A Xepa, com André Bezerra e convidados
Vozes
O Professor na quitanda
Por Luís Henrique Pellanda
Apoiado em sua bengala de três pontas, ele a faz apalpar todas as laranjas da bancada. Não tem pressa. Seu tom é professoral. Quer apenas as sanguíneas, o vermelho é a melhor cor para as frutas, pontifica. Mas não, não pense que o vermelho é uma cor boa para tudo. É boa para as frutas, enfatiza. A cuidadora concorda, e ele se mostra satisfeito, boa menina. Exige dela que sopese as laranjas primeiro com a mão esquerda, depois com a direita. Que as acaricie com cuidado, como se polisse uma lamparina de ouro. As cascas, ele as prefere mais finas e lisas, as de casca grossa são secas por dentro, desprezíveis. Avaliando o vaivém das mãos da cuidadora, repara em suas unhas. São bonitas, e ele se permite elogiá-las pois também aprova o vermelho dos esmaltes, respeita as mulheres que se tratam bem, embelezar-se é gostar de si mesmo, e só quem se cuida poderá cuidar dos outros.
Ela, porém, já está em outra, é a vez das maçãs. O patrão também as prefere vermelhas, e ele logo se anima, e repete as ordens de sempre, pegue esta, pegue aquela, e as examine bem, o brilho, a tonalidade, as impurezas da superfície, a feia etiqueta do produtor, que toma para si o trabalho de Deus. O velho ensina: batuque na fruta com o indicador e o dedo médio, assim, rápida e alternadamente, avalie a quantidade de água lá dentro; é preciso julgar uma maçã pelo que ela tem de percussivo, pois uma fruta é isso, não só a curva sensual que convida nossa mão ao toque e à colheita, não só a batalha entre os doces e os azedos, mas também o som que produzirá quando a mordermos. A cuidadora, então, aproxima a maçã do ouvido e tamborila nela com os dedos ágeis, divertidos, manicurados. Quase alegre, o velho se arrisca num sorriso torto: ótima aluna, aprenda comigo, aproveite que ainda estou aqui.
Ela o repreende, o senhor estará conosco por muito tempo ainda! Ele duvida, torna-se manhoso, você acha? Ela diz que sim e passa a ensacar as maçãs, mas ele se sobressalta: não, não leve as que já perderam o pedúnculo, ele é como o pino de uma granada, uma vez retirado e adeus, a fruta está perdida, a guerra está perdida.
Por fim, o velho pede uma goiaba, e a cuidadora se vê obrigada a contrariá-lo, goiaba não, as sementes, a diverticulite, de jeito nenhum. Ele ensaia uma revolta, ela bate o pé. Ele se conforma, mas impõe à funcionária uma condição: que ela leve ao menos uma das goiabas para perto das narinas e aspire profundamente o seu perfume, e que depois diga a ele qualquer coisa que lhe preste contas daquela sensação, já que há anos o velho perdeu o olfato, e cada visita sua à quitanda é uma aposta sensorial, a renovação de uma louca esperança: a de um dia, antes de morrer, voltar a sentir o cheiro de algo vivo, tão vivo quanto ela, a sua jovem cuidadora.
Ela obedece. Apanha uma das goiabas e a posiciona diante do rosto. Respira fundo, fechando os olhos. O velho a observa sem piscar, atento ao fulgor do piercing em seu nariz, e vivencia uma emoção quase indecente. Ela reabre os olhos.
E então, pergunta ele, o cheiro ainda é o mesmo? Ela diz que sim, é o mesmo, as goiabas não mudaram nada, o mundo não mudou, quem mudou foi o senhor.
Verdade, resmunga o velho, e então se cala.