Dani Machado
Mesa Afora
A Gastronomia de quintal de Caio Soter
Passei quase uma semana em Belo Horizonte e minha admiração pela cidade só aumentou. Para mim, a capital mineira está crescendo e entregando muita gastronomia. Um dos nomes que está a favor deste movimento é o chef Caio Soter. O talentoso chef mineiro tem uma história afetiva linda. Após descobrir sua paixão durante um intercâmbio nos Estados Unidos, ele fundou a Umami Steaks em parceria com um amigo de infância, o que o levou a trabalhar com renomados chefs locais, como Felipe Rameh, Flávio Trombino, Fred Trindade e Felipe Galastro.
Em 2019, Caio assumiu a chefia do Alma, um dos principais restaurantes da cidade, por lá desenvolveu sua cozinha autoral com base na tradição mineira e ingredientes regionais, valorizando pequenos produtores locais. Como eu pude acompanhar em um passeio com ele pelo Projeto Criolo, que cultiva o produto mais ancestral mineiro, o milho criolo. Inclusive, um dos produtos mais utilizados principalmente por ter esta correspondência histórica.
Em 2020, após ter seu nome reconhecido em diversas premiações, o chef participou do programa Mestre do Sabor, da Rede Globo. Por lá, fez amigos do coração como a nossa paranaense Claudia Krauspenhar, do K.sa Restaurante, Kaywa Hilton do Boia e, Salvador e Dario Costa da Churrascada do Mar, inclusive campeão daquela edição. Esta amizade rendeu um jantar especial dia 1.º de agosto em seu mais famoso restaurante, o Pacato. Junto com o chef executivo do Grupo D.O.M. , Rubens Catarina, realizaram um evento especial chamado “Jantar dos amigos”.
Posso dizer que foi um jantar memorável, uma linda harmonização entre diversas cozinhas surgiu àquela noite. Cada chef preparou uma parte do menu. Caio iniciou a noite com o couvert, castanhas de Baru com pó de quiabo e pão com manteiga de ervas. Em seguida, vieram os beliscos, como chamam por lá. Ostra de frango, prato famoso no menu de Caio Soter, pinhão, peixe curado e limão confit, casquinha de siri delicada com botarga, brioche de dendê no vapor e inhame roxo com banana da terra defumada e castanha, sensacional.
A entrada ficou por conta da chef Claudia, que surpreendeu a todos com sua salada escultural de chuchu. Está aí um vegetal bobo que protagonizou um menu. Parabéns!
Primeiro principal ficou por conta do chef Dario, que preparou uma trilha, peixe pequeno de água salgada que se alimenta de camarões o que resulta em uma coloração mais rosada e sabor que lembra o camarão mesmo. O milho e glace de porco trouxeram uma crocância especial ao prato.
O segundo principal estava com pé em Minas. Kaywa serviu carne de porco com mexilhão e feijão manteiguinha belamente temperado e toque de kimchi.
Rubens Catarina surpreendeu aos comensais com a sobremesa. No menu, o nome era tartelete de toffee com geleia de pimenta. Mas, na boca, a surpresa: a sobremesa incluia um patê de fígado de galinha perceptível na primeira bocada por ser extremamente agradável na mistura com o caramelo.
Para finalizar, ainda um cafezinho e um pãozinho de queijo com doce de leite fermentado, afinal aqui é BH UAI.
Pacato
A admiração da pintura “O Violeiro”, de Almeida Junior (1899), sempre fez com que o chef Caio Soter refletisse sobre o tempo das metrópoles e da vida moderna em contraposição ao tempo e ao estilo de vida das pequenas cidades: a beleza e os detalhes se perdem quando não há tempo para contemplá-las. Assim nasceu em 2021 o Pacato, primeiro restaurante do chef. E posso contar que sete meses depois eu estive lá, provando pela primeira vez o menu autoral do Caio.
Antes do evento jantei lá novamente, conheci a segunda edição do seu menu que homenageia o Vale do Jequitinhonha. Chamado Da Lama Ao Barro – Jequitinhonha: volume 2, é um menu repleto de história e essência mineira, com ingredientes regionais e um toque leve e surpreendente.
Segundo o chef, o Vale do Jequitinhonha é muito rico, ele poderia ter um restaurante só para explorar este tema, pois o local é a essência do mineiro, o mineiro pé atrás, por isto ele quis fazer a viagem de ida e de volta. No primeiro menu, o discurso da degola, onde eles criticam, era muito presente. Agora, no segundo, a ideia é encontrar caminhos de propor melhorias. Um dos seus trabalhos está sendo o auxilio na criação de pitus, um camarão de água doce, parecido com uma lagosta. Este segundo menu veio com maior aprendizado e quer realmente entregar soluções.
Criativo, o menu inicia com um café da manhã bem mineiro, mas claro, autoral. Cafézinho da cidade de Medina, no Jequitinhonha, passado com água de milho e canela. Pão de pequi com craquelin de polvilho, manteiga de porco, pamonha frita e biscoito de queijo assado com fonduta de canastra completam este despertar.
Os beliscos são servidos em cima de casinhas, toda louça produzida também no Jequitinhonha. Ostra de frango com vinagrete de cana, picles de minijiló em tempurá, parabólica de mandioca com bresaola de sol de Montes Claros e creme de requeijão moreno.
Em seguida, não pode faltar um refresco. O mineiro espera ansioso pelo carro do sorvete em meio ao calor excessivo da região, aqui ele vem em formato de picolé, mas é de milho fermentado e pó de angu.
A pescaria traz o resgate de uma espécie que já foi muito típica da alimentação mineira e hoje não é mais, o Pitu. Ele vai à mesa defumado com milho verde de sabor irresistível e adocicado.
Depois do almoço, no meio da tarde, precisa de um lanchinho, né? Desta vez, duas empadinhas, uma de rosbife de porco com castanha e aioli de pequi e uma de pipoca e esfera de milho.
A Janta, uma picanha de sol cortada fina, como se picanha fosse, é servida com vinagrete e bearnaise de manteiga de garrafa.
A degola vem com peito de frango assado com farce de sobrecoxa e urucum, ballotine com quiabo e purê de abóbora tostada e frango com quiabo. Caio chama este prato de o ponto mais dramático do menu, feito para repensar na sangria que acontece em Minas há alguns séculos, além do ouro outros minérios foram tirados da região.
Finalizando sempre doce com compota de frutos do serrado. As compostas são a herança que ficou de Portugal, diz o chef durante a explicação. E mais docinhos com cafezinho, destaque para a bala de coco com marmelada.
Pirex
Além do restaurante famoso de cozinha autoral, o chef é responsável pelo bar Pirex, que fica na Galeria São Vicente, em frente à Praça Raul Soares. A história é ótima, o local, antes abandonado, passou por uma revitalização e hoje é um point com ótimos bares. O Pirex é um deles. Na cozinha, a chef Isabela Rocha, Rochinha como é amada por todos, prepara delícias que ficam em estufas e também porções deliciosas.
Estes dias com o chef Caio Soter reforçaram a minha ligação com a cozinha mineira. Espero voltar em breve para saborear mais das maravilhas gastronômicas de Belo Horizonte e o chef Caio Soter.