
Jussara Voss
Vosso Blog de Comida
O milagre do arroz com feijão

Se a orientação de especialistas é a de comer menos carne, o que não significa tornar-se vegetariano, a alternativa está nos vegetais. O diretor do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), Marcelo Lüders, aposta na sensibilização sobre o valor nutricional do feijão e das pulses para explorar a diversidade, aumentar o consumo e diminuir a ingestão de proteína animal. A World Resource Institute calcula que 25% das emissões de gases de efeito estufa vêm da agropecuária, metade da produção da criação de gado, e em muitos casos está ligada ao desmatamento, que representa metade das emissões brasileiras. Na Amazônia, corresponde a 36% das emissões brutas do país. O setor de agropecuária vem em seguida, com 27% das emissões brutas na frente da energia em terceiro lugar, com 18%, de acordo com os dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.
E existem inúmeras espécies vegetais, do jambu, ao cará, ao ora-pro-nóbis, que transforma os carboidratos e gorduras em energia, e continuamos presos a um consumo restrito. A saída é o prato feito, garante o diretor do Ibrafe. As leguminosas são fontes de proteínas importantes para equilibrar a nossa alimentação: "Pode não ser um símbolo como o feijão é para os brasileiros, mas todos os países destacam a inclusão de alguma proteína vegetal na refeição".
Importância
A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o ano de 2016 como o ano das pulses (lentilha, grão de bico, ervilha e favas) e foram feitas várias reflexões sobre a importância do consumo dessas plantas para a saúde das pessoas. No Brasil, o Ministério da Saúde defende o prato feito dos brasileiros, o arroz com feijão, como uma fonte proteica saudável para evitar doenças. Além disso, Lüders reforça que o feijão tem a menor demanda de recursos naturais por quilo de proteína entregue. "Não existe nada que substitua uma leguminosa na racionalidade com que ela produz a proteína". Outra vantagem atribuída ao feijão é de que ele não exaure a natureza, é de fácil adaptação, tem um ciclo curto de produção de 65 até 90 dias, fixa o nitrogênio do ar no solo, depende menos de fertilizantes e pode ser plantado na rotação entre outras culturas. Os estudos feitos pelo instituto revelaram o consumo de água necessário para a sua plantação em comparação com a produção animal. Para produzir 1 quilo de proteína animal, por exemplo, é preciso 13 mil litros de água, para o frango são necessários 4,3 mil, enquanto o feijão precisa apenas de 50 litros de água, com uma das menores pegadas de carbono.
Lüders comenta também que havia um certo preconceito de o consumo do feijão estar associado à pobreza. "Logo quando criamos o Ibrafe em 2005 trabalhamos para resgatar o orgulho de poder consumir e valorizar esse produto tão importante para a nossa alimentação". Outro trabalho da instituição é buscar exemplos para aumentar a produção orgânica das pulses que permita ter volume sem o uso de agroquímicos, apenas com o uso de produtos biológicos, seres vivos de fácil acesso, usados para combater pragas. A intenção é poder ter uma vida mais natural e uma alimentação mais saudável. "Também um esforço para conservar a microfauna e flora e manter o solo 'vivo', além de diminuir o custo de produção. Temos alcançado bons resultados", argumenta. Um dos objetivos do Ibrafe quando foi criado era estimular a produção para o Estado voltar a ter a posição de destaque que tinha no passado, chegando a ser o maior produtor. A batalha inicial (e primeira vitória!) foi conseguir sensibilizar o governo em 2005 a reduzir o Imposto de Circulação de Mercadorias (ICMS) cobrado passando dos 12% para 1%, ajudando os pequenos, responsáveis por cerca de 16% do volume total, e também os grandes produtores. "O alimento precisa ter um valor acessível para que a população possa diversificar a sua alimentação. O imposto alto, além de ser um contrassenso, induzia à sonegação".
Existem movimentos no mundo todo discutindo sobre a necessidade do consumo de carne diário. Ele ressalta que o movimento Segunda sem Carne, por exemplo, serve para que as pessoas reflitam sobre essa necessidade. "Tem a ver com a saúde das pessoas e do planeta". Ele comenta ainda sobre a importância de variar os tipos de feijões existentes, são muitos, e das receitas. "Os chefs conseguem olhar para o feijão como se fosse pela primeira vez e criar pratos diferentes". Há cerca de dois anos, alguns cientistas e médicos da Suíça recomendaram ao governo até encarecer a proteína animal para incentivar o consumo de grãos e pulses, que vão permitir alimentar a população mundial projetada para ser de 10 bilhões de pessoas em 2050.
Nesse cenário, o Ibrafe atua como um apoio importante: mantém os produtores informados; fornece dados estratégicos; estuda os impactos dos preços; busca oportunidades de novos mercados; acompanha as pesquisas realizadas e inovações para o setor; e ministra palestras e cursos. Seguem em busca de medidas para enfrentar os desafios climáticos, alternativas e aperfeiçoamento, como a expansão da produtividade, e, acima de tudo, trabalham para valorizar o feijão e as pulses para que estejam cada vez mais presentes nos pratos dos brasileiros.


