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A versão atualizada do kaol é feita com arroz, ovo caipira, farofa de feijão, couve refogada e linguiça caseira de pernil, feita diariamente no local.

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Kaol, prato icônico mineiro com “kachaça”, arroz, ovo e linguiça completa 80 anos

Lorena K. Martins, de Belo Horizonte, especial para Bom Gourmet
28/06/2018 17:00
BELO HORIZONTE – Há quem diga que, para ser ser mineiro de verdade, é preciso ter pisado pelo menos uma vez na vida em um dos locais mais emblemáticos de Belo Horizonte, o Café Palhares. A lenda faz sentido. O estabelecimento, que completa neste ano oito décadas de existência preservando as suas origens, tem a sua história quase confundida com a da capital mineira, que completou recentemente 120 anos. Em tempos de “abre e fecha” instantâneos de vários estabelecimentos, o Café Palhares é um dos poucos locais que mantém sua tradição no mesmo endereço de sua origem: Rua dos Tupinambás, 638, no centro da capital mineira.
O sucesso, que suportou crises e ao fenômeno da “gourmetização”, é devido também ao seu prato mais emblemático: o kaol, cuja sigla significa “A” é de arroz, “O” é de ovo e “L” de linguiça. A cachaça, que era servida para abrir o apetite, foi escrita assim mesmo, com “K”, para dar mais charme ao prato. A ideia do nome foi crédito de do compositor e radialista Rômulo Paes que, frequentador assíduo do local e, claro, amigo pessoal de João Ferreira que, ao lado de Fuad Houri, assumiu o comando do estabelecimento criado em 1938 pelos irmãos Newton e Antônio Palhares. Na década de 40 quando o local funcionava 24 horas, o prato foi a pedida ideal para acolher a alma – e o estômago – durante a madrugada dos boêmios.
Vale lembrar também que nos anos 1950, o Café Palhares funcionou como uma espécie de “quartel general dos esportes”. “As pessoas ligavam para cá para saber o resultado dos jogos e também vendemos ingressos para os jogos na Arena Independência, pois na época não existia ainda o Mineirão, ele foi inaugurado só em 1965”, relembra Luiz Fernando Ferreira, que segue o legado deixado pelo pai João Ferreira. Lá também foi um dos primeiros lugares a ganhar uma televisão. “Em dias de jogos a gente ligava e a rua até fechava de tanta gente”, relembra.

Kaol, o emblemático

O kaol, na época, era era preparado apenas para os funcionários do local, mas, após a insistência do próprio Rômulo e de outros fregueses, o prato entrou definitivamente para o cardápio fixo. Hoje em dia, novas opções de kaol são oferecidas aos clientes, que podem escolher outras carnes entre pernil, língua, dobradinha e carne cozida, além da linguiça, que é a versão oficial.
Se no início a linguiça era servida apenas com ovo e arroz, em 1969, após a primeira reforma do local, ela ganhou novas companhias com couve, farofa de feijão, torresmo e molho de tomate caseiro, toque responsável por dar uma espécie de “liga” ao prato, cuja receita é guardada a sete chaves. O valor é justo: R$ 17,90 o prato muito bem servido.
Luiz Fernando deixa claro que a fama do kaol não é só pela tradição dos 80 anos e, sim, pela qualidade dos ingredientes. A linguiça, que acompanha o prato, é feita de pernil preparada diariamente na casa e não leva nenhum tipo de corante ou conservante, assim como as outras carnes. O ovo também é caipira, com a gema vermelhinha e frito em uma imersão de óleo. A couve chega todos os dias ao local e não vai para a geladeira. “Ela chega aqui, vai pro corte e direto para a panela”, disse Luiz, que recebe a hortaliça de Brumadinho, região metropolitana de BH.

Renovação

Atualmente são cerca de 500 pratos vendidos por dia – na época do Plano Cruzado, esse número chegou a mil. Ainda sim é uma quantidade enorme quando se compara o espaço do lugar: são apenas 20 bancos em torno de um balcão em formato em “U”, de onde se vê toda a preparação do prato juntamente à cozinha minúscula que mal cabem duas pessoas. “O cliente já vem aqui sabendo que não é um lugar para demorar muito. A rotatividade é grande. Ninguém come e fica aqui ‘fazendo hora’ porque tem fila e tem que ceder lugar pro outro comer”, disse Luiz.
Aliás, para receber os novos frequentadores, o local precisou de uma certa modernização: a máquina de cartão só chegou neste ano, assim como a aderência à plataforma iFood.
O público, é claro, mantém fiel mas também foi renovado ao longo do tempo: não é raro escutar histórias de pessoas que foram levadas pelos pais e avós e que hoje levam seus filhos e netos para comer um kaol. Pelo local, passaram, e continuam a passar, artistas, intelectuais, jornalistas e políticos.
Juscelino Kubitschek costumava bater ponto por lá, inclusive. “O Agnaldo Timóteo quando vem a Belo Horizonte sempre vem comer kaol. Se ele não vier, mandam buscar pra ele”. Na falta de tempo, o kaol também pode ser embalado para viagem. Você pode optar por um boné (kaol pequeno embrulhado pra viagem) ou chapéu (grande).

Bônus

O que ninguém conta é que há mais iguarias imperdíveis no Café do que o kaol exibidos na clássica estufa: como o pão de queijo caseiro com linguiça (R$ 7), pastel frito recheado com carne moída e batata (R$ 1,90) e uma irreverente coxinha de lombo (R$ 3). A linguiça caseira também é servida como porção ao molho (R$ 24).
Hoje, o estabelecimento funciona das 7 às 22 horas e o kaol é servido a partir das 10 horas – é neste horário que já tem freguês que encontra no local um alento ao estômago para começar o dia com o pé direito ou simplesmente curar a ressaca do dia anterior.
O segredo desse sucesso vai muito além de cachaça, arroz, ovo e linguiça: “Proprietários e funcionários são todos iguais, somos uma família. Eles já estão acostumados a cuidar daqui e quando chega gente nova são eles mesmos que decidem quem fica e quem não fica quando tem funcionário novo”, conta.
Dica: Pouca gente ainda sabe, mas caso você queira pedir a versão oficial de Rômulo Paes, também é possível. É uma versão mais leve, simplória mas que faz sentido se pedida com a cachaça, é claro.
Serviço
Café Palhares – Rua dos Tupinambás, 638, Centro. Segunda a sábado, das 7 às 22 horas. O kaol é servido a partir das 10 horas.
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