Guilherme Rodrigues
Notas Báquicas
Desta vez Portugal invadiu a França
São famosas as invasões francesas a Portugal. Inumeráveis foram feitas no Brasil, durante o período colonial. Dentre estas, a mais emblemática ocorreu na Baía da Guanabara, em meados do século 16. Mais adiante, na mais desastrosa de todas, Napoleão foi o invasor, ao ponto de forçar a família real lusitana a debandar às pressas, refugiando-se no Brasil em 1808.
Mas desta vez, em pleno século XXI, é a vez de Portugal invadir a França. A região tomada é nada menos do que Bordeaux; e as tropas lusitanas são formadas por parreiras de uvas das variedades Touriga Nacional (tinta) e Alvarinho (branca).
Os franceses tiveram de dar o braço a torcer num de seus maiores orgulhos nacionais: os vinhos. Atingidos no coração, logo em seu mais famoso ícone, o Bordeaux. Ambas as variedades portuguesas foram admitidas como castas oficiais para esses vinhos. Podem ser cultivadas e empregadas nos rótulos regionais a partir de 2021. Preocupados com os efeitos do aquecimento global sobre a mais valiosa região de vinhos do planeta, os franceses acham que essas duas grandes uvas portuguesas poderão ajudar a manter o elevado padrão, frescor, aromas e sofisticação dos vinhos bordaleses, mesmo que o clima esquente demais no futuro. Afinal, frutificam e dão vinhos sofisticados, de primeira linha, há séculos, no norte de Portugal, onde o calor é maior do que em Bordeaux.
A Touriga Nacional, tinta robusta e de grande classe, faz vinhos retintos, concentrados, tânicos, com muita fruta e complexidade, inclusive nuances florais. De certo modo lembra os melhores atributos da própria Cabernet Sauvignon. Também desempenha lindamente nos cortes – que o digam os grandes Vinhos do Porto – outra característica e necessidade dos Bordeaux, tintos de blend por excelência.
Já a Alvarinho, também com um pé na Espanha (Galícia), onde se chama Albariño, produz brancos fabulosos. Acreditam os franceses que, pela sua secura, corpo e qualidades aromáticas, poderá ser um grande complemento à Sauvignon Blanc e Semillon nos brancos de Bordeaux. Ou quem sabe ir sozinha?
Bem, nesse tipo de invasão, o tempo dirá. Será lenta e gradual. Não espere ver a Touriga Nacional no blend do Château Pétrus nos próximos anos. Nem a Alvarinho no Château d’Yquem ou no Haut Brion Blanc. De início, para que o Bordeaux tenha direito à denominação de origem (AOC), o uso da Touriga e da Alvarinho, nos tintos e brancos, respectivamente, estará limitado aos Bordeaux e Bordeaux Supérieur (também nos Entre-Deux-Mérs brancos para a Alvarinho), em percentual de até 10%.
A limitação inicial busca manter a tipicidade e personalidade bordalesa. Bem sucedidas as novas castas, tanto em qualidade quanto no resultado do corte, terão seu uso ampliado aos cru classes e em maior presença no corte. Não duvidem que nos anos de 2050
vejamos a Touriga Nacional no Mouton Rothschild. Ou um Laville Haut-Brion com Alvarinho.
vejamos a Touriga Nacional no Mouton Rothschild. Ou um Laville Haut-Brion com Alvarinho.
Os céticos e pessimistas, representados na figura do Velho do Restelo, dos Lusíadas de Camões, diriam que o solo em Bordeaux é diferente do granito ou xisto do berço da Touriga em Portugal (Dão e Douro), ou daquele onde floresce a Alvarinho no Minho ou na Galícia. Só o tempo dirá do papel da Touriga e da Alvarinho em Bordeaux. A verdade é que invadiram a França e sua aceitação, logo em Bordeaux, é prova cabal das suas qualidades especiais e superiores. E se for mesmo comprovada sua aptidão para resistir ao aquecimento global, dando vinhos finos mesmo em climas mais tépidos, podem apostar que reinarão ainda com maior majestade no futuro.