Jussara Voss

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Vosso Blog de Comida

Revolução verde e de inclusão social em Curitiba

25/11/2025 10:19
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O movimento da agricultura urbana começou pequeno e explodiu em Curitiba com a ajuda de chefs de cozinha. A percepção política e técnica foi reforçada pela demanda para que hortas nas comunidades fossem apoiadas pela Prefeitura da cidade. As mudanças começaram silenciosas. Primeiro, a administração foi entender toda a complexidade do trabalho, depois, vieram outros projetos importantes e, em 2019, veio a transformação legal do órgão da Prefeitura que deixou de ser Secretaria do Abastecimento e passou a ser Secretaria Alimentar e Nutricional, bem mais abrangente. "A intenção foi ampliar a nossa missão, incluir a visão da segurança alimentar e aumentar a relação com os agricultores. A questão do abastecimento estava resolvido, com uma rede já formada, era preciso fazer a conexão com as demandas do mundo contemporâneo", explica o visionário secretário da pasta, Luiz Dâmaso Gusi. Com um esforço de convencimento e trabalho dos técnicos, aos poucos, a área foi ganhando mais espaço. Acrescente-se a isso o planejamento feito em colaboração com a sociedade, entendendo as necessidades das pessoas e envolvendo outras secretarias, como a de Educação e da Saúde, sempre com a preocupação de que os projetos tenham continuidade e, voilá, a receita tem dado certo.
Uma das principais funções da secretaria é levar a tecnologia social e a informação para toda a sociedade. Alguns projetos chamam a atenção, como as Fazendas Urbanas, a Mesa Solidária, as Escolas de Segurança Alimentar, o Banco de Alimentos e os Restaurantes Populares, entre outros, e todos estão disponíveis à sociedade. O secretário sabe que é necessária a união de todos os setores, o público, o privado e o terceiro setor, para resolver problemas, como a fome e o desperdício de alimentos, somos campeões nesse quesito. "Era preciso olhar para os 34 mil agricultores na Região Metropolitana e ter uma conexão direta". Entre as conquistas das parcerias, estão o fortalecimento das compras públicas, incluindo produtos locais e mudando o escopo da merenda escolar. De acordo com Gusi, uma lei federal obriga que 30% dos produtos da merenda venham da agricultura familiar, o nosso percentual era de 7%, agora passamos dos 60%. "Criamos alguns marcos regulatórios importantes, como o de comprar da agricultura familiar, que nenhuma prefeitura tem, com a aprovação de todos os vereadores".
Outra ideia surgiu quando da visita ao Refettorio Gastromotiva, no Rio de Janeiro, daí, no dia 23 de dezembro de 2019, no contraturno do restaurante popular do Capanema - Curitiba teve o primeiro no gênero, em 1994, no qual a refeição tinha o valor simbólico de R$ 1,00 - ofereceram uma ceia para as pessoas em situação de vulnerabilidade. Uma iniciativa que nunca mais parou e deu origem ao Mesa Solidária, que já serviu mais de mil refeições por dia. "Não foi fácil no início, mas conseguimos estabelecer a conexão com o terceiro setor, grupos formais e informais", explica Gusi. A iniciativa cresceu, hoje, são cinco Mesas Solidárias e mais de 100 grupos de voluntários parceiros. A secretaria oferece infraestrutura de cozinha e faz as conexões.
A pandemia trouxe outros desafios, mudou o perfil de quem se beneficiava do Mesa Solidária, eram pessoas que tinham onde morar, desempregados, ou eram aposentados em dificuldades, então a ideia era não apenas servir, mas educar. Vieram os cursos de formação, até para os técnicos da secretaria, foi implantada uma pós-graduação em formação de liderança, desde o planejamento de vida e de carreira e até de autoconhecimento e motivação. Já a Escola de Segurança Alimentar começou com pouco mais de mil vagas e hoje tem sete mil, a capacitação é realizada em parceria com o Senac. De acordo com o agroecólogo Felipe Thiago de Jesus, que é o diretor de Segurança Alimentar da secretaria, é uma oportunidade de entender quais são as demandas reais de mão de obra, por exemplo, e oferecer uma qualificação efetiva.
A sustentabilidade é uma discussão mundial e um dos destaques quando falamos no problema climático. "A grande virada de chave hoje é entender o papel das cidades na resiliência e sustentabilidade do processo alimentar", acrescenta o agroecologista. Uma das muitas conquistas de Felipe é a implantação dos Jardins de Mel há sete anos. Já são mais de 300 pontos com colmeias de abelhas sem ferrão espalhadas por parques e praças e estão em cerca de 150 cidades do Paraná. O que o move o técnico é a questão ambiental. Ele também acredita que a informação liberta e os restaurantes podem ser pontos de disseminação de conteúdo. "Nós sabemos o que é preciso ser feito. O desastre com as chuvas no Rio Grande do Sul poderia ser em qualquer outro lugar e isso vai continuar acontecendo. Se não olhamos para as mudanças climáticas, devemos olhar para as pessoas mais desfavorecidas que são as mais atingidas", desabafa Felipe. É um problema crônico de todas as cidades do mundo. O agroecologista conta que eles não doam comidas apenas. Existe um trabalho de assistência social e de reinserção na sociedade. "Entendemos como política social fazer tudo o que estiver ao nosso alcance".
As cidades têm um papel fundamental no desenvolvimento dos sistemas alimentares e o outro projeto da secretaria, o das Fazendas Urbanas, funciona como um ponto de difusão de tecnologias sociais e de conexão com o mundo rural para que seus habitantes entendam o ato de plantar, colher e preparar o próprio alimento. Hoje, os restaurantes mantidos pela prefeitura são sustentáveis porque funcionam dentro das Fazendas Urbanas. O modelo estará completo quando inaugurar no primeiro bimestre de 2025, a unidade do Tatuquara, que será autossuficiente de energia, lixo zero, terá horta própria, caixa de abelha sem ferrão, bosque de araucária e espaço para educação ambiental. As unidades, espalhadas pela cidade, estão abertas para receber todos que queiram aprender, inclusive empresários. Eles sentem orgulho das conquistas, com razão, mas sentem falta de mais engajamento da sociedade. Sabem que Curitiba tem condições de eliminar a insegurança alimentar grave que é a fome.