Thumbnail

Farol das Conchas, na Ilha do Mel

Rui Morschel

Comida de Verdade

Um fim de semana para relaxar na Ilha do Mel (ou seria uma reflexão sobre preços de restaurantes?!)

09/03/2023 17:49
Praia, sombra e água fresca. Quem não quer, não é mesmo? Foi buscando um final de semana para relaxar que desci a Serra do Mar (a bordo da motoca para evitar o trânsito das obras, malandro que sou) e fiquei hospedado na Ilha do Mel, um dos lugares mais bonitos do nosso litoral.
Para quem não conhece, a Ilha do Mel fica na costa paranaense, pertence a Paranaguá mas o acesso mais fácil é pelo canal de Pontal do Sul, a 115km de Curitiba. Lá chegando, você estaciona seu carro (ou moto) nos vários estacionamentos locais e realiza o translado por barco para a ilha (é o único meio de acesso – marítimo). A ilha não possui veículos motorizados, sendo o transporte lá dentro realizado a pé, de bicicleta ou com carrinhos de mão. Não é incomum passar várias vezes por trabalhadores calejados do sol carregando carrinhos com malas de rodinhas de turistas de primeira viagem. Neste ponto você já percebe uma das características da ilha: a logística.
Tudo bem! Malas na pousada, sol forte na nuca, é hora de tomar uma cervejinha para esperar o resto da turma que veio de carro. E a surpresa: uma garrafa de 600ml a R$25? O que é isso?! Um roubo em plena luz do dia?!
Ok... Tenho sede, pode mandar! Se bem que uma porçãozinha de peixe não cairia mal né?! O LOCO BICHO, R$90 em 300g de peixe empanado?!?! Mas não é possível isso!!
Pois
então, é possível. Muito possível.
Com certeza você já ouviu falar dos “preços absurdos e abusivos” da Ilha do Mel, e como “eu só não vou mais pra lá por causa disso!” É claro, para nós moradores de grandes centros, com tudo à disposição no toque do seu celular e mais alguns minutos de espera, valores como os citados assustam. Mas não deveriam. Afinal, não tem aplicativo de entrega na ilha por algum motivo. E este é a característica citada da ilha, sua logística!
Um dos principais destinos turísticos do Paraná, Ilha do Mel tem logística complicada.
Um dos principais destinos turísticos do Paraná, Ilha do Mel tem logística complicada.
Se por aqui temos centenas de motoboys ávidos pelas ruas, dezenas de comércios locais com estoque cheio e outras dezenas de prestadores logísticos de inúmeros setores, em uma ilha isso é um pouquinho diferente. Em primeiro lugar, o acesso! Como falei acima, apenas por barco.
Nós sabemos que para um caminhão descer a serra com insumos para o litoral já é complicado, imagine para a ilha. Há a travessia em pequenas quantidades, o trabalho de carregamento/descarregamento, isso sem falar na estrutura de armazenagem de tudo isso.
Em segundo lugar, o próprio transporte na ilha. Não há asfalto e motores, apenas areia e carrinhos. Se você já não consegue carregar sua pequena mala de 12kg por menos de 1km até sua pousada com ar condicionado, imagine como é carregar dezenas de vezes por dia quilos e mais quilos de mantimentos, bebidas, utensílios... É o famoso “custo-Brasil” em seu mais puro conceito.
Nós estamos apenas exemplificando mantimentos para pousadas e restaurantes, mas podemos ir além. Não há uma loja de materiais de construção na ilha como há por aqui. Se um mini-mercado quer construir um novo depósito, isso significa trazer de barco tijolos, cimento, ferro. Já parou pra pensar em como tudo isso funciona, na prática?
Ah, e sem falar na mão de obra especializada. Para construir algo na ilha, não tem “maridos de aluguel” ou “aquele pedreiro bão que o Zé indicou”. Não, meu amigo, tudo isso precisa ser trazido do continente, diariamente (ou por trabalho/temporada).
São inúmeros exemplos que eu poderia trazer, mas acho que aqui você já entendeu o raciocínio. Então, eu te pergunto, R$ 25 em uma cerveja, é caro?
Temos uma facilidade de julgar o trabalho do setor gastronômico (e turístico também) quando não paramos para pensar nos seus desafios. “Mas lá na minha cidade a coca é ‘3 pila’, e o cara quer me cobrar R$8!? Que folgado!!”. É, se o único trabalho que você viu dele foi tirar a lata da geladeira e servir no seu copo, realmente a “folga” parece ser uma boa desculpa para seu argumento.
Mas se ele teve que fazer o pedido com dois dias de antecedência para a capital, esperou esse tempo, teve que ir até o continente e voltar com barco, descarregar e caminhar centenas de metros sob o sol até seu restaurante, ter uma geladeira em bom estado mesmo com a maresia para gelar, e ainda um sorriso no rosto para escutar “nossa, mas esse preço daqui da ilha tá um absurdo, depois que a gente parar de vir eles vão ver só uma coisa..” aí, meu amigo, eu acho bem válido o VALOR que é cobrado.
Na próxima vez que for para a ilha, lembre deste texto. Mas sem cobrança para seu auto-conhecimento e empatia tá? A intenção aqui é realmente valorizar o próximo e, principalmente, o seu tempo. Afinal, se desceu a serra sem carregar nenhum pacote de refri para “não ter trabalho”, tudo bem. Valorize o trabalho de quem fez isso, beba sua coquinha gelada e curta a Ilha do Mel, um dos lugares mais bonitos da costa paranaense.
*Deixe sua opinião sobre esta reflexão aqui nos comentários ou lá no meu instagram @ruimorschel.

Participe

Qual prato da culinária japonesa você quer aprender a preparar com o Bom Gourmet?

NewsLetter

Seleção semanal do melhor do Bom Gourmet na sua caixa de e-mail