
Jussara Voss
Vosso Blog de Comida
Abelhas sem ferrão: nossas melhores companhias

Essenciais para a sustentabilidade do planeta, responsáveis pela polinização de plantas, que garantem a conservação da biodiversidade, e até pela produtividade agrícola, as abelhas sem ferrão, conhecidas também como nativas, indígenas ou meliponíneas, transformaram-se em uma paixão para o casal de ex-agricultores Benedito e Salete Uczai, há muitos anos convertidos a meliponicultores. O sítio da família em Mandirituba, na Região Metropolitana de Curitiba, era destinado a ser uma propriedade da agroindústria, mas bastou um curso oferecido pela prefeitura do município para que o casal mergulhasse no universo das chamadas abelhas "sociais", pois são de fácil manejo. O ferrão nessa espécie é atrofiado.
Em pouco tempo, transformaram-se em "guardiões", como são chamados os criadores dessa espécie. "Queríamos salvar o mundo", diz Salete em um vídeo no Instagram sobre o começo do trabalho deles há 18 anos. Eles sabem que é preciso preservar as abelhas, que são responsáveis por até 90% da polinização das matas brasileiras. A Associação Brasileira de Estudo das Abelhas defende que, sem o trabalho dessas abelhas, a reprodução de muitas plantas com flores seria impactada, diminuindo as suas populações, podendo até chegar à extinção.
Benedito é autodidata e conta que o começo foi difícil, quase não havia informação disponível. Aos poucos, começaram a participar de feiras, expor os produtos e ganhar adeptos. "É preciso cuidado e carinho no trato delas", ensina. Com a entrada de pesquisadores que começaram a estudá-las, a situação foi revertida, logo a abelha sem ferrão foi ganhando fãs, até na gastronomia, com o apoio de vários chefs de cozinha que começaram a defender e proteger essas abelhas, inclusive colocando caixas nos seus restaurantes. Cada mel tem um sabor. As propriedades medicinais do mel, o impacto positivo para a economia local, a saúde dos ecossistemas que se adaptam às mudanças climáticas também são lembrados por quem defende as ações sustentáveis. Sensibilizada com os benefícios, a Prefeitura de Curitiba implantou em vários pontos da cidade os "jardins de mel", com as silenciosas abelhas nativas ocupando parques e praças.
No Brasil, o interesse sempre foi pelas abelhas Apis Mellifera Scutellata pelo volume da produção de mel ser muito superior ao das sem ferrão. Podemos dizer que tivemos três etapas de produção de abelhas no Brasil. A primeira, com a implantação da apicultura, de 1839 a 1955. Em 1956, ocorreu a segunda tentativa: introduzir em um apiário experimental a abelha africana, mais produtiva, porém mais agressiva - e um acidente quase colocou tudo a perder. A terceira etapa é considerada com a recuperação da apicultura em 1970 quando foi possível aprender como trabalhar com a espécie. A abelha sem ferrão não compete em quantidade com a africanizada, mas sim em qualidade e empatam em importância, as duas são essenciais para o planeta. Benedito destaca a espécie da nativa para a polinização, que de acordo com ele é perfeita: "A nossa região tinha pouca fruta, achávamos que era porque recebe o vento do mar diretamente e faz frio, agora vemos os pés carregados de frutas e entendemos como isso aconteceu".
Ele vê o trabalho como um sacerdócio, de domingo a domingo, e nem pensa em parar. "Aprendo constantemente e vejo o resultado, com a expansão dos meliponários, apareceram também as matas nativas, mais pássaros e também benefícios para as pessoas que podem consumir produtos ricos em nutrientes". As abelhas sem ferrão produzem um mel delicado e foram esquecidas durante muito tempo, a prioridade sempre foi o produto comercial, felizmente, houve um ressurgimento dessa espécie quase extinta. Ele nos atualiza: "Hoje, a procura é grande, temos uma associação, vários produtores e pesquisadores abraçaram a iniciativa de produção e estão estudando a espécie e a sua relação com o meio ambiente. É um patrimônio nacional, um ouro líquido".


