Guilherme Rodrigues
Notas Báquicas
Malbec: Argentina e altitude fazem a diferença
Pensando bem, não fosse pelo sucesso que faz na Argentina, a Malbec estaria praticamente em extinção e desuso na elaboração de vinhos mundo afora, confinada praticamente à região de Cahors, sudoeste da França. Sua biografia é das mais curiosas, saltando dos píncaros de importância para a rejeição e, finalmente, para uma gloriosa notoriedade.
O segredo da ressurreição da Malbec é o terroir único, criado pela combinação da casta com as regiões de altitude próximas a Mendoza, notadamente Luján de Cuyo e o Vale do Uco, na faixa entre 800 m e 1.500m. Ali, o solo, latitude e altitude, com sol mais brilhante e maior insolação, além do frescor do clima, moldam condições ideais. O milagre permite à Malbec suplantar na região em importância a própria Cabernet Sauvignon.
Oriunda de Cahors, e então denominada Côt (como ainda é chamada na França), a Malbec disseminou-se em Bordeaux no século 18, a partir do Pomerol. Espalhou-se rapidamente com sucesso nos cortes em toda região, chegando a ser a casta principal do Château Lafite e das mais cultivadas.
Diz-se ainda que um certo monsieur Malbec teria sido seu grande propagador, daí o nome. Contudo, após a praga da phylloxera, que devastou os vinhedos europeus no final do século 19, a Malbec foi esquecida, tida por muito suscetível a doenças e de difícil produção. Seu declínio prosseguiu através dos tempos na França, exceto em Cahors. A grande geada de 1956 decretou seu desuso em Bordeaux.
Um prodígio ocorreria nos alvores do século 21. A enjeitada Malbec ressurgiu na Argentina com toda glória, voltando a produzir vinhos aclamados e desejados em todo mundo. Havia sido trazida para a região pelos franceses em 1853. A phylloxera, surgida após, não chegou a afetar os vinhedos argentinos, e a casta pôde assim aclimatar-se, através dos tempos, com os clones originais numa região distante de sua origem, mas que se revelaria ideal.
Essa riqueza emergiu no início dos anos 2000, quando a vinicultura argentina surpreendeu o mundo com vinhos de sucesso, a partir de uma enologia renovada e mais ambiciosa. Responsável por essa revolução bem-sucedida, os Malbecs de altitude são o porta-estandartes e principal sustentáculo do crescente prestígio dos vinhos argentinos. E, sem dúvida, os grandes expoentes universais da casta.
Dicas de consumo
Genealogia
Segundo exames de DNA, a Malbec (ou Côt) descende diretamente da Prunelard e Magdaleine Noire des Charentes. Floresceu no sudoeste da França e Bordeaux, irradiando-se a outras regiões do mundo.
Regiões
A Argentina possui, de longe, a maior área plantada, cerca de 50 mil hectares. Na França é relevante praticamente apenas em Cahors. Ainda é pouco cultivada no resto do mundo.
Malbec argentino de altitude
São os melhores e, entre eles, há muitos grandes vinhos. De cor retinta, fruta madura copiosa, cheios e encorpados. Nos melhores exemplos com boa mineralidade, notas a violetas, muitos perfumes e um fundo à caça, taninos finos, complexidade adicional do estágio em madeira e acidez suficiente.
Malbec argentino de regiões baixas
No melhor, frutados, quentes, ricos, confeitados, simples e baixa acidez. No mais, tendência ao rústico, pesados e mais alcoólicos.
Harmonização para Malbecs argentinos
O clássico e regional são carnes grelhadas, incluindo embutidos e vísceras, parrilladas, com os quais vão lindamente. Os de altitude, mais sofisticados, também com algumas aves, pato e marreco. Com legumes e alguns refogados, também com cassoulet. E queijos duros mais curtidos. Os mais simples com pizzas e massas com tomates.
Serviço
Copos semelhantes a Bordeaux. Temperatura em torno de 17° C para os mais sofisticados, um pouco menos para os mais simples. Aceita bem decantação, embora não seja essencial na maior parte das vezes.
Envelhecimento
São vinhos resistentes, mesmo os mais simples suportam bem 5 anos e pouco mais. Os melhores podem viver bem por 20 anos e acima. São menos longevos que os equivalentes em Cabernet Sauvignon.