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As referências no menu dos finalistas do MasterChef
“Vocês são o futuro da gastronomia”, disse o jurado Henrique Fogaça no penúltimo bloco do MasterChef Profissionais, antes de anunciar quem venceu a primeira edição do programa para cozinheiros profissionais no Brasil. Mais que originalidade, os critérios para ser um bom profissional da cozinha passam principalmente por sabor e por criar e recriar a partir de boas referências. Elas podem ser afetivas, como fica mais evidente no trabalho de Dayse Paparoto, ou mesmo referências de técnicas mais contemporâneas, como reproduziu Marcelo Verde.
Os finalistas deveriam preparar oito pratos para um menu degustação, sendo dois amuse-bouche, duas entradas, dois pratos principais e duas sobremesas. Enquanto Marcelo usou sua criatividade tanto na combinação de ingredientes – como no zaatar com aspargo, pétala de rosa e emulsão de fermento – quanto na apresentação inusitada (caso dos charutos de chocolate servidos com um drink tipicamente paulistano), Dayse trilhou um caminho também coeso dentro da cozinha clássica, sabendo encontrar saídas criativas quando não conseguiu modelar os nhoques sem ovo, por exemplo, e serviu como uma farofa ou quando esqueceu de comprar ingredientes – na falta de leite, ela fez leite de cereais para uma panna cotta.

A falta de sal em dois cursos servidos por Dayse não a prejudicaram, tanto que ela venceu o MasterChef Profissionais. A sua trajetória estável de preparos de clássicos surpreendeu os chefs Paola Carosella, Henrique Fogaça e Erik Jacquin por ter dado uma guinada ao contemporâneo – linguagem quase obrigatória para um menu degustação.

Marcelo Verde era mostrado pelo programa como um dos competidores mais fracos no início do MasterChef Profissionais. Ele misturava tantos ingredientes e técnicas no mesmo prato que ouviu dos jurados nos primeiros episódios que fez um dos piores pratos de todas as edições do programa. Aos poucos o cozinheiro conseguiu se organizar a ponto de apresentar pratos que emocionaram os jurados, como o purê caramelado de repolho roxo, e se destacou pelo inusitado.
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Menu degustação de Dayse Paparoto
Amuse-bouche:
1. Chips de batata com vieira no azeite de carvão com alho, espuma de wasabi, grape fruit e broto de rúcula
2. Sopa de castanha portuguesa com crocante de bacon, lâminas de trufa branca e ciboulette.
Entradas:
1. Escalope de foie gras com brioche tostado e redução de suco de uva e melaço e vagem holandesa
2. Abóbora com especiarias, coalhada seca, manteiga de salsinha e pinhole com farofa.
Pratos principais:
1. Atum selado com mandioquinha glaceada na laranja, broto de salsão e molho poivre.
2. Dry aged com deglaçagem de cebola roxa e palmito pupunha recheado de farofa de tutano e baby agrião.
Sobremesas:
1. Pana cotta de leite de cereais com figo fresco e farofa.
2. Fudge de chocolate com caramelo de whisky, flor de sal, raspa de tangerina e sorvete de baunilha.
O menu degustação de Dayse começou com referências mais contemporâneas e foi se rendendo ao clássico a partir das entradas. Ao usar o azeite de carvão para deixar a vieira negra no amuse-bouche, Dayse evocou um ingrediente que esteve presente na cozinha do chef espanhol Andoni Luis Aduriz, do Mugaritz, um dos dez melhores restaurantes do mundo segundo a publicação britânica Restaurant. Ele tingiu mandioca cozida com carvão mineral para dar aspecto de queimado.

No Maní, de Helena Rizzo e Daniel Redondo, o carvão entra como parte de uma crosta de carne com chá defumado; e no Paraná, a chef Manu Buffara, do restaurante Manu, já usou o azeite de carvão para finalizar um prato caiçara e ensinou a receita no Bom Gourmet.
A opção da vencedora por fazer leite de cereais quando esqueceu de pegar o leite no mercado lembram os usos de leite de castanhas da cozinha contemporânea brasileira, como Alex Atala, chef premiado do D.O.M., e Alberto Landgraf, chef paranaense que comandou o Épice, em São Paulo.
Na entrada, Dayse foi para o clássico, servindo o escalope de foie gras com molho de uva e melado, que lembrou vinho do Porto, segundo Jacquin. Sua referência foram as videiras na casa da mãe em Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo. O nhoque que não deu ponto por não usar nem ovo nem farinha foi uma das preparações que causou espanto: a chef Eva dos Santos, do Grupo Victor, em Curitiba, lembrou em cobertura ao vivo da Gazeta do Povo que Celso Freire preparava o prato usando apenas azeitona e farinha de rosca. O chef Ivan Lopes, irmão do competidor Ivo Lopes, também comentou que o jurado Henrique Fogaça costuma preparar o nhoque sem farinha nem ovo no restaurante Sal Gastronomia, e que o ponto do prato vem com a finalização na frigideira.

O prato principal de Dayse foi inspirado “nas coisas simples”, como ela disse durante a apresentação, citando mandioquinha e laranja como ingredientes das lembranças de sua infância. Ela glaceou a mandioquinha no suco de laranja e serviu com atum selado ao molho poivre, um molho geralmente usado com carne vermelha, dois ingredientes e técnicas que só conheceu quando começou a estudar gastronomia.
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Menu degustação de Marcelo Verde
Amuse-bouche:
1. Bolinho de santo com caldo de tacacá e camarão
2. Carapau defumado com emulsão de fermento e algas e “escamas” de ágar-ágar
Entradas:
1. Creme de tutano com lagostim e pele de porco
2. Horta tostada (terra de zaatar, emulsão de fermento e aspargos)
Pratos principais:
1. Da Lama ao Caos (berinjela, siri mole e água de mexilhão)
2. Lembranças de Lisboa (língua, glace de couve-flor e purê de ervilha com morcela espanhola)
Sobremesas:
1. Baixo Augusta (charuto de chocolate 70% cacau com hortelã desidratada e drink Maria Mole)
2. Chocolate branco caramelizado com flor de sal, iceberg de limão siciliano (feito em nitrogênio) e physalis

Marcelo Verde incluiu em seu menu degustação preparos de chefs com quem trabalhou, como a emulsão de fermento, que é criação do chef português José Avillez do restaurante Belcanto, com duas estrelas Michelin, onde Marcelo estagiou. A emulsão foi usada no amuse-bouche de carapau defumado e na entrada de horta tostada. A brasilidade ficou marcada nos dois primeiros pratos de Marcelo ao apresentar um peixe defumado, típico da cozinha amazônica, assim como o tacacá, prato comum no Norte do país e popularizado em São Paulo pela chef Mara Salles, do Tordesilhas.

Um dos pratos principais foi batizado pelo cozinheiro paulistano de Da Lama ao Caos, uma referência aos sabores do mangue ao usar siri mole e água de mexilhão com purê de berinjela. Coincidentemente, o restaurante Maní, em São Paulo, teve um prato com o mesmo nome em um menu degustação de 2012, uma sobremesa que leva doce de berinjela defumada.
Jacquin notou que Marcelo usou coentro e purê nos dois pratos principais, o Da Lama ao Caos e o Lembranças de Lisboa (língua com beterraba, glace de couve-flor e purê de ervilha com morcela espanhola), e também a mudança no estilo da louça escolhida para o início do menu degustação e para o prato principal, o que causou um pouco de estranhamento.