Guilherme Rodrigues
Notas Báquicas
Quebrem as garrafas!
Viralizou nas redes sociais a imagem recente de produtores franceses trancando uma estrada com um caminhão cheio de caixas de vinho e jogando as garrafas para espatifarem-se na estrada. Na verdade, era vinho espanhol, importado pela França. Mas poderia ser vinho francês.
Aliás, nesse sentido, o próprio presidente Macron, apesar de não estar quebrando garrafas na via pública, mandou pagar subsídio de 200 milhões de euros aos produtores de Bordeaux e do Languedoc para arrancarem parreirais. Então, quem diria, a portentosa vinicultura francesa está em crise?
Nem tanto, pois os produtores da Borgonha e da Champagne, por exemplo, estão muito felizes com as vendas e os preços nunca tão altos de seus rótulos. Até há pressões para aumento da área de vinhas nessas regiões controladas.
As vinhas e vinhos da ira tudo indica são as da gama baixa. No passado, aumentou-se a área de plantio e a produção. Não só na França, mas em todo mundo. A produção acabou crescendo acima do consumo e formou-se um enorme lago de vinho que não achava quem o bebesse no mundo todo. A alternativa inicial, de mandar os excedentes de vinhos para a queima em alambiques, destilados a virar álcool, não foi suficiente.
Para piorar tudo, a partir da pandemia o consumo vem caindo. Já está no nível de 2002. Sobra ainda mais vinho. Como se não bastasse, os custos de produção, como garrafas, rolhas, rotulagens, caixas e o que mais, subiram com a inflação pós pandemia. Mas os preços dos vinhos franceses da gama baixa não conseguem acompanhar.
Já os países do “Novo Mundo” e de regiões mais quentes da Europa, como Espanha e Sul da Itália, conseguem produzir vinhos correntes mais atraentes e baratos do que os franceses. Então, realmente, enquanto os produtores de vinhos do alto de gama estão contentes com os elevados preços de seus rótulos, jamais vistos – pois há mercado ávido para eles – os produtores franceses de vinhos mais comuns estão no meio da tempestade perfeita.
Nem Macron ou qualquer arrancador de vinhedos de Bordeaux pensa em pagar para diminuir as vinhas do Château Latour ou do Château Pétrus, nem de seus demais congêneres por toda França. Nem esses produtores estão preocupados com os vinhos da Espanha, Portugal, Itália ou outras procedências.
Agora, na gama baixa, está pegando feio. Corria mal há tempos. Plantaram mais e mais vinhedos, para a seguir baterem na cabeça ao darem conta que a demanda andou para baixo da maré enchente da oferta.
Então, as demonstrações de algazarra pública, quebra-quebra, como forma de pressionar o governo por subsídios para arrancar vinhas e outras medidas mais ou menos ortodoxas para defesa “nacionalisteira” do mercado. Não seria melhor trabalhar para ampliar o consumo, produzindo melhores vinhos e mais adaptáveis ao gosto da época? No caso dos franceses, eles voltarem a beber mais vinho e produzirem melhor?
A perturbação deve demorar uns bons anos até o ajuste do mercado, com o nivelamento dos excedentes. Boa notícia para o consumidor, pois nessa faixa a tendência é a manutenção de preços mais em conta e vinhos melhores expulsando os piores do mercado. No mais, são as habituais variações do mercado, cíclicas e anticíclicas, que sempre ocorrem de tempos em tempos.