Anacreon de Téos

Panela do Anacreon

São feijoadas e feijoadas. Mas a da Eva é diferenciada

16/04/2025 11:26
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Chef Eva dos Santos apresentando sua feijoada no restaurante Tierra del Fuego. Temperos diferenciados. | Foto: Anacreon de Téos

Não escondo aqui minha preferência e minha defesa da feijoada autêntica. É aquela completa, mas completa mesmo, sem seleção de carnes em nome de excesso de gordura ou coisa assim.
Costumo citar, de vez em quando, o cronista Sérgio Porto, lá dos idos da revista O Cruzeiro (entre outras publicações), que assinava como Stanislaw Ponte Preta. Pois o Lalau dizia uma frase que é regra entre os cariocas – e o Rio de Janeiro é capital da feijoada – e define muito bem o prato: “a verdadeira feijoada é aquela que exige uma ambulância na porta”.
Tempos atrás, conversando sobre feijoada com a talentosa chef Eva dos Santos, amiga de todos os tempos, divergimos em alguns pontos. Ela me dizia que fazia uma feijoada e servia apenas com as “carnes nobres”. E eu já entendia que as “carnes nobres” eram exatamente aquelas que dão o verdadeiro sabor à feijoada, as gordices (sic), como pé, rabo, orelha e pele de porco.
Ficou por isso mesmo, até entrar boi na linha e a conversa ganhar outro sentido. Foi daí que ela me explicou algo que me animou: ela cozinha a feijoada com todos os itens, apenas retira o que não considera “carnes nobres”, exatamente as gordices (sic) que citei.
E me falou com tanto entusiasmo do tempero que usa (segredo de sete chaves), que vem desde sua mãe, lá nos tempos de Bandeirantes, no Norte do Paraná, que me candidatei a conhecer a tal, que ela serve todos os sábados, no restaurante Tierra del Fuego – que é voltado para a linha argentina, mas que permite algumas escapadas de Eva para expor sua criatividade. E como é importante isso.
Todos os componentes da Feijoada da Eva, servida do Tierra del Fuego. Incluindo a pimenta, feita pela própria chef. | Foto: Anacreon de Téos
Todos os componentes da Feijoada da Eva, servida do Tierra del Fuego. Incluindo a pimenta, feita pela própria chef. | Foto: Anacreon de Téos
Voltemos à Feijoada da Eva. Dias atrás, deu certo e pude ir provar. Ela fez questão de me apresentar todos os complementos e realmente esses acompanhamentos diferem das feijoadas mais comuns por aí. Sim, tem a banana à milanesa (num ponto irreparável, casquinha e macia por dentro), a Farofa de bacon, cenoura e abobrinha crocantes, com tirinhas de cebola tostada; o Torresmo de barriga de porco; o Vinagrete confit (com pimentões vermelho e amarelo e tomates, sem cebola) e um Arroz com ovo. Quando ela me disse que teria isso, logo imaginei um Biro Biro ou algo assemelhado. Nada disso, é arroz com ovo mesmo: arroz branco e dois ovos fritos, de gema mole, e por cima flor de sal. Sabor de infância que imediatamente voltou.
Sim, a feijoada também tem laranja e couve. Só que, em vez de rodelonas de laranja com parte da indigesta polpa branca, é servida em gomos delicados, sem a pele, fruta pura, que ela chama de supreme. Vem na mesma tigelinha da salada de couve, que é cortada finíssima e servida crua, para dar crocância e uma quebrada na gordura do prato.
Sim, porque a Feijoada da Eva contém gordura. Ou não seria feijoada. Seguindo os preceitos de sua mãe, ela faz o prato com todos os ingredientes necessários (mais do que isso, obrigatórios): as “carnes nobres”, como diz, e as tais gordices. Depois, retira as partes que não entende como nobre e serve as demais com o feijão cozido já com o sabor de tudo.
Na apresentação final do prato, na cumbuca, a feijoada ainda ganha uma costelinha fresca de porco, assada em baixa temperatura e finalizada no forno. Ah, sim, e para os que apreciam – meu caso – vem um saboroso molho de pimenta feito pela própria chef. Que faz questão de alertar: “é bem picante”. Sim, é, mas, ao mesmo tempo, delicioso. Basta ir provando com moderação, até chegar à quantidade compatível.  
Essa é a Feijoada da Eva. Mas, caso surja algum chato como eu, que quer feijoada com tudo, ela pode, sim, servir. Basta avisar antes, que ela mantém armazenadas as carnes mais gordas, utilizadas no cozimento, mas descartadas no momento de servir.
Na minha cumbuca veio assim, com tudo, e estava divina. Tentei descobrir alguns dos ingredientes por ela utilizados. Cominho, talvez; páprica, com certeza; mas o principal deles é o amor com que a chef constrói tudo, puxando pela memória da mãe. E aí é possível sentir, a cada garfada, todo esse carinho que as memórias de Bandeirantes lhe trazem.
A Feijoada da Eva montada no prato. Sabores combinando, água na boca. | Foto: Anacreon de Téos
A Feijoada da Eva montada no prato. Sabores combinando, água na boca. | Foto: Anacreon de Téos
A porção de feijoada é muito bem servida, para duas pessoas (afinal, são dois ovos), mas, pensando bem, para quem come pouco, dá até para três.
Custa R$ 189, tem todo sábado (inclusive neste Sábado de Aleluia, que se aproxima) e pode, também, ir para o delivery, via iFood.
Pode provar e pedir que vale a pena. Seja do jeito dela, do jeito meu, o que pesa é o sabor e Eva dos Santos é mestre em explorar todos eles.
Tierra del Fuego
Rua Barão de Guaraúna, 550 – Juvevê

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