A Xepa, com André Bezerra e convidados

A Xepa, com André Bezerra e convidados

Vozes

E tudo começou com a tal cebola... peripécias de um cozinheiro metido a tal

25/04/2025 19:26
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Por Luiz Augusto Xavier
Você nunca vai ser cozinheiro na vida!!

Aquela voz estridente me pegou fundo e cheguei a imaginar a possibilidade de aquele vaticínio ter fundamento. Tudo porque, cansado daquele arroz com ovo do dia a dia, decidi também participar da elaboração das refeições daquele jovem casal ainda nos primeiros anos de convivência.
Vi lá uma receita qualquer que interessou, peguei uma cebola, uma faquinha (de serra, imagine!), sentei-me à mesa e comecei a cortar. A serrar, mais propriamente dito.
Sim, hoje sei que ela tinha razão em criticar, não era mesmo a melhor maneira de cortar a cebola, mas que não o fizesse daquele jeito. Pelo menos poderia me dar o direito de começar. Cozinhar era meu sonho, minha meta, desde os primeiros dias de casado. Comprava qualquer fascículo que aparecesse nas bancas de jornal e ia montando os cadernos, fascinado por aquele mundo de cores e de inimagináveis sabores que cada foto sugeria.
Cozinhar, que é bom, nada. Um dia, antes desse “grito de alerta”, tínhamos decidido fazer um vatapá e convidar os amigos de faculdade, a turminha nossa, de muitos encontros. O vatapá até que ficou parecido com o normal, mas todos se espantaram quando foram beber o vinho. Era uma espécie de moscatel, bem doce (imagine isso nos anos 70), longe do agrado daqueles cervejeiros. Não me intimidei e saí com essa: “é, mas lá na Bahia é assim que eles comem, esse é o estilo deles…” – por sorte, nenhum deles ainda tinha ido à Bahia, tudo explicado e resolvido.
Mas isso foi bem antes. Depois daquele corte, murchei e fiquei na minha.
O segundo casamento me deu a chance de arriscar um pouco na cozinha. Tinha companhia interessada nisso e fomos cúmplices em dezenas de novas tentativas de pratos, muitas das quais deram certo. Questão de paciência e fé. Ambos jornalistas, quem chegasse primeiro em casa assumiria a cozinha e seria auxiliado pela outra parte. Dava muito certo.
Quer dizer, nem sempre. Viajando como jornalista esportivo, adorava quando tinha jogo para cobrir no Rio de Janeiro, pois jantar na Fiorentina, no Leme, na véspera da partida, era assunto cravado. Só pedia Lagosta ao Thermidor, com todo requinte que ela exige.
De volta a Curitiba, pensava em comer lagosta, mas os preços dos restaurantes eram proibitivos para os salários de dois jovens em início de carreira. Ficava na vontade. Até o dia que decidi encarar. Tinha um peixeiro no Mercado Municipal, o Ludovico Serpa, que me atendia sempre. Um dia contei a ele da minha frustração por não poder comer lagosta por aqui e ele me rebateu de chofre: “Faça, vai ver como consegue”.
Não só me vendeu duas caudas de lagosta (hoje acho que eram de sapateira, gosto muito) como me deu um livrinho de receitas que ele mesmo elaborara, explicando como preparar pescados. “É só seguir a receita e não tem erro” – garantiu. Claro que não era bem assim. Acertei no tempero, nos complementos, mas a lagosta ficou horrível, chicletuda, não dava para comer. Jantamos o molho com arroz, estava muito gostoso.
Tanto insisti, tantas outras perdi, que, pensando bem, daria até para ir a um restaurante comer lagosta. Mas, pelo menos, depois de vários estragos, aprendi a fazer, ao constatar que o cozimento é quase como o de camarão ou lula. Ou seja, mínimo de tempo. Ufa!
Um dia me achei pronto para elaborar qualquer prato e convidei o Gilberto Gil para almoçar. Sim, ele mesmo. Eu escrevia sobre música e tinha, não apenas todos os discos que eram lançados, como também contato com os artistas que aqui vinham se apresentar. Num sábado, conversando com ele no Hotel Mabu (faria um show no Guairão à noite), disse que gostava de cozinhar e pretendia fazer um Efó no almoço de domingo (prato baiano com espinafre, taioba, camarão seco e outros ingredientes). “Eu vou” – disse ele, me dando um susto. Já tínhamos convidado o Óscar (compadre nosso), que ficou de levar uma Torta de limão para a sobremesa. Saí do Mabu direto pro mercadão e comprei tudo o que precisava.
