
André Bezerra*
A Xepa
Uma refeição no... motel

Imagem criada a partir de registro original de André Bezerra, utilizando inteligência artificial (Gemini Generated Image).
Chegando ao endereço, a voz pelo interfone me deu “boa tarde”. Pela janela do meu carro, a tela diante de mim relacionava as opções: Light, Suíte, Hidro, Iounce, Sky, SPA, Acqua, Club Pool. Enquanto lia os descritivos, pedi pelo Felipe. A voz da interlocutora silenciou por um longo momento. Depois voltou, indagando o meu nome. Uma vez que me identificou, orientou-me a seguir para a suíte Acqua. O Felipe me encontraria lá.
Eu estava num motel próximo à BR-277, que leva às praias do Paraná. Sim, tinha um encontro marcado, mas não era romântico. Fui conhecer um festival gastronômico, o Chefs no Motel (que aconteceu de 21 de abril a 21 de maio), e provar alguns pratos. Mas a gastronomia não é somente a receita sobre a louça, ela é tudo que a cerca. Por isso, fui passar pela experiência de provar um menu completo, criado por um chef profissional, na mesma alcova onde os casais apreciam se encontrar.
O Felipe que me esperava é um dos donos do empreendimento. Dias antes, durante um bate-papo para esta coluna, ele havia discorrido sobre o festival e a evolução do comportamento das pessoas que frequentam motéis. Chamou-me atenção quando ele descreveu algumas diferenças entre “velha e nova motelarias”. A gastronomia tem papel importante no novo jeito de aproveitar uma ida ao motel. Os casais passam mais tempo ali justamente para usufruírem todas as facilidades que costumam ser oferecidas. Além de sauna, piscina e banheira de hidromassagem, algumas suítes disponibilizam churrasqueira com carvão. Estando sozinho na minha experiência - o Felipe providenciou a chave da suíte Acqua e foi embora - pedi música para a Alexa e logo me familiarizei com o que tinha me levado até ali: o menu especial do festival.
Dentre quatro opções de principais, escolhi duas para aplacar meu apetite. Então abri com uma salada caprese. Pensei que, além de saborosa, ela chegou linda através do passa-pratos. O vermelho vivo dos tomates sobre o branco imaculado da muçarela de búfala e o contraste verde das folhas de manjericão. Achei a apresentação elegante.
O primeiro principal foi um bobó de camarão com arroz de amêndoas e farofa de alho. Sentado sozinho àquela mesa para dois, a vista era uma cama “king size” com lençóis e enormes travesseiros brancos. Saboreei cada garfada pensando que o espírito, realmente, merece saciedade. Todos precisamos de amor e o amor pede tempero. Encerrei mais esta etapa ao som de Macy Gray. A letra falava algo sobre engasgar ao dizer adeus, tropeçar antes de partir de vez, sobre um mundo que colapsa quando nos sentimos sós. Achei curiosa aquela combinação naquele momento, boa música me inspira tanto quanto comida bem feita.
A campainha do passa-pratos me trouxe de volta: era a vez do segundo principal e da sobremesa, um medalhão de mignon com molho de cogumelos e purê de gruyére. Para encerrar, brownie com calda de chocolate. Novamente, fui alçado pela gastronomia do chef Hugo. Aquele medalhão pedia um tinto. Embora o vinho tenha o efeito de promover a introspecção, eu sempre achei melhor beber acompanhado. Por isso fiz alguns brindes imaginários enquanto harmonizava com a suculência da carne, depois a textura sempre surpreendente dos cogumelos e, então, o puxa-puxa do queijo de boa procedência.
Casualmente ou por pura oportunidade, o espírito engarrafado da bebida favorita de Baco envolveu o quarto e os meus pensamentos. Novamente oscilei para outro lugar, distintas sensações, deixei que a refeição me carregasse. Eu estava em meio a pequenas elucubrações e armei um desafio: como poderia descrever aquelas sensações e pensamentos alcoviteiros? Seria possível criar um texto sobre a experiência gastronômica e solitária dentro de um quarto de motel? O principal: não ser vulgar ou piegas. Eu queria tanto que meus leitores viessem comigo até a barra da saia da minha prosa, que sorvessem as palavras como eu me deliciava com aquele ágape único, com as sensações etílicas.
Passei o dedo pela calda da sobremesa, fechei os olhos e provei o sabor. Cada nota do chocolate encontrou as notas do vinho e os acordes musicais que tomavam a atmosfera. A harmonia foi fina, promoveu sentimentos que eu desejei que os meus amigos mais caros pudessem experimentar. Senti prazer, alegria e uma certa melancolia. Imaginei coisas fantásticas e tive pensamentos secretos que, naturalmente, eu não posso contar porque serão, para sempre, os meus segredos de alcova.