Guilherme Rodrigues
Notas Báquicas
Fraudes milionárias
Imagine um vinho que custa um milhão de reais. Ainda não chegou ao topo. Um raríssimo Romanée-Conti 1.945 bateu recentemente o recorde do vinho mais caro do mundo, a 558 mil dólares, cerca de nada menos do que 3 milhões de reais. Por uma garrafa de 750 ml. Agora, pense num bilionário que pagou preços estonteantes de 6 ou mais dígitos por um rótulo, para descobrir depois que era falso. E, no dia seguinte, a garrafa vale zero. Ou, pior ainda, comprou garrafas e mais garrafas de vinhos raros e caríssimos, depois condenadas por imitações baratas.
Bom, esse Romanée-Conti 45 de que falo acima era verdadeiro, de origem bem conhecida e induvidosa. Agora, infelizmente há uma certa indústria de rótulos fake, para fraudar ricaços que se atiram avidamente e sem pestanejar sobre os mais raros vinhos de todos os tempos. Por exemplo, as famosas garrafas de Château Lafite que teriam pertencido a Thomas Jefferson, de safras da década de 1780. Ou o Cheval Blanc 1947, Mouton Rothschild 1945, Henri Jayer Clos Parantoux ou Richebourg, Châteaux Margaux, Pétrus, d’Yquem, La Tâche e tantos outros vinhos icônicos de safras antigas e famosas.
Um problema que sempre assolou o mundo das artes e antiguidades veio a pipocar, a partir da década de 1990, nos vinhos raros, quando os preços pagos por rótulos lendários subiram à estratosfera. Aí passou a ser “negócio” vender gato por lebre. Chegou a tal ponto que virou manchete internacional e rendeu processos em tribunais.
Apenas um notório fraudador, depois condenado e preso pela Justiça dos Estados Unidos, Rudy Kurniawan, comprovadamente vendeu cerca de 20 milhões de dólares em falsificações. Estima-se que a cifra total possa ter ido além dos 100 milhões de dólares. A polícia descobriu na sua casa uma fábrica de vinhos antigos. O sujeito era famoso, midiático e insinuante. Cercado de glamour e fama, promovia degustações e leilões mundo afora acrescendo às mesas notórios críticos de vinhos, suspirando notas 100, ludibriados por falsificações que acreditavam vinho verdadeiro. Uma máquina de vendas, num verdadeiro frenesi.
Descobriu-se uma oficina que possuía até brocas de dentistas para gravar em baixo relevo nas garrafas fabricadas imitando inscrições dos anos de 1.780, cinzelando as letras com as iniciais, dando ares de autenticidade à garrafa de mentira. A fogueira crepitou tão forte ao ponto de render um livro, “Billionaire’s Vinegar” (“Vinagre de Bilionários”), acerca um dos mais notórios episódios desse outrora glamuroso mercado.
Não faltam casos da China, com apreensões de lotes de milhões de dólares de Château Lafite falso. Algumas imitações eram tão toscas ao ponto de utilizar uma garrafa de formato totalmente diferente da real. Certamente destinada a um público local endinheirado, ávido por ostentação de imagem, mas totalmente ignorante quanto ao produto.
Até garrafas de grande formato eram vendidas, de safras em que o vinho verdadeiro sequer fora engarrafado nesse tipo de garrafa. Famoso o caso do grande produtor Laurent Ponsot, da Borgonha. Ao ver garrafas antigas de seu vinho anunciados em leilão, apressou-se a acorrer ao local para avisar que naquele ano a casa não tinha sequer engarrafado o vinho.
Felizmente essas falsificações parecem não atingir o mundo dos mortais. As notícias de fraudes desse tipo sempre vêm associadas a rótulos muitíssimo caros e raros. De fato, ao que tudo indica, não compensa falsificar garrafas de vinhos com preços mais em conta – ainda que caros. E se o vinho nosso de cada dia é adquirido de boa fonte, o risco de comprar gato por lebre quase não existe.