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Do mate à inovação: como Paraná e Rio Grande do Sul mantêm viva a cultura da erva-mate

Anderson Hartmann, com Laura Tedesco Bressan
26/06/2025 17:57
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Símbolo de hospitalidade e identidade no Sul, o chimarrão une tradição e cotidiano em uma única cuia.

Seja em uma roda de chimarrão nas praças de Porto Alegre ou em áreas sombreadas no interior do Paraná, a erva-mate faz parte de um ritual coletivo, enraizado na cultura dos povos originários e sustentado por gerações. Mais que uma bebida, o mate simboliza uma ligação entre o Rio Grande do Sul e o Paraná – um elo que vai da produção à tradição.
A história da erva-mate no Brasil remonta ao consumo ancestral dos povos Guaranis, habitantes de regiões que hoje se distribuem entre o Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. Foi a partir dessas comunidades, principalmente nas terras do atual município de Guaíra (PR), que se consolidou o hábito de preparar a infusão das folhas da Ilex paraguariensis, planta nativa da Mata Atlântica, usada tanto em rituais quanto na vida cotidiana.
Com a chegada dos colonizadores, o consumo se expandiu. No século 17, os jesuítas passaram a comercializar a bebida, marcando o início da exploração comercial. No século seguinte, o mate já era descrito por viajantes europeus como parte fundamental do cotidiano no Sul do Brasil. Um dos relatos mais antigos é do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, que, em 1820, observou a ubiquidade do mate nas casas gaúchas.

Produção no Paraná, consumo no Rio Grande do Sul

Atualmente, embora o chimarrão seja símbolo consolidado da cultura rio-grandense, é no Paraná que se concentra a maior produção de erva-mate do país. Entre 2020 e 2022, o estado foi responsável por 46% da produção nacional de folha verde, com média anual de 261 mil toneladas. O Rio Grande do Sul aparece em segundo lugar, com 222 mil toneladas por ano, o equivalente a 39% do total nacional.
— O Rio Grande do Sul sempre teve maior capacidade fabril instalada porque o mercado interno sempre foi maior. E o Paraná sempre teve a maior produção do Brasil. Cada vez mais os polos de produção e beneficiamento se aproximam conforme a indústria se organiza — contextualiza Leandro Gheno, presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Erva-Mate.
Boa parte da produção paranaense é destinada justamente ao mercado gaúcho, onde o chimarrão permanece enraizado no cotidiano. A erva sombreada do Paraná, mais suave e menos amarga, é frequentemente misturada à erva de sol do Rio Grande do Sul para equilibrar o sabor da bebida.

Chimarrão: entre tradição e inovação

O chimarrão, ou mate amargo, é mais que uma bebida quente: é um símbolo de hospitalidade, parceria e identidade. Servido em uma cuia tradicional e consumido com a bomba, o preparo segue rituais que variam conforme a região e o contexto social.
A tradição, porém, não impede a inovação. Nos últimos anos, pesquisadores e empreendedores vêm desenvolvendo novos usos para a erva-mate. No Rio Grande do Sul, a startup Inovamate criou blends voltados para chás e infusões com ingredientes que dialogam com os compostos da planta. No Paraná, a Avaliamate, primeira avaliação sensorial nacional da erva-mate verde, busca definir parâmetros de qualidade e sabor, em iniciativa similar à que consolidou o mercado de cafés especiais.

Curiosidades da bebida

O ato de cevar o mate faz parte do ritual. Foto: Laura Tedesco/Bom Gourmet
O ato de cevar o mate faz parte do ritual. Foto: Laura Tedesco/Bom Gourmet
As formas de servir o chimarrão carregam recados não ditos: mate com açúcar expressa simpatia; com mel, sinaliza intenção amorosa; servido com a mão esquerda, revela que o visitante não é bem-vindo. As combinações variam de acordo com o costume local, mas mantêm viva a tradição de se comunicar por meio da bebida.
Além de suas propriedades sociais e culturais, a erva-mate também é valorizada por suas características nutricionais. Rica em vitaminas do complexo B, além de cálcio, magnésio e antioxidantes, é considerada um estimulante natural, auxiliando na digestão e na disposição.
Em um momento de crescente valorização de produtos com identidade regional e sustentabilidade, a erva-mate se fortalece como vetor de conexão entre estados vizinhos. Produzida sob florestas do Paraná e cevado em cuias gaúchas, ela é, acima de tudo, o elo verde que une o Sul.