qual é colocado um copo de vidro, um pouco maior que o nosso martelinho. Já o costume de colocar sal na borda do copo deriva de uma antiga prática japonesa quando o ingrediente servia para disfarçar o gosto não muito agradável dos saquês produzidos de forma caseira em época de guerra ou de escassez de arroz. Hoje, com a industrialização da produção, não há mais essa necessidade. Pelo contrário, o sal esconde aromas e gosto do saquê.
Conheça os tipos de saquê
Honjouzou/Junmai — são saquês mais comuns, desprovidos de secura ou suavidade, corpo ou leveza, e com percentual de polimento de 20% a 39%. Podem ser fabricados somente com grãos ippan mai (arroz de mesa), sakamai (arroz próprio para saquê) ou ambos. Podem ser apreciados à temperatura de 5 graus C a 55 graus C. O tipo junmai é mais puro, pois não tem acréscimo de álcool destilado, ou seja, há apenas o álcool resultante da própria fermentação do arroz. Já o tipo honjouzou leva acréscimo de álcool destilado resultando em um sabor mais alcoólico, aroma discreto, menos encorpado, e refrescante.
Tokubetsu — Considerados especiais, são mais rústicos e, portanto, indicados como aperitivo.
Ginjo — Esses saquês têm procedimentos rígidos de produção e são feitos 100% de sakamais (arroz para saquê). A fermentação ocorre em temperaturas mais baixas e leva mais tempo.
Daiginjo — Nada mais é do que um saquê ginjo ainda mais selecionado, com percentual de beneficiamento de cerca de 50% e produzido 100% com arroz sakamai.
Junmai-Ginjo e Junmai-Daiginjo – saquês que não têm acréscimo de álcool etílico. O primeiro é feito com as técnicas de fermentação do Ginjo que causa uma baixa na acidez. O Junmai Daiginjo-shu é considerado o “saquê de maior nível”. Os melhores produtos dessa classe trazem uma boa harmonia entre sabor refinado e acidez.
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Serviço/lojas
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