Guilherme Rodrigues, colunista do Bom Gourmet
Notas Báquicas
“Degustação em vinhedos da Borgonha é como uma celebração no Olimpo”
Do ano que passou, os vinhos propiciaram alguns momentos grandiosos e inesquecíveis. Destaco uma soirée-dinner, em maio, no icônico Clos de Vougeot, em pleno coração da Borgonha. Nem acreditei quando recebi o convite. Como ser convocado para uma celebração no Olimpo. Era uma confraternização dos benfeitores das obras de restauração das ruínas da Abadia de Saint Vivant, convento beneditino emérito, fundado no século 900, responsável por lavrar e desenvolver, através da Idade Média, alguns dos mais espetaculares vinhedos do planeta, como o Romanée-Conti (antigo Clos de Cloux) e o Romanée-St. Vivant.
A soirée foi organizada por ninguém menos do que Aubert de Villaine, sócio gerente e a alma por trás dos inigualáveis vinhos do Domaine de la Romanée-Conti, presidente da associação “Abadia de Saint Vivant”. Quarta soirée-dinner da série, após 1999, 2002 e 2006. Estrelas de primeira grandeza do mundo dos vinhos da Borgonha, os mais celestiais que existem, responderam presença, ao lado de ilustres personalidades da multifacetada cultura francesa.
O cenário não poderia ser melhor. Os fabulosos vinhedos milenares da Côte D’Or contrastavam com o céu azul primaveril. Tarde ensolarada, atmosfera limpa, temperatura deliciosa. O château do Clos de Vougeot, erguia-se, em sóbrio destaque na paisagem, feito nau em meio a um mar de parreirais verdejantes e ondulantes.
Após entrar e cruzar o pátio interno, fui ao grande salão, no térreo, onde outrora funcionou por séculos a adega. Desde 1945, desativada, passou a sediar as reuniões da famosa “Confrérie des Chevalies du Tastevin”. Os festejos começaram às 4 da tarde, com 2 belas conferências sobre a história da Abadia de St. Vivant, e eventos correlatos, por Mme Denyse Riche e M. Jean-François Bazin, ambos eminentes historiadores. M. Christian Laporte, arquiteto responsável pela restauração, fechou o ciclo com apresentação dos projetos e da obra em andamento.
Em seguida, o ar encheu-se de música. Da melhor música, tocada pelo inigualável Quinteto de Cordas da Orquestra Filarmônica de Berlin. Uma hora e meia que pareceram poucos minutos, tão encantadora e bem interpretadas as melodias de Beethoven, Carl Maria von Weber, Tchaikovsky, Bottesini e Sarasate. Entre os grandes músicos, um brasileiro, o primeiro violino, Luiz Filipe Coelho.
A esta altura não precisava de mais nada. Já era de levitar. Como não? E o vinho? Após o memorável concerto, agora ao ar livre e ainda em pé no pátio do Clos, o inspirado convívio foi nutrido com adoráveis petiscos e refrescante crémant (espumante) da Borgonha. Ah! Outra benesse. Nada de celulares. Os participantes estavam ali para conversar e desfrutar do ambiente. Nada de selfies, fotinhas, dedilhar de celulares. Comportamento natural do público educado.
Com a noite querendo entrar, os convidados subiram as escadas até o primeiro andar do prédio principal, um belo salão com grande lareira e janelões abertos às vinhas adjacentes. Tive a graça especial de ser acomodado ao lado de ninguém menos do que o mítico Jean-François Coche-Dury, a divindade maior no mundo em se tratando de vinhos brancos. Mesa inspiradíssima.
Pratos deliciosos, serviço impecável e perfeita harmonia com os vinhos. Aubert de Villaine escalou dois rótulos do DRC para o jantar. Entre eles, deu-nos o privilégio do raríssimo branco Bâtard-Montrachet 2008. De tão poucas garrafas produzidas, não é comercializado. Apenas disponível para eventos privados do Domaine. Amanteigado, mineral, maçãs, rosas brancas, cheio, rico e potente. Sensacional.
Fez excelente contraponto para o branco servido anteriormente, outra raridade, o Nuits Saint-Georges Blanc 1er cru “Les Terres Blanches”, de 2012 – muito raro um Nuits St. Georges branco. Produzido pelo Hospices de Nuits, tinha uma profundidade, mineralidade e precisão inimagináveis. Muito longo em boca, fino, potente.
Ao fim do jantar M. Coche Dury perguntou-me: – Que vinho gostou mais? Como sair da enrascada? Elogiei e procurei descrever o principal tinto, estupendo, de que falarei a seguir. Depois, idem ao Bâtard-Montrachet, afinal um rei em plena majestade. Ele ficou olhando. Então completei que achara o Nuits branco maravilhoso, surpreendente. Abriu um sorriso e comentou: – Voce sabe provar. Esse Nuits é mesmo um grandioso vinho branco.
Dentre os tintos, uns 6 Clos de Vougeot 2009, diferentes rótulos, servidos com o mesmo prato. Interessante perceber as nuances, diferenças de produtores, das situações da parcela da vinha. Gostei mais do Gros Frère et Sœur (não confundir com o Domaine AF Gros). Fechando o cortejo divino da Borgonha, nada menos do que o emblemático Romanée St. Vivant 1.988, do Domaine de la Romanée-Conti – em magnum. No auge da pujança da maturidade, com força para muitos anos ainda. Perfumado, profundo, miríade de nuances e sabores, chá, tabaco de leve, belo frutado evoluído e maduro, sofisticado. Saímos à uma da madrugada, em estado de graça. Alguns franceses, felizes e rosados, continuaram a conversar animados em algumas mesas, a safar o serviço das aguardentes (Vieux Marc e Licor de Prunelle, ambos da Borgonha).
Resta erguer um brinde aos leitores e desejar que 2018 lhes traga muitos e bons vinhos.
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