Rui Morschel
Comida de Verdade
Um fim de semana para relaxar na Ilha do Mel (ou seria uma reflexão sobre preços de restaurantes?!)
Praia, sombra e água fresca. Quem não quer, não é mesmo? Foi buscando um final de semana para relaxar que desci a Serra do Mar (a bordo da motoca para evitar o trânsito das obras, malandro que sou) e fiquei hospedado na Ilha do Mel, um dos lugares mais bonitos do nosso litoral.
Para quem não conhece, a Ilha do Mel fica na costa paranaense, pertence a Paranaguá mas o acesso mais fácil é pelo canal de Pontal do Sul, a 115km de Curitiba. Lá chegando, você estaciona seu carro (ou moto) nos vários estacionamentos locais e realiza o translado por barco para a ilha (é o único meio de acesso – marítimo). A ilha não possui veículos motorizados, sendo o transporte lá dentro realizado a pé, de bicicleta ou com carrinhos de mão. Não é incomum passar várias vezes por trabalhadores calejados do sol carregando carrinhos com malas de rodinhas de turistas de primeira viagem. Neste ponto você já percebe uma das características da ilha: a logística.
Tudo bem! Malas na pousada, sol forte na nuca, é hora de tomar uma cervejinha para esperar o resto da turma que veio de carro. E a surpresa: uma garrafa de 600ml a R$25? O que é isso?! Um roubo em plena luz do dia?!
Ok... Tenho sede, pode mandar! Se bem que uma porçãozinha de peixe não cairia mal né?! O LOCO BICHO, R$90 em 300g de peixe empanado?!?! Mas não é possível isso!!
Pois
então, é possível. Muito possível.
então, é possível. Muito possível.
Com certeza você já ouviu falar dos “preços absurdos e abusivos” da Ilha do Mel, e como “eu só não vou mais pra lá por causa disso!” É claro, para nós moradores de grandes centros, com tudo à disposição no toque do seu celular e mais alguns minutos de espera, valores como os citados assustam. Mas não deveriam. Afinal, não tem aplicativo de entrega na ilha por algum motivo. E este é a característica citada da ilha, sua logística!
Se por aqui temos centenas de motoboys ávidos pelas ruas, dezenas de comércios locais com estoque cheio e outras dezenas de prestadores logísticos de inúmeros setores, em uma ilha isso é um pouquinho diferente. Em primeiro lugar, o acesso! Como falei acima, apenas por barco.
Nós sabemos que para um caminhão descer a serra com insumos para o litoral já é complicado, imagine para a ilha. Há a travessia em pequenas quantidades, o trabalho de carregamento/descarregamento, isso sem falar na estrutura de armazenagem de tudo isso.
Em segundo lugar, o próprio transporte na ilha. Não há asfalto e motores, apenas areia e carrinhos. Se você já não consegue carregar sua pequena mala de 12kg por menos de 1km até sua pousada com ar condicionado, imagine como é carregar dezenas de vezes por dia quilos e mais quilos de mantimentos, bebidas, utensílios... É o famoso “custo-Brasil” em seu mais puro conceito.
Nós estamos apenas exemplificando mantimentos para pousadas e restaurantes, mas podemos ir além. Não há uma loja de materiais de construção na ilha como há por aqui. Se um mini-mercado quer construir um novo depósito, isso significa trazer de barco tijolos, cimento, ferro. Já parou pra pensar em como tudo isso funciona, na prática?
Ah, e sem falar na mão de obra especializada. Para construir algo na ilha, não tem “maridos de aluguel” ou “aquele pedreiro bão que o Zé indicou”. Não, meu amigo, tudo isso precisa ser trazido do continente, diariamente (ou por trabalho/temporada).
São inúmeros exemplos que eu poderia trazer, mas acho que aqui você já entendeu o raciocínio. Então, eu te pergunto, R$ 25 em uma cerveja, é caro?
Temos uma facilidade de julgar o trabalho do setor gastronômico (e turístico também) quando não paramos para pensar nos seus desafios. “Mas lá na minha cidade a coca é ‘3 pila’, e o cara quer me cobrar R$8!? Que folgado!!”. É, se o único trabalho que você viu dele foi tirar a lata da geladeira e servir no seu copo, realmente a “folga” parece ser uma boa desculpa para seu argumento.
Mas se ele teve que fazer o pedido com dois dias de antecedência para a capital, esperou esse tempo, teve que ir até o continente e voltar com barco, descarregar e caminhar centenas de metros sob o sol até seu restaurante, ter uma geladeira em bom estado mesmo com a maresia para gelar, e ainda um sorriso no rosto para escutar “nossa, mas esse preço daqui da ilha tá um absurdo, depois que a gente parar de vir eles vão ver só uma coisa..” aí, meu amigo, eu acho bem válido o VALOR que é cobrado.
Na próxima vez que for para a ilha, lembre deste texto. Mas sem cobrança para seu auto-conhecimento e empatia tá? A intenção aqui é realmente valorizar o próximo e, principalmente, o seu tempo. Afinal, se desceu a serra sem carregar nenhum pacote de refri para “não ter trabalho”, tudo bem. Valorize o trabalho de quem fez isso, beba sua coquinha gelada e curta a Ilha do Mel, um dos lugares mais bonitos da costa paranaense.
*Deixe sua opinião sobre esta reflexão aqui nos comentários ou lá no meu instagram @ruimorschel.