No domingo, na pressa de fazer a coisa certa, me esqueci de dessalgar o camarão. O Efó ficou “incomível” (sic). Eu desesperado, dali a pouco bate o telefone. Reconheci a voz do divulgador da gravadora, que o levaria e achei que estivessem a caminho. Desliguei o telefone aliviado. Ele não poderia ir almoçar, porque o show lotou de tal maneira no sábado, que decidiram fazer uma sessão extra domingo. E daí não poderia almoçar nada pesado. Óscar, Graça e eu almoçamos aquela sensacional torta de limão, que até hoje me parece ser a mais saborosa de todas que provei.
Então, aos poucos, fui me acertando na cozinha. E no corte da cebola também. Consequência? Ganhando plateia entre os amigos mais próximos. Meus provadores oficiais, costumava dizer, eram o Manoel Carlos Karam (na época secretário de redação de O Estado do Paraná), o fotógrafo Orlando Kisner e o ilustrador e cartunista Luiz Cesar Bellenda. Todos nós muito metidos, só querendo sair do trivial, num desfile que proporcionou Xin xin de galinha, Carne de sol com macaxeira e manteiga de garrafa, Coquetel de camarão e alguns mais.
De tal forma nos entrosamos, que um dia o Karam apareceu com uma receita, que recortou do Estadão: Camarão na moranga. Já era sucesso em São Paulo, mas ainda não tínhamos ouvido falar. Confiantes, decidimos fazer. Aquela moranga enorme, o interior dela revestido com catupiry, o camarão refogado dentro e forno. Ficou deliciosa e, depois de repetirmos e repetirmos, alguém levantou a questão: “e onde entra a moranga nisso”?
Num impulso, cutucamos a moranga, aquela polpa macia e atraente estava divina. Alguém foi buscar mais cerveja, os pratos retornaram da pia, onde seriam lavados, e começamos tudo de novo, sem o camarão, mas com aquele molhinho dele na moranga.
Tudo era tão divertido e interessante (sim, e deleitoso), que levei a prática às minhas coberturas internacionais. Foi a partir da Copa da Itália, em 1990, quando sugeri ficarmos hospedados em um apart hotel, que houvesse como cozinhar. O apartamento de Turim era minúsculo, com duas bocas elétricas dentro de uma porta do guarda-roupa, só que a verba também era curta.
Conseguimos até permuta na feira. “I miei amici brasiliani” – bradava Nelo, da banca de legumes, para quem conseguimos um autógrafo do centroavente Careca (na época jogava no Napoli). E nunca mais teve como pagar por legumes e verduras para a nossa micro cozinha.
No Mundial seguinte, nos EUA, alugamos um belo sobrado em um condomínio horizontal de Sunnyvale, no Vale do Silício. E poder comer em casa foi a salvação para fugir da comida deles, com aqueles molhos agridoces e apimentados em quase tudo. Fiz até um concorrido pernil de cordeiro, ao qual apareceram mais de 40 pessoas, sei lá de onde. O cozinheiro estava se aprimorando.
A Copa da França foi a última com cozinha própria. Irapitan Costa e eu ficamos num pequeno studio na região da Place d’Italie, em Paris, e, como a seleção brasileira só liberava o treino da tarde para a imprensa, a manhã era para compras nos mercados e até para cursos de técnicas básicas de cozinha.
Numa noite daquelas, meio apurado, terminando meu texto para o jornal, pedi pro Irapitan dar uma força no início do preparo, picando uma cebola. Iria sair um belo Cassoulet. Quando olhei pra ele, estava sentado, cortando a cebola com uma faquinha de serra. Ia reclamar, mas aí me lembrei do começo dessa história aqui e só dei uma dica: “pegue aquela outra faca, que corta melhor”. Isso e mais nada: vá lá que ele se tornasse um grande cozinheiro qualquer dia.

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