Anacreon de Téos
Panela do Anacreon
Chegou o Scarpetta, restaurante italiano como não tem igual
Ravióli negro de camarão e alho-poró, uma das criações do chef Ronaldo Canha para o Scarpetta. Foto: Madu Eurich
Curitiba ganha um novo restaurante italiano a partir deste sábado (28). Mas não se trata de um restaurante italiano qualquer e, sim, de uma casa que tem todos os predicados para se tornar uma referência na cidade, a partir da experiência e da criatividade do chef Ronaldo Canha.
Aos 55 anos, está empolgado com a guinada que deu em sua vida, vindo para Curitiba. Já de carreira consagrada, principalmente no Rio de Janeiro, onde comandou, por mais de dez anos, a cozinha do Quadrucci (fechado em 2021), no Leblon, que também marcava pela pegada contemporânea para os pratos italianos que servia.
Formado pelo curso de Chef de Cozinha Internacional do Senac Águas de São Pedro, em São Paulo (em convênio com o Culinary Institute of America – CIA, uma das principais referências internacionais, ao lado da Le Cordon Bleu), começou a trabalhar no fim do século passado, em Nova York, de onde saiu, quatro anos depois, para a Europa.
De volta ao Brasil, compôs a equipe de um dos chefs que mais admirei na vida, José Hugo Celidônio, no Club Gourmet. Depois de passar por outras cozinhas, chegou em 2010 ao Quadrucci, de onde saiu para prestar consultorias (nesse meio tempo, lançou um livro, Cozinha de Estações, pela Editora Senac Rio).
Até que semanas atrás desembarcou em Curitiba, para consolidar o projeto do Scarpetta, que começa a funcionar no centro da cidade. Scarpetta – “fare la scarpetta” - é o mesmo que conhecemos como chuchar, o ato de passar o pedaço de pão no fundo do prato, para não perder nada de seu molho. A idealização do projeto do restaurante e sua consolidação coube a Mhelody Vaz, sócia do Grupo Obst, que conta atualmente com outros quatro empreendimentos na cidade: ObST, Ninna Cozinha, Olívia Mercearia Artesanal e OTTRO Rolê.
O imóvel, situado na esquina das ruas Júlia da Costa e Prudente de Moraes, já vinha de tempos (2020) na posse do grupo, sempre com o objetivo de abrir ali um restaurante italiano, mas que pudesse fugir do estilo dos que já existiam por aqui. Trazendo Ronaldo Canha para comandar a cozinha, Mhelody Vaz conseguiu.
O que o menu do Scarpetta apresenta é realmente personalizado e distinto do que se conhece por aqui. Sem perder a pura veia italiana, mas com oportunas e criativas.
Descobertas a cada prato
Tive a oportunidade de ter uma prévia do que será o Scarpetta a partir deste sábado. Foi num evento de apresentação da casa e do cardápio, com um menu que, aparentemente, estaria dentro daqueles tradicionais italianos e que ainda carecia de definições finais para a inauguração.
Ao provar cada um dos pratos foi possível constatar não ser bem assim. Tinha toda a base da cozinha italiana, que fez a carreira de Canha, mas cativava pelos detalhes – alguns perceptíveis visualmente e outros somente no paladar.
Nas entradas, por exemplo. Os Arancini de funghi aïoli trufado passavam uma agradável cremosidade e o comedido toque da trufa no aïoli. Não daquele abominável azeite trufado, que toma conta de muitos restaurantes (japoneses, especialmente), mas a delicada salsa, amanteigada, aprazível. A Polenta cremosa, ragu de carne, crumble de parmesão marcava pelo contraste de texturas, do creme com o crumble e foi a primeira chance de chuchar da noite.
Mas duas das entradas impressionaram mais: a Sopa de abóbora e creme de gorgonzola e o Rosbife tonnato (o meu favorito). A sopa foi um claro exemplo de como se usar o queijo azul sem predominar sobre os outros sabores do prato. Compôs harmoniosamente com a delicada abóbora. E o detalhe foi a fatia de torrada, com cubinhos de abóbora assada, sobre a sopa. Já o rosbife passou a sensação de integração completa de todos os itens. Fatias de carne em cortes perfeitos e simétrico, o atum presente no aïoli e uma farofinha arrebatadora (pedimos repetição – estávamos em quatro à mesa).
Daí vieram os pratos principais, cada um pediu um, com o objetivo de dividir todos, para permitir maior ação gustativa. Todos se encantaram com o vinagrete de milho verde, que compunha o Galeto em baixa temperatura, finalizado al Josper, mousseline de abóbora cabotiá e farofa de alho crocante. Carne no ponto, macia e a mousseline bonita e gostosa.
Era ali o detalhe da sutileza das criações de Ronaldo Canha, que se manifesta já no visual do Polvo, nhoque de azeitonas pretas, tomatinhos e pesto de coentro. Claro que o nhoque, negro retinto, chamava a atenção (não perguntei pro chef, mas deduzi que deveria ter um toque de tinta de lula para oferecer cor tão definida, o que as azeitonas somente não poderiam dar – e não ser que ele me explique e desminta). Polvo no ponto perfeito, o detalhe da assinatura do chef estava no nhoque, que só tinha um delicado sabor da azeitona, o suficiente para dar prazer, sem exagero.
Veio à mesa ainda um Medalhão de rabada, demi-glace, polenta em duas texturas e brócolis, com todo o sabor da carne cozida e prensada a compor com as polentas – em creme e fritas. O quarto prato foi o mais tradicional, o Mignon parmegiana e purê de batatas. Carne no ponto exato, vermelhinha por dentro, queijo na proporção correta e um purê que fez o detalhe: roubou a cena. Era quase um aligot, de se comer sozinho, sem arrependimento. Dentre os pratos principais, que não vieram, ainda havia Camarões grill, spaghetti nero, molho mascarpone e siciliano, Nhoque de funghi gratinado e Ravióli de camarão e alho-poró, com molho agridoce de tomatinhos.
De sobremesa, Meringata, Tiramisù e Profiteroles.
Brigada importada
Ronaldo Canha chegou faz pouco tempo e praticamente se adaptou à cidade, “sem a neura dos perigos das ruas do Rio de Janeiro” (nem tanto, foi o que dissemos para ele, Curitiba também tem alguns problemas de segurança). Tanto ele quanto a equipe que o acompanha estão passando não apenas pela aclimatação com o restaurante, quanto com a cidade.
São todos de fora, alguns do Rio como ele, mas a brigada também tem argentino, venezuelano, espanhol, só para citar algumas origens.
Essa fusão de estirpes, unida ao talento e inspiração de Canha, completam com harmonia a concepção de Mhelody Vaz, refletida não apenas no que sai da cozinha (e da boa carta de vinhos), como no ambiente despojado e agradável do restaurante, com seus 200m² e capacidade para 80 pessoas. Bruna Busse foi a arquiteta responsável pelo projeto do Scarpetta, tendo como ponto de partida o elemento curvado no forro, que a trouxe inspiração das cavas e vinícolas italianas. O conceito aberto da cozinha, separada do salão por uma ampla vidrada, traz um ar de modernidade e conexão com a brigada, o processo e os ingredientes.
O Scarpetta vai funcionar, durante o almoço, de terça a domingo, das 12h às 15h; durante o jantar, também de terça a domingo, das 19h às 23h.
Scarpetta Cucina
Alameda Júlia da Costa, 608 – Centro
(Estacionamento próprio – R$ 25 para cliente, por 3 horas)
Instagram: @scarpettacucina_