O assalto. Ou, os selecionados na adega de Luis Pato

Em finais do ano de 2022 ocorreu um assalto à adega de Luis Pato, icônico produtor de vinhos da Bairrada. Foram subtraídas algumas preciosas garrafas dos mais gloriosos vinhos portugueses, que repousavam na garrafeira subterrânea pessoal do produtor. Devo confessar que o assaltante fui eu mesmo. Mas não preciso de liminar do Supremo para me por livre, já que a subtração ocorreu a convite do próprio Luis Pato.

Foi o terceiro “Assalto” da série. Na verdade, um jornalista de vinhos é convidado de tempos em tempos por Pato para escolher 5 dos seus mais destacados rótulos – “assaltar a adega” –,  e presidir sua degustação por 30 dos mais destacados sommeliers e jornalistas de Portugal e de outros países. Os dois assaltos anteriores foram protagonizados por ninguém menos que os célebres ingleses Sarah Ahmed (Decanter) e Charles Metcalfe. Missão impossível ficar à altura dessas duas estrelas, mas esforcei-me.

A escolha foi muito difícil e inspiradora. Estavam disponíveis muitas safras, desde a primeira, de 1980. Procurei escalar uma seleção que cobrisse diversas fases do produtor e com todos os seus tipos de vinhos. É inacreditável o que a arte de Luis Pato, o terroir bairradino e a ação do tempo são capazes de produzir. Vou logo contar-lhes dos vinhos, na sequência do serviço.

O Barrosa bate-se faz tempo com o Ribeirinho pela coroa do melhor tinto de Luis Pato. A vinha possui 120 anos de idade. 100% Baga, plantada em solo argilo calcáreo de Aguim. É um monopólio do produtor. 2001 produziu um dos maiores Barrosa de sempre, que começa a abrir-se e viverá gloriosamente por mais 30 a 40 anos. A Baga feita em refinamento. Muito intenso, com a base rica a fruta madura, arredondando uma estrutura poderosa e fina. Nuances florais deliciosas, especiarias, muito longo.

Talvez o mais icônico rótulo de Luis Pato, Baga 100%, de parreiras plantadas em pé franco (sem enxerto) em solo arenoso de Amoreira da Gândara. Vinhas com cerca de 35 anos de idade. O poder da Baga feito em elegância e profundidade. Muito perfumado, intenso, sofisticado e complexo, encanta com notas a frutos azuis, especiarias e bálsamo. Taninos redondos e acidez equilibrada fecham um corpo sedoso, profundo e de notável frescor e persistência. Ainda jovem, para viver e evoluir gloriosamente por mais 40 anos.

Um branco cintilante, cheio de nuances das mais sofisticadas, refinado e arrebatador. Amanteigado, de grande frescor e vida, acariciante e aveludado, nuances a marzipan, mel de acácias, pêssegos, ervas finas, um toque floral. De cor dourada suave brilhante, revela um caleidoscópio de sensações deliciosas que se movimentam suavemente com o passar do tempo. Longo, equilibrado, inacreditável. A uva Bical em solo argilo calcáreo de Óis do Bairro, vinhedo com 24 anos de idade. Inacreditável beleza quando desabrocha na maturidade. Incomparável e único, dos mais gloriosos brancos portugueses que já provei.

O contraponto do Ribeirinho, com vinhas em pé franco, mas em solo argilo calcáreo. Desafio de Luis Pato para mostrar a diferença entre um pé franco de areia e outro do barro. Baga 100%, em solo de Óis do Bairro. Bem diferente do Ribeirinho. O Valladas é mais cheio e amplo, mais opulento e luminoso. Sem perder refinamento, com frutado vivo a amoras e ameixas maduras, e um instigante fumé (fruto do solo argilo calcáreo). Grande estrutura, ainda mais retinto do que o Ribeirinho, longo e persistente, para viver muitas décadas.

Vinte e seis anos transformaram esse borbulhante Baga 100% num dos melhores espumantes que já provei, rivalizando com notáveis Champagnes. De cor acobreada com um bonito rubor, foi elaborado com uvas de diversos vinhedos do produtor. Revela um equilíbrio invejável, finesse, frescor, borbulhas finas e suave mousse em boca. Grande pureza, com nuances encantadoras a frutos cristalizados, chá darjeeling, zest de cítricos, framboesas e frutos secos. No ponto para desfrutar, com mais uns bons anos de vida.