Guilherme Rodrigues
Notas Báquicas
Vinho marrom, vinho turvo, vinho sadio e vinho acabado
Leitor ilustre da coluna, amante de bons vinhos, relatou ouvir com frequência de vendedores das lojas do Mercado Municipal de Curitiba e outras pela cidade, que vinho turvo é vinho estragado, vinho marrom idem, e que vinho com idade fica marrom – portanto estaria estragado. Perguntou se é assim mesmo.
Tenho a dizer que não, não é bem assim. De tudo a única verdade é que vinho amarronzado ou marrom é vinho oxidado e passado. Vinho decadente, começando a oxidar, mas em geral bebível, quando o amarronzado ainda é tênue e está no início. E vinho arruinado se o amarronzado é mais presente ou intenso. Seja branco, tinto, fortificado, espumante ou outro tipo. Tons marrons denotam oxidação maligna, que arruina o vinho. O aroma e sabor são sempre desagradáveis, avinagrados, por vezes até nauseantes. O destino de uma garrafa assim, mesmo que seja Château Pétrus, é o ralo da pia.
Se olhar a garrafa contra a luz e o vinho estiver amarronzado ou se vinho branco jovem de cor escurecida, não compre, será vinho passado. Quase sempre estragado pelos maus cuidados com as garrafas no percurso da distribuição ou ponto de venda. Aliás, nem deveria estar no ponto de vendas. Se estiver, cuide-se com a loja. Não deveriam expor nem vender vinhos visivelmente passados. Compras pela internet nesse ponto são mais arriscadas pois você não pode avaliar a garrafa antecipadamente.
Agora, vinho turvo na grande maioria das vezes - especialmente se vinho com idade - é vinho sadio, mas cujo depósito (borra) foi agitado e emulsionou-se no líquido limpo. Basta deixar a garrafa em pé (se for beber logo) ou deitada (se for guardar) que a borra depositará no fundo da garrafa e o vinho limpo surgirá. Já bebi muitas dezenas de milhares de garrafas de todo tipo de vinho. Pouquíssimas, e quase todas de vinhos naturais, onde a turbidez não era depósito emulsionado, mas vinho mal.
Mas se o vinho for jovem, digamos, menos de 5 anos, por aí, e estiver turvo, é sinal de que pode estar estragado, pois com essa idade ainda não deu tempo para criar borra suficiente para turvar a bebida. Nessas situações os dizeres dos vendedores com que abri a coluna, podem ser aplicados. Mas não em relação a vinhos sadios, velhos, com depósito. Os mais etéreos e sensacionais que podem haver.
Como já dissemos aqui, o depósito emulsionado ao vinho sadio não o estraga, mas abafa os aromas e sabores, tirando o encanto especial da bebida. Agora, se deixada a garrafa em repouso por diversos dias e a borra não decantar, o vinho continuar turvo, aí sim será sinal de vinho que pode estar estragado.
No caso dos vinhos naturais é bem mais comum azar com garrafa. Explica-se pois tem muito pouca ou nenhuma proteção química. Mesmo rótulos de alguns milhares de reais a garrafa por vezes estão passados – com segunda fermentação e agulhas ou turbidez sem que seja da borra. O gosto não enganará, será desagradável, desequilibrado. Aqui também é caso para devolução, desde que você não beba a garrafa antes. Prova, desaprova pelo defeito grave, arrolha, avisa o vendedor e troca.
Atualmente, quase não há mais, porém no passado havia vinhos engarrafados muito jovens, recém-saídos das cubas de fermentação, sem amadurecimento, verdes, que apresentavam turbidez. Tipicamente os famosos Vinhos Verdes de Portugal e algo do Beaujolais em França. Nesses casos não era sinal de decrepitude, antes de excessiva juventude.
Em uma palavra, vinho marrom é vinho passado; mas vinho turvo na quase totalidade das vezes não é vinho passado. Se for marrom e turvo, tem tudo para ser um defunto, basta cheirar antes de entornar pela pia.
Se o vinho for jovem, menos de 5 anos mais ou menos, mas estiver turvo, sinal de que pode estar estragado, mesmo não tendo ainda ficado amarronzado – mas quase sempre já terá tons marrons.
Agora, que vinho velho fique marrom e turvo não é verdade. Já bebi vinhos do Porto e da Madeira do século XVIII e XIX, portanto mais do que centenários, de cor âmbar, âmbar bem claro, brilhante e luzidia e de grande frescor e muita vida. Idem vinhos de mesa, brancos e tintos, quase centenários, igualmente perfeitos.