Guilherme Rodrigues
Notas Báquicas
Conheça a técnica da poda invertida para a produção de vinhos
Na região da Serra da Mantiqueira, a qualidade dos vinhos cresceu de modo surpreendente nos últimos anos, ao ponto de ser um dos mais excitantes acontecimentos no panorama recente da viticultura brasileira.
A novidade é o emprego da técnica de cultivo das videiras denominada poda invertida, ou dupla poda, processo quase desconhecido e ainda muito pouco empregado em todo mundo.
Nessas regiões, no verão, época normal da colheita, o tempo fica muito chuvoso ou demasiado quente, prejudicando a qualidade das uvas e portanto do vinho. Contudo, alguns meses depois, no inverno, as condições passam a ser ideais: clima mais seco, ensolarado, sem calor excessivo e maiores amplitudes térmicas.
O jeito então foi fazer com que o parreiral amadurecesse as uvas não no verão, mas no inverno. Inverter o ciclo, fazer a vide dar fruto no inverno.
O processo é simples. Basta fazer uma segunda poda nas parreiras justamente no início do verão, quando a planta se prepara para produzir o fruto.
Com isso ela precisa rebrotar e novamente lançar novos galhos, florescer e frutificar. O parreiral, assim, atrasa a entrega de suas uvas ao vinicultor para o inverno, época em que, nessas regiões, o clima é o ideal para a colheita das melhores uvas.
Técnica
Quem difundiu essa espécie de “ovo de Colombo” na região da Mantiqueira, tradicional produtora dos melhores cafés, agora voltando-se para os vinhos finos, foi Murillo de Albuquerque Regina, pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), a partir do início deste milênio. Das vinícolas, a Guaspari é uma das pioneiras, bem como referência, com rótulos bem difundidos no mercado.
Jancis Robinson, na célebre enciclopédia “The Oxford Companion to Wine”, refere-se a essa técnica utilizada com sucesso na Austrália, nos anos de 1970, com o nome de “double prunning” (poda dupla).
Justamente para alongar a natureza da produção da uva, tirando a colheita do auge do calor do verão para a fase mais fresca e melhor do fim do outono ou inverno, uma segunda poda interrompe o ciclo natural da planta e gera uma rebrota que produzirá frutos meses adiante do que seria o ciclo normal. A planta produz menos, mas dá origem a uvas bem melhores.
O leitor já percebeu que é um processo custoso, pois exige mais trabalho no parreiral e rende menos volume de fruta. Contudo, recompensa pela melhor qualidade do vinho.
Vale ressaltar que é impensável em locais de invernos mais rigorosos, pois, nesses casos, a frutificação seria impedida pela neve ou geada forte. Sem falar que o frio intenso do solo estancaria o processo vegetativo e toda produção seria perdida.
Mas em locais de clima mais quente, sem invernos rigorosos, o processo é perfeitamente possível.
A cara de uma região
A poda invertida virou coqueluche na região da Mantiqueira e, cada vez mais, produtores preocupados em elaborar vinhos superiores têm adotado a técnica, aplicável a todas as castas, mas com preponderância da Syrah e, nos brancos, a Sauvignon Blanc.
A lógica faz sentido e, quem sabe, poderá ser utilizada nas demais regiões vinícolas brasileiras, com vistas a obter vinhos superiores. Fique atento aos rótulos dos vinhos feitos com a poda invertida.