A Xepa, com André Bezerra e convidados

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Vozes

Sobre caldinho de feijão e comer fora com crianças

18/12/2025 15:07
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Por Eduardo Klisiewicz*
Não dá pra dizer que ninguém me avisou. Aliás, a turma não faz cerimônia para dar avisos, conselhos e até tentar impor algumas “verdades” quando falam sobre filhos. Uma destas verdades (dessa vez sem as aspas) é que sair com filhos para jantar ou apenas “botecar” é uma missão muito difícil. Vários amigos diziam:
– Ah, não dá para sair de casa sem saber se tem Espaço Kids no restaurante.
Eu ria gostoso, hoje rio de nervoso. Errei. E errei feio. Eles tinham razão. Hoje, quando decido sair de casa com a mulher e as crianças, procuramos até farmácia com Espaço Kids. Aliás, aqui cabe uma reflexão: por que ninguém pensou em Espaço Kids nos supermercados? Se tivesse alguém pra monitorar minhas crias enquanto decido explorar corredores e prateleiras pesquisando as melhores promoções, como se fosse um Alex Atala procurando os melhores sabores da Amazônia, certamente o carrinho e o bolso dos proprietários ficariam mais cheios.
Voltemos à vaca fria. Quem é pai ou mãe, sabe bem o que é encarar uma boa carne já fria no prato, após uma parada emergencial para troca de fralda ou para resgatar a criança fujona que entrou na cozinha da bodega. Não basta que um restaurante ou bar tenha os tais Espaços Kids. O fato de eles existirem por si só pode resolver a necessidade imediata de termos um respiro entre goles e garfadas. Mas, para mim, é preciso ir além. E não precisa muito. E não é caro.
Ao longo dos últimos 2 anos e 11 meses, que é a idade do mais velho, tivemos experiências bem frustrantes e outras surpreendentes no que diz respeito a este “algo mais” que procuramos. Uma das que me vêm à mente agora foi a do Restaurante Trinitas, que fica em um hotel aqui de Curitiba, que, além de um cantinho com brinquedos e coisas de criança, tem trocador de fraldas no banheiro masculino.
O trocador no banheiro dos pais é o símbolo de um novo momento nas nossas vidas. Pelo menos deveria ser. Pais de verdade, não só os das fotos no Instagram, trocam fraldas desde o primeiro dia. Dão banho, ninam, sujam as mãos. Apesar de termos aprendido que cocôs, vômitos e outras questões são um “problema da mãe”, cabe a nós, homens funcionais minimamente conscientes da realidade, quebrar alguns paradigmas.
Sentamos próximo ao espaço onde as crianças, já de fraldas trocadas, brincaram tranquilamente, arrancando suspiros e sorrisos da equipe de serviços que passava ao lado a todo instante. No prato, camarões dividiam espaço com salames e cerejas, naquela mistura que só um bom brunch é capaz de normalizar.
Outro dia, fomos conhecer um novo café que abriu na cidade. Casa di Angel. Era um Festival do Pão com Bolinho e o deles estava delicioso. Linguiça Blumenau, queijo azul, cebola caramelizada e um brigadeiro de sobremesa. Lugar bonito, bem decorado, coisa fina. Espaço Kids? Tinha e era bem equipado. Mas, como eu disse, às vezes isso não basta. Eis que um dos garçons começa, literalmente, a brincar com nossos filhos. Como o salão estava vazio, buscou alguns brinquedos, espalhou no chão e fez a festa da piazada.
É óbvio que brincar com nossos filhos não tem que ser regra, mas o olhar atento e esperto de quem atende, sim. A equipe precisa ter preparo para lidar com crianças e também com os pais. Não queremos babás, mas queremos empatia, disponibilidade em ajudar, um sorriso. A atitude deste menino nos encantou e voltaríamos lá só por isso. O Espaço Kids? Ficou lá, todo bonitão. Foi o serviço que nos ganhou.
Falando nisso, e quando o lugar nem Espaço Kids tem, mas o cuidado de quem atende preenche todo esse vazio? Fomos almoçar em um restaurante em Matinhos, no litoral. Restaurante do Alemão, “simprão” do jeito que eu gosto.
Da hora que pusemos o pé para dentro até a hora da despedida, foi uma aula de bem-servir. Não, o garçom não tinha curso na França, mas entendeu que poderia ajudar dois pais cansados na missão de comer fora com duas crianças pequenas.
Para evitar surpresas, demos comida para eles antes de sairmos. Já acomodados, pedimos o prato mais popular da região: um linguado à romana, acompanhado de molho de camarão, salada e fritas. Logo que anotou o pedido, o garçom mandou essa:
– Mãe, quer que eu traga um arroz com caldinho de feijão para as crianças?
Demoramos alguns segundos para entender aquilo, tamanho foi nosso espanto. Ele acertou em cheio. Era justamente o que iríamos servir para os pequenos, assim que o prato chegasse. Na mosca, coisa de quem é pai ou avô. Antes ainda de o pedido chegar, trouxe uma mini porção de fritas para antecipar os beliscos para os pequenos. Depois, uma gracinha ou outra, uma cutucada e uns sorrisos, e nota 10 para o serviço. Saímos mais leves de lá.
O algo a mais que procuramos não é um Espaço Kids caro e grandioso, com brinquedos modernos, televisões de LED e escorregadores elaborados. Mas seria bom cadeirinhas que se encaixem nas mesas, atendentes com empatia e sensibilidade, um sorriso, locais mais seguros, sem janelas abertas ao lado de um “trepa-trepa”, por exemplo.
Como não tenho formação em gastronomia – mas faço meu arroz com feijão bem temperadinho – tenho licença poética para garantir: o sabor das comidas que provamos quando saímos com as crianças melhora quando tratam bem os nossos filhos. É a “química” do amor. É como diria minha mãe, no sentido mais puro desse amor: Quem beija meu filho, minha boca adoça.
*Eduardo Klisiewicz é jornalista e editor da Tribuna do Paraná.