Guilherme Rodrigues
Vozes
Marcelo Papa, enologia diferenciada no Chile
Marcelo Papa, diretor técnico da Concha Y Toro. Divulgação
Conheci Marcelo Papa em 2004, numa visita de vários dias à Concha y Toro. Enólogo da grande vinícola desde 1998, era responsável pelo Marques de Casa Concha e Casillero del Diablo, dois rótulos emblemáticos, aclamados internacionalmente e líderes incontestes em suas categorias.
Desta vez, estivemos juntos em Curitiba, conversando sobre a evolução desses últimos 20 anos. Marcelo ascendeu a nada menos do que diretor técnico da poderosa e influente Concha y Toro.
Mas não abandonou sua criação de sucesso, o Marques de Casa Concha. Limitada sua atuação direta agora aos grandes cabernets de Puente Alto e Pirque, o paraíso dessa casta na América do Sul. Em Puente Alto selecionou um vinhedo muito especial de cerca de 53 ha, o El Mariscal. Plantado metade em pé franco e metade com porta enxertos especiais, 5 cavalos diferentes, dentre os melhores de Bordeaux e Califórnia. Com cerca de 25 anos, a vinha está entrando no seu auge. Experiência e comparação mostraram que as parreiras em pé franco dão vinhos mais refinados, taninos mais finos. A partir delas sai o Heritage, novo ícone da linha. As demais uvas enriquecem o Marques de Casa Concha normal e o Etiqueta Negra.
Agregou ainda mais duas grandes criações de terroir diferenciado, o Amelia Chardonnay e o Amelia Pinot Noir, ambos do vinhedo Quebrada Seca. Situado em local muito especial, com solo argilo calcário, coisa rara no Chile, privilégio do vale do Limari – a nova fronteira para os grandes Chardonnays e Pinot Noir do Chile. Muitos devem lembrar que o Amelia, precursor e líder dentre os Chardonnay do Chile, provinha do vale de Casablanca desde sua inovadora criação, em 1993 . A partir de 2017, mudou-se para o Limari. De clima mais fresco, pela influência do mar próximo e bem frio, como o Napa Valley. Contando ainda com solos argilo calcários, Limari é uma espécie de Borgonha do Chile.
Além do perfeito domínio das técnicas enológicos, percebe-se em Marcelo a mais profunda atenção ao terroir. Vale dizer, a valorização do melhor solo e região para cada casta. Nisso é mestre no Chile. Valoriza também um cultivo o menos intervencionista possível dos vinhedos, numa prática integrada, quase orgânica, mantendo-se a vida dos solos e sanidade das vinhas. Também a busca pela elegância e frescor dos vinhos, com ênfase na sapidez, fluidez e complexidade. Para tanto, faz vindimar as uvas o mais cedo possível, apenas nas janelas iniciais do período da colheita.
Ao lado da trajetória vitoriosa de Marcelo, vê-se refletida igualmente a imagem de qualidade e sucessivo refinamento dos vinhos da Concha y Toro, com a marcada identidade de cada região e casta associada, que formam a personalidade diversificada de terroirs do Chile.
A seguir, as notas de prova dessas 3 grandes criações de Marcelo Papa (garrafas adquiridas em Curitiba, disponíveis na Adega Brasil e outros pontos de venda).
Três grandes vinhos de Marcelo Papa
HERITAGE Marques de Casa Concha 2020
Concha y Toro – El Mariscal -Puente Alto – Valle del Maipo – Chile
84% Cabernet Sauvignon, 12% Cabernet Franc, 4% Petit Verdot
Nota 94
Elaborado a partir de vinhas em pé franco, uma cor rubi profunda, intensa e brilhante entusiasma já no olhar. Aromas intensos e aveludados enchem os sentidos, com uma fruta vermelha madura, a cassis e amoras, temperada por boa complexidade. De ótimo frescor e vida, nem dá vontade de beber, só ficar cheirando. Em boca faz por confirmar a qualidade, com frutado untuoso, rico e maduro, refrescado por acidez refinada, taninos finos e uma ótima fluidez. Um tinto encantador, exclusivo, com cerca de apenas 4.500 caixas produzidas. Fermentado em tanques de inox e estagiado em barricas de carvalho francês (40% novo) por cerca de 16 meses. Ótimo para beber já em grande estilo, também com força para manter-se em forma por mais 15 anos ao menos.
AMELIA Pinot Noir 2017
Concha y Toro – Quebrada Seca -Valle del Limari – Chile
Nota 92
Cor rubi com nuances púrpuras, mais aberta, mas nem por isso menos intensa, característica da Pinot Noir. No momento dominado por um belo frutado a framboesas e cerejas negras, intenso e muito bem composto, denso, firme , bem focado e profundo. Ao nariz, menos opulento no momento, nem por isso menos atraente, exibe-se aos poucos. Nuances almiscaradas e algo de especiarias e minerais enfeitam o vinho. Inimaginável um Pinot Noir com essa qualidade a 30º de latitude. Metade das uvas é desengaçada, mas sem partir a película. Seguem para maceração pelicular a frio por 4 a 5 dias, com pigeage. Depois fermentam em tanques abertos de inox entre 20ºC a 24ºC por mais uns 12 dias. Estagia 12 meses em barricas de carvalho francês (20% novo e 80% de segundo e terceiro uso). Bebe bem no momento (perfeito com as refeições). Tem tudo para desabrochar um grande bouquet em mais uns cinco anos, mantendo-se em forma por bom tempo.
AMELIA Chardonnay 2022
Concha y Toro – Quebrada Seca -Valle del Limari – Chile
Chardonnay
Nota 95
Um show de branco. Muito atraente e sofisticado. Uma deliciosa base rica, fresca e mineral, que lembra mel de acácias, deixa logo uma sensação muito gostosa e diferenciada aos sentidos. Por baixo sobressai um corpo elegante, sápido e amanteigado, com notas profundas e amplas a maçãs maduras e um toque a maçãs assadas, boa mineralidade. Um cítrico bem colocado, para dar mais vida ainda, sem se sobrepor, e um leve floral. Bela tensão sobre o palato, contínua, do começo ao fim de boca. Num estilo que remete a Puligny-Montrachet, tem ainda um sutil e delicioso salgadinho, faz salivar. Cerca de 1.200 caixas apenas dessa jóia para todo mundo. Fermentado em barris de carvalho francês (cerca de 15% novo) em torno de 20ºC. Estágio de 12 meses em barris de carvalho francês (10% novo). A madeira não se sobrepõe, compondo em harmonia e enaltecendo o vinho.
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