A Xepa, com André Bezerra e convidados

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A Xepa

Nós, os que não cozinhamos

29/03/2025 19:35
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"O “delivery” é a grande conquista da humanidade. Assim, a pré-história, na verdade, vai até o dia em que inventaram a entrega de refeições. Depois disso, uma nova era se iniciou." Bigstock

Por André Corrêa - @andrecorrearedator
Fazer a própria comida é mais barato. Nada melhor do que comer aquilo que você cozinhou. É fácil, basta praticar. Em um apocalipse, cozinhar vai te salvar a vida.
Não importa o grau do argumento, há aqueles, convictos, que jamais vão se dobrar. Este é um manifesto para aqueles que, como eu, continuarão ignorando as receitas e dependendo dos outros para comer. Eis, a seguir, os nossos princípios.
Comer fora é o nosso grande prazer. Do buffet de durante a semana ao restaurante do sábado e domingo, apreciamos de tudo. Decoramos os cardápios de cada dia e ansiamos para conhecer as novidades gastronômicas. Não importa se o chef é desconhecido ou ilustre, o importante é que o autor do prato não sejamos nós mesmos.
O “delivery” é a grande conquista da humanidade. Assim, a pré-história, na verdade, vai até o dia em que inventaram a entrega de refeições. Depois disso, uma nova era se iniciou. Pedir comida em casa nos aproxima dos deuses e, se outros preferem lambuzar as mãos, que o façam. Abrimos o aplicativo e nosso estômago ronca, o coração acelera e engolimos uma saliva como se precisássemos saboreá-la. Pulamos do sofá quando a campainha toca e esbanjamos sorrisos para entregadores.
Nosso lema é “Abaixo à louça!” Nós não cozinhamos, mas trabalhamos como qualquer outra pessoa, pagando as contas e assumindo as responsabilidades. Por isso, temos o direito de evitar sacrifícios desnecessários, como uma pia cheia de pratos, copos e talheres. Cremos firmemente que nenhuma comida vale o esforço de encarar uma panela com crosta de gordura, uma travessa de vidro suja, muito menos um abominável ralador a nos desafiar.
Sempre diremos “sim” ao essencial. Porque não saber cozinhar é diferente de não produzir qualquer alimento. Somos os artesãos do mínimo, mestres do básico e chefs do precário. Sabemos o ponto exato de cozimento do ovo, o arranjo ideal de um presunto em um sanduíche e a quantidade precisa de sal em uma pipoca. Saudamos ainda o amendoim, a quem devemos constante tributo.
Por fim, lembramos que, sem as pessoas que não sabem cozinhar, a indústria gastronômica se extinguiria. Porque a nossa incapacidade de reproduzir as grandes receitas é o combustível da gastronomia. Quanto maior o distanciamento entre o chef e um cliente, tanto melhor. E estamos muito bem - e saciadíssimos - com isso.
Conclamamos todos a se juntarem a nós, para que cerrem fileiras também. Em uma mão, um aplicativo de delivery e, na outra, o dedo levantado, à vista do garçom mais próximo. Por um mundo com serviços de delivery rápidos, vales-refeições generosos e muitos cupons de desconto. E com pias de cozinha imensamente vazias.